O ensino universitário público e gratuito está sob o ataque daqueles que buscam um Brasil ainda mais excludente. É que está tramitando na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara dos Deputados, Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 206/2019 apresentada parlamentar General Paternelli (PSL-SP), que estabelece a cobrança de mensalidades em universidades públicas brasileiras.

Conforme o autor da matéria, a cobrança de taxa seria feita a estudantes que possam pagar, o que, para ele, é benéfico à própria universidade pública e não desprestigia a educação universitária, porque, supostamente, os discentes que não puderem pagar continuarão usufruindo da gratuidade.

De acordo com a PEC, o ideal seria que o valor máximo das mensalidades correspondessem à média dos valores cobrados pelas instituições universidades privadas da região, enquanto que o valor mínimo seria 50% dessa média. “Mas isso será objeto de ulteriores estudos, quando a presente mutação constitucional já estiver vigente, trazendo novos ares para o financiamento de nossas universidades”, ressalta o documento.

É justificado, ainda, que aos demais argumentos que apontam para a precariedade do ensino superior no Brasil se soma a necessidade de cobrança daqueles que podem pagar por esses estudos. “A medida é, de fato, necessária em nosso país”, conclui a polêmica e perigosa PEC.

Digo polêmica e perigosa porque, para começar, a meu ver o que a educação universitária brasileira menos precisa é de mensalidade. De fato, o setor passa por uma crise, a qual tem sido enormemente agravada desde a assunção do atual governo federal, sobretudo com o corte de investimentos em pesquisa, as tentativas de redução da autonomia, entre outros ataques.

Sem parâmetros para estabelecer “quem pode”

Mas não se trata apenas disso. Há questões ainda mais profundas que demandam um redimensionamento da Universidade, a fim de que se torne uma das instituições responsáveis pela condução de políticas em diversas áreas da vida em sociedade, já que, em grande medida, do modo como funcionam majoritariamente, acabam servindo basicamente como provedora de profissionais qualificados para “o mercado”, e, com isso,  ajudam na manutenção de um sistema cada vez mais opressor e excluente.

Mas, voltando à questão da mensalidade, o argumento de que pagará quem puder é muito vago, pois não temos nenhum parâmetro que estabeleça quem realmente pode. Corre-se um grande risco de que essa taxa acabe incidindo em jovens oriundos de famílias de classe trabalhadora, cujos proventos sejam considerados pelo Estado brasileiro como suficientes para pagar de Imposto de Renda, por exemplo, cujas alíquotas variam entre 15% e 27,5%. Isoo ocorre com trabalhadoras e trabalhadores cujas rendas do ano corresponderam a valores acima de R$ 28.559,70. Ou seja, quem recebeu a partir de R$ 28.559,71, o equivalente a R$ 1.879, 97 ao mês. Um absurdo.

Ademais, conforme a proposta, o texto do artigo 207 da Constituição passará a ter o seguinte teor: “As instituições públicas de ensino superior devem cobrar mensalidades, cujos recursos devem ser geridos para o próprio custeio (grifo meu), garantindo-se a gratuidade àqueles que não tiverem recursos suficientes, mediante comissão de avaliação da própria instituição e respeitados os valores mínimo e máximo definidos pelo órgão ministerial do Poder Executivo”.

Pelo que está escrito no referido texto, a partir da cobrança de mensalidades, as Universidades públicas passarão a se autogerir financeiramente, o que significa afirmar a que o governo fica desobrigado a repassar recursos a essas instituições. Se a situação orçamentária já está complicada no atual cenário, imaginemos se essa proposta passar!

Sem duvida, se aprovada, essa PEC não somente excluirá muitas/muitos jovens da educação universitária, parte considerável daquelas e daqueles que já realizam um esforço titânico para se manter numa Graduação ou Pós-Graduação, como também retirará recursos públicos de um setor tão importante. Dessa forma, ao contrário do que argumenta o autor da matéria, a cobrança de taxa significará um grande retrocesso na área de educação, ciência e tecnologia.

“Valor inegociável”

A PEC tem parecer favorável do deputado Kim Kataguiri (União-SP). Durante a sessão do dia 24 de maio, aprovou-se um requerimento para realizar audiência com a finalidade de discutir a matéria antes da votação pela tramitação da pauta. Em pronunciamento no dia 31 de maio, o deputado federal Helder Salomo (PT-ES), afirmou que o atual governo “é inimigo das universidades públicas, inimigo da juventude brasileira que está hoje buscando o seu espaço nas universidades em todo o País”. O parlamentar salientou em seu discurso que, “Em defesa da UFES, a Universidade Federal do Espírito Santo, e em defesa de todas as universidades deste País”, mobilizará a população não somente para denunciar essa iniciativa, considerada por ele como um “ataque”, como também para “reverter esse quadro de cortes de verbas que inviabilizam o funcionamento das nossas universidades”. De acordo com o petista, o atual governo é “inimigo da educação”.

O também deputado federal Júnior Ferrari (PSD-PA) manifestou seu rechaço a essa  PEC. “Eu estudei em escola pública, na minha querida cidade, Oriximiná, assim como quando fui para Belém, onde me formei em Direito na Universidade Federal do Pará. Então, eu sei muito bem a importância social e educacional da universidade pública gratuita para a sociedade brasileira”. Ainda conforme o discurso do parlamentar, “a educação pública e gratuita é um valor inegociável”.

Considerando esse cenário, é urgente uma mobilização da sociedade brasileira, nas ruas e no Congresso. Não podemos permitir que os setores privilegiados sejam os únicos a terem acesso à educação universitária. Além disso, devemos exigir que o governo cumpra com o que está estabelecido na Consituição de 1988 e garanta a educação pública, gratuita e de qualidade em nosso país.

Para ter acesso à PEC 206/2019 basta acessar neste link.