Exatamente daqui a um mês, ocorrerá em Jerusalém um evento que os organizadores simplesmente chamaram de É agora, e que promete ser a maior convenção de paz realizada no Oriente Médio. Como pensamos que será um acontecimento importante, começamos nesta primeira entrevista com Maoz Inon (um dos principais organizadores) uma série de artigos ‘nos bastidores’ dessa iniciativa extraordinária, que reúne cerca de sessenta organizações israelense-palestinas com histórias, estratégias e vertentes políticas diferentes, mas todas fortemente voltadas para conseguir a paz.

Ele completa cinquenta anos este ano, e é conhecido pelas aventuras da sua juventude ao longo de algumas das trilhas mais desafiadoras do mundo, de Machu Picchu às Montanhas Apalaches e ao Nepal. Maoz Inon já era bastante famoso em Israel antes de 7 de outubro, um empresário de sucesso no campo do chamado turismo de paz’: a oportunidade de atravessar territórios historicamente disputados. Iniciou o seu negócio em 2005 com uma primeira e belíssima instalação em Nazaré, e sua oferta se expandiu desde então para uma rede de albergues com o nome de Abraão, o ancestral comum das três religiões monoteístas.

Tudo mudou na manhã de 7 de outubro, quando a impossibilidade de telefonar para os seus pais, que moravam num kibutz muito próximo da Faixa de Gaza, o fez temer o pior. Poucas horas depois, seus temores foram confirmados, quando os corpos carbonizados deles foram encontrados dentro da casa que tinha sido atingida por militantes do Hamas com um foguete.

Bilha e Yakovi Inon

Longe de ceder ao desespero ou ao desejo de vingança, Maoz Inon escolheu o perdão, como disse numa série de entrevistas que podem ser encontradas online. Em uma delas para a BBC, ele descreve, chorando, sua imensa dor não só pela perda de um pai e uma mãe amados, ambos comprometidos com a paz, mas também pelo banho de sangue que inevitavelmente se seguiria.

Foi nesse preciso momento que Maoz prometeu a si mesmo, aos seus pais e ao mundo inteiro que dedicaria todas as suas energias, capacidades, recursos e todos os momentos da sua vida à procura ativa de uma paz possível. E assim foi: juntamente com o palestino Aziz Abu Sarah, também empresário no mesmo ramo do turismo de paz, iniciaram uma série de reuniões de alto nível, das Nações Unidas, em Genebra, até o Ted Talks, em Vancouver, o que os levou ao famoso Arena Di Pace, em Verona, no dia 18 de maio do ano passado, quando o Papa Francisco os abençoou naquele abraço que comoveu o mundo inteiro.

Menos de dois meses depois, em 1° de julho, os dois lideravam outra importante iniciativa de paz em Tel Aviv: milhares de pessoas encheram as arquibancadas do Estádio Menorah para um evento chamado Chegou a hora, que Pressenza relatou em mais de um artigo.

Achamos que foi uma iniciativa improvisada. Entendemos agora que foi a primeira etapa importante de uma jornada, que apenas alguns meses depois (em meados de dezembro), seria renovada numa longa marcha até as fronteiras de Gaza, com o envolvimento das mesmas organizações que já tinham contribuído para o sucesso do evento no Menorah, em Tel Aviv, e que se reunirão em números ainda maiores na Cúpula dos Povos pela Paz, em Jerusalém, nos dias 8 e 9 de maio.

Conversamos com Maoz Inon por telefone para entender como foi possível alcançar tal resultado em tão pouco tempo. E quais serão os possíveis desdobramentos no futuro.

Cúpula dos Povos pela Paz simplesmente prova a existência de um “Campo de Paz” em Israel: uma coalizão de sessenta organizações como Combatants for Peace, Standing Together, Women Waging Peace e muitas outras, a fim de mostrar a diversidade, a força e a visão que todos juntos podemos oferecer. Choramos muito por todo o sofrimento que ocorreu durante demasiado tempo, mas não desistimos. Poderemos reunir uma grande multidão, amplificar nossas vozes, provar que somos um movimento e que existe uma alternativa a esta guerra sem fim. Temos diferentes departamentos encarregados do programa e, embora eu esteja entre os líderes dessa coalizão, não sei exatamente o que acontecerá nestes dois dias; o programa será finalizado em breve. Só posso lhes dizer que durante todo o primeiro dia haverá seminários, palestras e música, além de passeios em diferentes locais da cidade. Queríamos realmente elaborar este encontro como a expressão da sociedade civil em todas as suas manifestações e compromissos. Enquanto os nossos políticos só estão lidando com guerra e vingança, insistimos em que existe uma alternativa, que podemos criá-la. Infelizmente, a situação está piorando, as circunstâncias não poderiam ser mais difíceis. Nenhum dos nossos amigos palestinos poderá participar, porque as Forças de Defesa de Israel (IDF) não irão permitir… mas vocês, nós, todos juntos, temos o poder de fazer a paz. Esta Cúpula dos Povos pela Paz vai mostrar que, bem, ainda não somos a maioria, mas existe um “Campo de Paz”. Sessenta organizações diferentes que se unem a este projeto são uma realidade incrível!

—Como você conseguiu reunir tantas organizações, apesar das suas diferenças em termos de identidade, práticas e estratégias?

—Depois de ter perdido os meus pais no dia 7 de outubro, recebi muitas mensagens de condolências, entre elas a de Aziz Abu Sarah – quem agora considero como irmão –; foi tão comovente e tão importante, que decidimos trabalhar juntos nesse caminho de pacificação, para torná-lo uma prioridade, uma espécie de missão. Eu me uni a Interact, a organização que Aziz fundou há vinte anos e, juntos, nos perguntávamos se a nossa experiência como empresários poderia contribuir.

—E você acha que sim? Nessas circunstâncias de impunidade e desumanização, quando tudo o que podemos fazer é apenas testemunhar, enquanto nos sentimos tão impotentes… a paz pode ser alcançada através de uma espécie de roteiro?

—É nisso que acreditamos: mesmo o conflito mais insolúvel pode ser resolvido no âmbito de um projeto baseado em cinco grandes passos. Primeiro: é preciso ter um sonho e estar determinado a transformá-lo em realidade; não importa se será no domínio social, na sociedade civil, ou nos negócios… é preciso ter esse sonho, de que a paz prevalecerá, tanto na Itália, como na Terra Santa, como em todo o mundo. Logo, precisamos chegar a um acordo sobre os nossos valores comuns: igualdade e dignidade para todos, fim da ocupação, reconhecimento compartilhado, reconciliação e cura, essas são as pré‑condições para uma estrutura de segurança que pode durar. Depois, precisamos construir uma coalizão que possa refletir o consenso sobre estes valores compartilhados a um nível concreto, porque ninguém pode realizar seus sonhos sozinho. E alcançamos esse objetivo: esta Cúpula dos Povos pela Paz, em Jerusalém, que estamos organizando com sessenta organizações diferentes, mostra a existência de um forte movimento pacifista na Palestina e em Israel – que tenho certeza de que existe também na Itália e em tantas partes da Europa –, e o único problema é como torná-lo visível, mais forte e efetivo, capaz de liderar, dotado de legitimidade. Só para dar um exemplo: no início de abril, em Londres, tivemos reuniões de alto nível em Westminster; também nos encontramos com os líderes religiosos das comunidades muçulmana, cristã e judaica, em particular com o bispo Anthony Poggo, do Sudão do Sul, que muito em breve se tornará o representante da Igreja Anglicana no Vaticano. E como eu poderia esquecer de mencionar aquele momento marcante na Arena de Verona, no ano passado, em 18 de maio, em que recebemos a bênção do Papa Francisco: um momento, um abraço entre mim e Aziz, que foi transmitido ao público mais incrível do mundo! Um resultado importante desse encontro com o Papa em maio passado foi visto imediatamente depois, na reunião do G7 em Apúlia, em que a relevância do ativismo pela paz por parte da sociedade civil israelense-palestina foi mencionada no documento final.

Depois de nos encontrarmos com o Papa Francisco, em Verona, um acontecimento tão transformador para nós, falamos com vários líderes espirituais, rabinos e imãs. Eles me ajudaram a perceber que quem tem a capacidade de promover uma mudança na nossa humanidade sofredora joga no campo da imaginação, ou naquilo que chamamos de aspirações; o campo político surge como consequência.

—Esse título para a sua Cúpula pela Paz, “É agora”, o que significa?

—As pessoas pensam que a segurança só pode ser alcançada pela força e por mais gastos com armas. Elas estão erradas. O único caminho para a segurança é através do diálogo, da diplomacia, da escuta, do esforço para compreender o outro lado, estando ao seu lado. Para conseguir isso, precisamos de uma mudança radical de política. O mundo está mais do que nunca investindo em máquinas de destruição, a única coisa que esses “amigos” de Israel estão nos enviando são armas, o que resulta no atual derramamento de sangue. Se apenas 10% de todo o orçamento da segurança mundial pudesse ser investido no diálogo e na reconciliação… mas, para isso, precisamos criar uma vontade política, é por essa razão que temos de trabalhar em conjunto, forjar uma nova visão em conjunto, apoiar-nos mutuamente, e não só aqui, entre Israel e a Palestina, mas também na Europa, onde a paz foi alcançada após o terrível derramamento de sangue da Primeira e Segunda Guerra Mundiais. E estou perfeitamente consciente do debate que está acontecendo na Europa nesses dias, das palavras de ordem alarmantes que exigem um rearmamento… mas lembrem-se: 8 de maio, o primeiro dia da nossa Cúpula pela Paz, em Jerusalém, marcará este ano os 80 anos do dia, em 1945, em que a Segunda Guerra Mundial terminou na Europa.

É por isso que escolhemos É agora como título para a nossa cúpula em Jerusalém. Porque, de fato, a hora é agora: se quisermos escolher a paz, se levarmos a sério os nossos votos para evitar essa escalada assustadora rumo a uma Terceira Guerra Mundial, a hora é agora. E não consigo imaginar um lugar melhor para renovar esses votos para toda a nossa humanidade do que Jerusalém.

—Numa recente entrevista à Al Jazeera, você anunciou a intenção de um novo partido que pode estar pronto para as próximas eleições em Israel, representando precisamente este Campo de Paz, formado por candidatos de Israel árabes também. Você pode nos dizer mais alguma coisa?

—Temos vários projetos e esse é apenas um deles. Alguns projetos centram-se na educação, outros na reconciliação ou em soluções concretas, como no caso de Terra para todos ou A iniciativa de Genebra… A diversidade é a nossa força, desde que compartilhemos os mesmos valores. Entre esses vários projetos, alguns membros da coalizão estão trabalhando na ideia desse novo partido, que verá uma participação igual entre palestinos e israelenses nas próximas eleições, que provavelmente acontecerão em outubro de 2026.

—Já existe um nome para esse partido? Todas as sessenta organizações envolvidas na Cúpula pela Paz compartilham esse projeto?

—Nem todos concordam com a necessidade desse passo institucional. Alguns consideram mais importante seu trabalho no terreno. Mas, no geral, há um consenso de que, para ser eficaz, para visar a uma mudança real, o confronto só pode ocorrer no Parlamento. É evidente que a maioria das pessoas quer que a guerra acabe. Embora até agora o conflito nos tenha sido infligido com base em vingança, medo, derramamento de sangue e mais vingança, sabemos que não é isso que as pessoas querem. Esperávamos que os nossos políticos pudessem escolher um caminho diferente, mas como isso não está acontecendo, cabe a nós agora imaginarmos como fazê-lo e torná-lo realidade.

—Num mundo que este ano contabiliza 56 conflitos em todo o mundo (o número mais elevado desde a Segunda Guerra), podemos esperar que esta Cúpula pela Paz, em Jerusalém, ajude a relançar internacionalmente o movimento pela paz?

—Assistimos ao crescimento das autocracias em todo o mundo: Erdogan, Trump, Putin, Orban não representam a maioria da população, apenas uma parte que faz mais barulho do que as outras. Temos de nos fazer ouvir também. Não acho que somos uma minoria. Somos poucos, e muitos de nós estamos desanimados e silenciosos. Temos de nos defender uns aos outros e ressurgir do silêncio em que por vezes nos encontramos confinados. Temos de ultrapassar as barreiras das polarizações que bloqueiam muitas vezes nossa melhor energia – e seguir em frente, agir, pensar, todos juntos, em direção ao objetivo mais importante de fazer a paz, sabendo que a paz é sempre feita com o inimigo, a paz é o que vem depois de anos de guerra sangrenta. E, ao fazê-lo, não podemos esquecer todas as outras crises que nos ameaçam: além das guerras, sofremos de uma crise política, os resultados estão aí para todos verem; sofremos de uma crise econômica, que beneficia os ricos, mas deixa os pobres cada vez mais pobres; e, por último, mas não menos importante, há a crise ambiental, que afeta todos nós, habitantes desse planeta. O que precisamos urgentemente é ter uma visão holística de todos esses problemas e de possíveis soluções e, para isso, precisamos de uma coalizão holística mais ampla em torno de uma grande visão. O status quo mundial está claramente desabando: o que tentamos até agora já não funciona. Por isso, digamos: basta! Precisamos também assumir um papel de liderança espiritual, mas não podemos esperar a chegada de um profeta, não temos tempo até que o próximo Messias ou os anjos venham nos salvar. Cada um de nós deve ser um messias, um profeta, um anjo da anunciação. Estou convencido de que isso vai acontecer, a única questão é: quantas vidas inocentes mais terão de ser sacrificadas. É por isso que dizemos: É agora. Porque aqueles que ainda pensam que a guerra nunca vai bater à sua porta estão errados. Aqueles que estão na Europa, ou em qualquer outro lugar do mundo, que pensam que a guerra só pode afetar Israel ou Palestina, a Ucrânia ou o Congo… estão errados.

Portanto, a hora de acordar e reagir é agora, de pôr fim a este banho de sangue e de todos trabalharmos juntos por uma paz duradoura.


Sito ufficiale dell’evento: https://www.timeisnow.co.il/new1-2

Traducido do inglês por Graça Pinheiro