De fato: de que tipo? A questão surge naturalmente, enquanto nos preparamos para testemunhar, com o coração na mão, o confronto final em todas as frentes. A anunciada ofensiva terrestre na faixa de Gaza, os palestinos (exaustos pelo bloqueio da ajuda humanitária, pela fome, pelos 18 meses de guerra) que agora ficarão — de acordo com os planos — lotados em mais um enorme campo de refugiados ao sul da Faixa, à mercê da ajuda prestada pelas IDF, bem como por empreiteiros privados. Tudo isso para depois serem deportados à força/voluntariamente quem sabe aonde…

Aqui estamos nós, testemunhas de uma limpeza étnica que deixou de ser denunciada pelos vários tribunais internacionais, mas é claramente alardeada através dos meios de comunicação social (os reféns que se danem). Esta é a solução de segurança que Netanyahu está oferecendo à sociedade israelense, para conseguir manter sua própria sobrevivência política, custe o que custar. Milhares de reservistas foram convocados para a batalha final, as negociações foram interrompidas porque não resta mais nada para negociar, e os céus foram declarados zonas de exclusão aérea enquanto aguardam o apocalipse… e tudo o que podemos fazer é ficar de pé e assistir, pois nossos governos são totalmente cúmplices desta catástrofe em tempo real que temos assistido há demasiado tempo, com apelos, iniciativas de solidariedade, luzes apagadas, coletas de assinaturas, posts que trocamos incessantemente, tentando apaziguar a nossa angústia, dar voz à nossa indignação e expressar a nossa proximidade com Gaza… medindo a nossa impotência, a sorte foi lançada, o projeto Grande Israel está acontecendo, com o apoio “interessado” da administração de Donald Trump, mais do que nunca parceira nos negócios.

Contra esse pano de fundo, hoje ocorre a inauguração desta Cúpula dos Povos pela Paz em Jerusalém, que, planejada há meses, parece quase surreal agora. Paz, uma palavra que há muito é tabu, até ridicularizada (como as três coorganizadoras Mika Almog, May Pundak e Maya Savir apontaram em uma entrevista recente, que você pode ler aqui). É tão bom saber que uma opção de paz está ganhando terreno (finalmente!) dentro da sociedade israelense, ou assim dizem as sondagens, por exemplo, esta do Instituto aChord). Mas, e a reconciliação? Quem sabe quanto tempo ela permanecerá indigesta para aquele “outro lado” que gostaríamos de imaginar envolvido no chamado “processo de reconciliação”, tendo em vista “o dia após o fim da guerra”: aqueles sete milhões de palestinos que deveriam simplesmente desaparecer…

Mas enquanto escrevo essas notas, um último post de Maoz Inon, o principal promotor desta Cúpula dos Povos pela Paz, chega ao meu celular e diz assim: “…enquanto Gaza está agora completamente privada de alimentos e de ajuda humanitária, enquanto a guerra continua, o movimento israelense-palestino se recusa a permanecer em silêncio (…) Diante desse horror, milhares de israelenses e palestinos estão convergindo para Jerusalém neste preciso momento para dizer (mensagem em negrito): Chegou a hora! Chegou a hora de acabar com o massacre. Chegou a hora de acabar com o cerco. É hora de escolher a justiça, a igualdade e a paz — para todos. (…) Hoje e amanhã, Jerusalém será o palco do maior evento contra a guerra, e pela paz. (…) Rompa seu silêncio, junte-se ao nosso programa de ação, participe ou assista…”.

Então, é isso, não vamos desistir. Vamos continuar a explorar este incrível “campo da paz” que tentamos lhes mostrar em uma prévia, com as entrevistas publicadas antes de 8 e 9 de maio, uma vez que tudo está acontecendo neste momento. O espetáculo começa hoje, como previsto, e já teve algumas boas prévias em várias cidades do mundo, como podem ver nas fotos a seguir.

São Francisco, Los Angeles, Londres, Sidney, Seattle, Boston, Baltimore: graças à formidável rede iniciada pelo movimento israelense-palestino Standing Together (um dos membros mais ativos da coalizão de 60 organizações promotoras), temos uma excelente visão geral das iniciativas mobilizadas desde 4 de maio, em apoio a este encontro tão relevante e importante, a Cúpula pela Paz, que tem sido largamente ignorada pelos grandes meios de comunicação social.

Passando ao rico programa de debates, seminários, reuniões e atividades recreativas que ocuparão estes dois dias em Jerusalém, vamos nos limitar a destacar os focos temáticos mais significativos.

Hoje, 8 de maio, tudo acontece à tarde. A programação está espalhada por vários locais da cidade (lista detalhada de eventos neste link: https://www.timeisnow.co.il/thursday-english): Cinemateca Sam Spiegel, Willy Brandt Center, Smadar Project, FeelBeit, Muslala, Hamiffal, Mizkaka, YMCA. São uma série de locais que correspondem à rede de parceiros que ‘revela’ uma Jerusalém que está em movimento, e receptiva não só a acolher, mas também a se envolver — e a aceitar os riscos, se pensarmos nos ataques cada vez mais frequentes à frente da paz por esquadrões fundamentalistas, que contam com a aprovação dos órgãos de aplicação da lei, como demonstrado pelo vídeo chocante aqui abaixo, divulgado ontem pela Assopace Palestina.

A lista detalhada de eventos pode ser encontrada no link https://www.timeisnow.co.il/thursday-english. Entre eles, vale a pena mencionar (6 p.m., na cinemateca) a exibição do filme “Wave Goodbye to Dinosaurs”, de Eimhear O’Neill, que conta como o processo de paz na Irlanda do Norte aconteceu sobretudo graças a essa bela coalizão de mulheres, das frentes católica e protestante, conhecida como coalizão de Mulheres da Irlanda do Norte. Duas das protagonistas, Monica McWilliams e Avila Kilmurray, estarão presentes imediatamente após a projeção do filme, em conversa com Yael Brouda-Bahat, fundadora (juntamente com a falecida Vivien Silver, vítima de 7 de outubro) e codiretora do Women Wage Peace, um movimento com mais de 50.000 membros em Israel, em parceria com a Palestinian Women of the Sun.

Mas, antes disso, às 4 horas da tarde, no espaço de Mizkaka, estarão Maoz Inon e Aziz Abu Sarah, que entrevistamos para Pressenza aqui e aqui. Eles recordarão a história da sua amizade fraterna na frente da paz e também oferecerão algumas ‘receitas’ simples para transformar a esperança em ação, palavra de ordem de todo o projeto: a esperança é um verbo, algo para agir e para fazer…

Não podemos dar aqui detalhes da longa lista de curtas e longas‑metragens, oficinas criativas (incluindo muitas para crianças), performances (entre elas, a artista Idith Kishinovsky, especializada em “técnicas afetivas e de clown” para transformar situações de conflito), momentos de oração (por exemplo, com o Ensemble Eretz, com artistas israelenses e palestinos dirigidos por Yonatan Konda), o Festival da Paz e Ecologia no Muslala’s Terrace, a exposição sobre Arte Política no Museu on the Seam (e o encontro planejado com a curadora/artista/ativista Chen Shapira, que ocorrerá no telhado do próprio museu… E vale a pena mencionar a exposição no YMCA chamada “Fundações”, que, através dos trabalhos de Anisa Askar e Daphna tal, explora os elementos fundamentais do Islamismo… Finalmente, às 8h da noite, o evento “Seekers of Peace” no Instituto Hadar, que tentará “imaginar um futuro melhor para todos os habitantes desta terra, apesar da dolorosa realidade em que nos encontramos”. Entre os organizadores/oradores, vemos o nome de May Pundak, fundadora e codiretora de A Land for All (a quem entrevistamos aqui) e vários ativistas do movimento Rabinos pelos Direitos Humanos.

Haverá, das 9h da manhã até ao pôr do sol, vários passeios “temáticos” pelas ruas de Jerusalém, guiados pelas várias organizações envolvidas na cúpula, incluindo Ir Amim, Zochrot, Peace Now e Mejdi Tours, este último fundado por Aziz Abu Sarah Os tours como sempre estarão caracterizados pela dupla narrativa de dois guias diferentes, “para descobrir não só o passado conflituoso, mas também as oportunidades de interseção e diálogo em cada etapa”. Tudo isso terminará com uma Caminhada Silenciosa pela Paz: um momento de meditação “inspirado nos ensinamentos de Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Rabi Abraham Joshua Heschel e muitos outros”.

E assim chegamos ao dia principal, 9 de maio, da manhã à noite, no Centro Internacional de Convenções de Jerusalém, o mesmo local que há um ano e meio acolheu aquela mega assembleia muito ameaçadora de colonos e representantes do pior tipo de fundamentalismo sionista, que de alguma forma inspirou a urgência dessa iniciativa, sob o lema de “A hora é agora, vamos andando!”.

Após o evento de abertura https://www.youtube.com/live/DIs8F5iwN5w), que apresentará as principais organizações envolvidas e resumirá os principais eventos e temas dos dois dias, o dia continuará com programas distribuídos em 14 salas (a lista seria muito longa para reproduzir aqui, por isso encaminhamos você para o link https://www.timeisnow.co.il/friday-english).

Haverá debates, uma feira de informação, apresentações musicais, programas infantis, instalações artísticas: “A ideia é criar algo que fale para a cabeça, o coração e também a barriga”, explicou a coprodutora Mika Almog, em uma entrevista publicada outro dia por Haaretz.

Enquanto isso, aproveitemos a rodada de eventos que já aconteceram, ou estão prestes a acontecer em todo o mundo, em apoio a este belo, compacto e determinado “campo de paz” israelense-palestino que será organizado entre hoje e amanhã em Jerusalém.

Lista de artigos publicados anteriormente em Pressenza sobre a Cúpula dos Povos pela Paz em Jerusalém:

Entrevista com Maoz Inon: https://www.pressenza.com/pt-pt/2025/04/rumo-a-cupula-dos-povos-pela-paz-em-jerusalem-nos-dias-8-e-9-de-maio-entrevista-com-um-dos-organizadores-maoz-inon/

Entrevista com Aziz Abu Sarah: https://www.pressenza.com/pt-pt/2025/04/rumo-a-cupula-dos-povos-pela-paz-em-jerusalem-nos-dias-8-e-9-de-maio-entrevista-com-aziz-abu-sarah/

Entrevista com Nivine Sandouka: https://www.pressenza.com/pt-pt/2025/04/rumo-a-cupula-dos-povos-pela-paz-em-jerusalem-nos-dias-8-e-9-de-maio-nosso-total-apoio-a-sociedade-civil-diz-a-ativista-palestina-nivine-sandouka/

Entrevista com Mika Almog, May Pundak e Maya Savir: https://www.pressenza.com/pt-pt/2025/05/__trashed-4/


Tradução do inglês por Graça Pinheiro