CONTO

Por Valéria Soares

 

– Desaprendeu?

– desaprendi.

– mas você era tão…

– Era! Muito tempo atrás. Não sou mais.

– Tem certeza? Isso a gente nunca esquece. Basta uma vez pra nunca mais esquecer.

– Não foi só uma vez…

– Não?! Bem, comigo… Pensei que tivesse sido apenas comigo…

–  A primeira sim, mas houve outras. Tantas… Tão boas, tão lindas… O que foi?

–  Nada! Quer dizer… nada! Nada não.

–  Ficou com ciúmes?

–  Sim.

–  Não fique. A primeira nunca esquecemos.

–  Não?! Então por que desaprendeu?

–  Porque…

–  Por quê…?

–  Sei lá! Fui crescendo. Ficando mais pesada. Deixando de lado.

–  Por quê?

–  Você nunca parou?

–  Não. Por que pararia?

–  Mas você também cresceu. Também ficou mais pesado…

–  Cresci.

–  Então?

–  O quê?

–  Não ficou mais difícil?

–  Não.

–  …

–  Não havia como.

–  …

–  É o meu sentido. É para o que existo.

–  Como sabe?

–  É lógico!

–  Não entendi.

–  É lógico! 

–  Tá! Agora me explica.

–  Temos asas. 

–  E daí?

–  Como e daí? Temos a-sas!

–  Aff!

–  Qual o motivo de termos asas se não for pra voar?

–  … Você acha?

–  Meu Deus! Tenho certeza.

–  Mas também temos pés.  Podemos andar.

–  E a-sas!

–  …

–  Cadê as suas? Elas eram tão bonitas! Tão lindas, cheias de plumas…

–  Diminuíram. Não sei. Não são mais as mesmas. Mas as suas estão mais bonitas, mais definidas.

–  Eu voo.

–  Eu cresci.

–  Você cresceu e desaprendeu.

–  Cresci e desaprendi a voar…

–  Não! Cresceu e desaprendeu a ser.

–  A ser?

–  Sim. 

–  A ser o quê?

–  Feliz.

–  …