MINERAÇÃO

Por Fernanda Perdigão

 

O colapso da Barragem da Mina do Córrego do Feijão, da Vale S/A, em Brumadinho, em janeiro de 2019, resultou em uma tragédia humana e ambiental de grandes proporções. A causa foi atribuída a falhas na construção, monitoramento e manutenção da barragem. Houve perda de centenas de vidas, contaminação do Rio Paraopeba, impacto na fauna e flora, e consequências socioeconômicas para as comunidades sobreviventes.

A Vale S/A tem obrigação legal e ética de reparar todos os danos provocados pelo rompimento da barragem em Brumadinho. Como responsável pela operação e manutenção da estrutura, a empresa deve arcar com os danos ambientais, sociais e outras consequências do desastre. Isso inclui compensar as vítimas e suas famílias, indenizar as comunidades atingidas, financiar a recuperação ambiental da região contaminada e adotar medidas para prevenir futuros desastres semelhantes. Além disso, a Vale deve colaborar com as autoridades competentes, cumprir as determinações legais e trabalhar em conjunto com as partes envolvidas para mitigar os danos.

Neste aspecto, a proteção judicial dos direitos individuais das pessoas atingidas pode ocorrer de duas maneiras principais: uma delas é através de uma ação movida individualizada pelo próprio titular do direito violado, seguindo as regras do Código de Processo Civil (Lei Federal nº 13.105/2015 – “CPC”). A outra opção está relacionada à proteção coletiva dos direitos individuais, baseada em legislações como o Código de Defesa do Consumidor (Lei Federal nº 8.078/1990 – “CDC”) e a Lei da Ação Civil Pública (Lei Federal nº 7.347/1985 – “LACP “), juntamente com outras regulamentações que compõem o sistema processual coletivo.

Destacamos também que existem danos individuais sofridos por pessoas atingidas, como a perda de animais, plantações e interrupção de atividades econômicas, danos morais, danos emocionais dentre outros. Esses danos são calculados individualmente para cada pessoa atingida pelo colapso. A previsão dessas duas abordagens está contida no Código de Defesa do Consumidor (CDC), que estabelece, em seu artigo 81, que a defesa dos direitos dos titulares pode ser concedida individualmente em juízo ou de forma coletiva. A defesa coletiva ocorre nos casos em que há interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos.

Nesse sentido, o Ministério Público e a Defensoria Pública, por meio de suas Ações Civis Públicas relacionadas à proteção integral da bacia do Paraopeba, têm como objetivo proteger não apenas os interesses coletivos e difusos – que foram objeto de um acordo assinado em fevereiro de 2021 – mas também os direitos individuais homogêneos das pessoas atingidas pelo desastre.

Na busca pela reparação em ações individuais, no sistema jurídico brasileiro, a figura da(o) perita(o) oficial que exerce um papel fundamental ao fornecer dados técnicos para embasar decisões judiciais. A legislação, tanto no Código de Processo Penal quanto no Código de Processo Civil, garante às partes o direito de contratar assistentes técnicos para acompanhar o trabalho pericial. 

Contudo, a prática de paridade de armas nesse contexto da busca pela reparação em ações individuais, tem sido questionada pelas pessoas atingidas diante de situações como a nomeação de absurdos 20 (vinte) assistentes técnicos pela empresa Vale S/A em processos que requerem prova pericial. Neste artigo, exploraremos essa prática e as controvérsias que a envolvem.

 

Fonte: pessoa atingida ingressa em ação individual de reparação

 

A prova pericial consiste em um conjunto de conhecimentos técnicos especializados, obtidos por meio de estimativas, que auxiliam na elucidação de fatos complexos em processos judiciais. A(o) perita(o) oficial, designada(o) pelo juiz, é responsável por conduzir a perícia e fornecer um laudo objetivo, imparcial e fundamentado.

A formação de assistentes técnicos pelas partes envolvidas no processo é legalmente permitida e busca a paridade de armas, permitindo que cada parte apresente seus próprios especialistas para acompanhar e questionar a perícia oficial. Essa prática visa garantir um ambiente mais equilibrado, evitando que apenas a versão da perícia oficial prevaleça, considerando que diferentes especialistas podem ter abordagens e interpretações distintas sobre os mesmos fatos.

No entanto, o caso da empresa Vale S/A trouxe à tona uma discussão acerca dos limites dessa prática. Ao nomear absurdos 20 (vinte) assistentes técnicos para acompanhar o processo pericial, gera questionamentos sobre a verdadeira intenção por trás dessa ação. Afinal, é legítimo e proporcional que uma empresa designe um número tão expressivo de assistentes para influenciar o resultado da perícia?

Alguns críticos argumentam que essa estratégia da Vale S/A pode ser interpretada como uma tentativa de sobrecarregar o processo, retardar a tomada de decisões ou criar uma atmosfera intimidadora para a(o) perita(o) oficial. Além disso, a contratação de um grande número de assistentes pode prejudicar a eficiência e a imparcialidade da perícia, pois a multiplicidade de opiniões pode tornar o processo mais complexo e dificultar a análise objetiva dos fatos.

Diante dessas questões, é fundamental buscar um equilíbrio entre o direito das partes de contar com assistentes técnicos e a garantia de que o processo pericial seja seguido de forma imparcial e eficiente. É importante ressaltar que a formação de assistentes técnicos não deve ser utilizada como uma estratégia para manipular ou obstruir o processo judicial.

Nesse sentido, é responsabilidade do Poder Judiciário zelar pela observância dos princípios da paridade de armas, da celeridade processual e da imparcialidade na condução da perícia. É fundamental que o juiz atue de forma diligente na análise da nomeação de assistentes técnicos, garantindo que a quantidade e a qualificação desses profissionais sejam adequadas, a fim de evitar possíveis abusos ou desequilíbrios prejudiciais ao processo.

A prática de paridade de armas por meio da contratação de assistentes técnicos desempenha um papel relevante no sistema jurídico brasileiro, permitindo que as partes apresentem seus próprios especialistas e questionem a perícia oficial. No entanto, é necessário estabelecer limites para garantir que essa prática não seja utilizada de maneira abusiva, prejudicando a eficiência, a imparcialidade e a celeridade do processo.

O caso da empresa Vale S/A nomear 20 (vinte) assistentes técnicos para acompanhar uma prova pericial também pode suscitar preocupações em relação ao conflito de interesses. Embora o tema aborda inicialmente a paridade de armas, é importante destacar que um grande número de assistentes técnicos nomeados por uma única parte pode levantar questionamentos sobre a imparcialidade e a objetividade do processo pericial.

O conflito de interesses surge nesse contexto quando há a possibilidade de que esses assistentes técnicos, ao atuarem em nome da empresa Vale S/A, tenham interesses como os da empresa, em vez de buscarem uma análise imparcial e objetiva dos fatos. Essa situação pode comprometer a qualidade e a confiabilidade da prova pericial, afetando a busca pela verdade e a justiça no processo.

Um número excessivo de assistentes técnicos nomeados por uma parte pode gerar uma desproporção na relação processual, prejudicando a paridade de armas e a igualdade de condições entre as partes. Nesse sentido, é importante que o juiz responsável pelo caso exerça seu papel de forma diligente, garantindo que a nomeação de assistentes técnicos seja feita de maneira equilibrada e proporcional, a fim de assegurar a imparcialidade e a objetividade da prova pericial. 

O juiz deve considerar os interesses das partes envolvidas e buscar um equilíbrio entre o direito de cada uma delas de contar com os assistentes técnicos e a necessidade de evitar conflitos de interesses que possam comprometer a idoneidade da perícia.

Além disso, é essencial que os assistentes técnicos atuem com ética e imparcialidade, colocando o rigor técnico e científico acima de qualquer interesse pessoal ou institucional. Afinal, sua função é fornecer uma análise imparcial e especializada, ansiosa para a busca da verdade dos fatos e para a qualidade da decisão judicial.

Em casos nos quais há preocupações legítimas sobre conflito de interesses ou falta de paridade de armas, é papel das partes interessadas e de seus advogados levantar essas questões perante o juiz, solicitando a devida análise e tomada de medidas processuais para garantir um processo justo e equilibrado .

É notória e significativa a disparidade de poder econômico entre a empresa Vale S/A e as pessoas atingidas pelo colapso da barragem em Brumadinho, no que diz respeito à busca pela reparação dos danos individuais. Enquanto a Vale é uma das maiores mineradoras do mundo, com recursos financeiros substanciais e acesso a equipes jurídicas especializadas, as pessoas atingidas são, em sua maioria, comunidades locais, comunidades e famílias que dependem de recursos limitados. Essa disparidade econômica cria uma experiência significativamente negativa para as vítimas na luta por justiça e reparação satisfatória. 

É fundamental que existam controles legais e institucionais que garantam uma igualdade de acesso à justiça, garantia da imparcialidade e de paridade de armas para que as pessoas atingidas possam buscar uma reparação justa e equitativa diante dessa desigualdade de poder econômico.