A CIDH emitiu 48 recomendações ao governo colombiano para garantir os direitos dos manifestantes durante a Greve Nacional, e propôs a criação de um mecanismo especial de acompanhamento para apoiar as vítimas da violência estatal e as organizações sociais que defendem os direitos humanos.

Antonia Urrejola Noguera, delegada da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), anunciou, durante a coletiva de imprensa na segunda-feira, 7 de julho, as recomendações que fez ao Estado colombiano, após ter conversado com diferentes setores sobre os acontecimentos ocorridos na Greve Nacional, que começou em 28 de abril e ainda mobiliza o país.

O organismo internacional, encarregado de zelar pelo cumprimento dos Direitos Humanos, esteve em território colombiano entre os dias 8 e 10 de junho, após diversas organizações e cidadãos solicitarem sua presença através das redes sociais, devido aos múltiplos casos de violações dos direitos humanos por parte da Força Pública (Polícia Nacional e Esquadrão Móvel Antimotim) contra os manifestantes.

Segundo o instituto Indepaz e a ONG Temblores, houve 73 assassinatos no âmbito das manifestações da Greve Nacional; desse total, 44 estão, supostamente, relacionados à atuação da força pública e 29 ainda seguem em processo de verificação.

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A CIDH publicou uma declaração com mais de 185 pontos na qual reconhece que há um uso excessivo da Força Pública nas manifestações, e que há evidências claras de agressões físicas, psicológicas e sexuais contra vários manifestantes, incluindo menores de idade, mulheres, comunidades indígenas e afrodescendentes, jornalistas e missões médicas.

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Além disso, a CIDH questiona e rejeita o assassinato de manifestantes e lideranças sociais, o desaparecimento de jovens durante os protestos, a detenção ilegal, a elaboração de perfil étnico-racial e de gênero. Esclarece também que, apesar das demandas dos manifestantes, que estão vinculadas às demandas estruturais e históricas da sociedade colombiana, que por sua vez estão consignadas na Constituição Política de 1991 e nos Acordos de Paz de 2016, o Estado colombiano ainda não encontrou uma solução que aborde questões como o direito à educação, a cobertura de saúde, a alimentação e o acesso ao trabalho.

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A esses eventos, a CIDH acrescenta, ainda, a espoliação dos camponeses de suas terras, a desigualdade na distribuição da riqueza, a miséria, a pobreza extrema, os altos níveis de violência e impunidade e ressalta que, em 2020, a linha de pobreza atingiu 42,54%, enquanto a linha de pobreza extrema chegou a 15%.

Por outro lado, a Comissão repudiou a violência cometida pelos manifestantes contra as forças de segurança e contra o patrimônio público, e indicou que existe a possibilidade de que organizações ilegais e traficantes de drogas utilizem a situação que se vive na Colômbia para expandir suas redes ilegais.

A organização internacional emitiu 48 recomendações, que resumimos a seguir.

Recomendações Gerais

  1. Fortalecer a garantia e proteção de manifestantes, comunidades indígenas, afrodescendente e LGBTIQ+, em especial os direitos à saúde, alimentação, educação, trabalho e seguridade social, com foco na igualdade e na não discriminação, participação cidadã e responsabilização, que favoreçam a inclusão social e a criação de oportunidades.
  2. Adotar as normas necessárias para garantir a vida, a integridade pessoal e a segurança de cada uma das pessoas que participaram dos diálogos e foram testemunhas.
  3. Estabelecer um diálogo que permita conciliar e definir as medidas com todos os participantes da Greve Nacional.

Protesto social:

  1. O Estado deve respeitar e garantir o pleno gozo do direito a protestar, à liberdade de expressão, à reunião pacífica e à participação política de toda a população.
  2. Os funcionários públicos devem se abster de fazer declarações que estigmatizem ou incitem a violência contra as pessoas que participam das manifestações e protestos, especialmente jovens, povos indígenas, afrodescendentes, mulheres, membros da comunidade LGBTIQ+ e defensores dos direitos humanos.

O uso excessivo e desproporcional da força durante protestos:

  1. Reforçar e reestruturar os processos de educação, formação e qualificação dos membros das forças de segurança do Estado, incluindo uma abordagem tanto étnico-racial e de gênero quanto dos direitos das pessoas com orientação sexual e identidades de gênero não normativas.
  2. Separar a Polícia Nacional e o Esquadrão Móvel Antimotim (ESMAD) do Ministério da Defesa, a fim de garantir uma estrutura que consolide e preserve a segurança, com o enfoque na cidadania e nos direitos humanos e evitando qualquer possibilidade de solução pela via militar.
  3. Assegurar que as forças de segurança, que intervêm para proteger e controlar o desenvolvimento das manifestações e protestos, tenham como prioridade a defesa da vida e integridade das pessoas, abstendo-se de deter arbitrariamente manifestantes ou de violar seus direitos de qualquer outra forma, de acordo com os protocolos atuais.
  4. Implantar de imediato mecanismos para proibir efetivamente o uso de força letal como recurso em manifestações públicas.

Violência de gênero durante protestos:

  1. Adotar as medidas necessárias para fortalecer os mecanismos de acesso à justiça para mulheres, meninas e pessoas LGBTIQ+ que foram vítimas de violência de gênero no contexto dos protestos sociais, incluindo mecanismos de denúncia, atenção, investigação e reparação com uma perspectiva diferenciada, de proximidade e de atenção por pessoal especializado.

Violência baseada na discriminação étnico-racial (povos indígenas, afrodescendentes e comunidades tribais):

  1. Adotar todas as medidas razoáveis e positivas necessárias para prevenir, eliminar e reverter, ou alterar situações discriminatórias que perpetuem a estigmatização, o preconceito, as práticas intolerantes e a criminalização contra as pessoas devido à sua origem étnico-racial, identidade de gênero, status de imigração, origem nacional ou qualquer outra situação que atua na deterioração de sua dignidade humana.

O uso da figura policial de translado para proteção e desaparecimento de pessoas:

  1. Tomar as medidas necessárias para restringir o uso da figura policial que translada pessoas ao Centro de Translado para Proteção (CTP), para protegê-las em situações de fragilidade ou vulnerabilidade, sejam circunstanciais ou permanentes, de acordo com o Código Nacional de Polícia e Convivência Cidadã. Da mesma forma, abster-se de usar essa figura policial de forma generalizada no âmbito de protestos e manifestações.
  2. Garantir o direito ao devido processo para as pessoas detidas no contexto das manifestações.
  3. Garantir que os familiares das pessoas detidas e, se for o caso, seus representantes legais, tenham acesso a todas as informações sobre o processo de detenção.
  4. Liberar imediatamente aqueles que foram arbitraria ou injustificadamente detidos e ainda estão privados de liberdade.
  5. Criar uma comissão especial para descobrir o paradeiro das pessoas.

Assistência militar e aplicação da jurisdição penal militar:

  1. Assegurar que a jurisdição militar só seja utilizada para julgar militares em atividade pela prática de crimes ou contravenções que, pela sua própria natureza, violem os direitos legais próprios da ordem militar e não em casos que afetem ou violem os direitos dos cidadãos.

Proteção de jornalistas, liberdade de expressão e acesso à internet:

  1. O Estado deve garantir o exercício do direito à liberdade de expressão de acordo com as normas interamericanas, em particular, através da proteção dos jornalistas, comunicadores e trabalhadores da mídia contra perseguição, intimidação, assédio, ataques de qualquer natureza e através da cessação de ações estatais que interfiram no livre funcionamento dos meios de comunicação.
  2. Garantir o respeito pela independência dos meios de comunicação e abster-se de aplicar formas diretas ou indiretas de censura.
  3. Garantir que tanto os meios de comunicação como os cidadãos tenham acesso à informação e à internet para poderem divulgar o que ocorre durante as manifestações.

O que o Governo respondeu às recomendações da CIDH?

O Presidente Iván Duque, junto com a Vice-Presidente e Chanceler Martha Lucía Ramírez, agradeceu à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, destacou a institucionalidade e a separação dos poderes. No entanto, rejeitou alguns pontos do documento, como a criação de um diálogo entre todas as partes e o reconhecimento de que as demandas dos colombianos sejam antigas.

Diante dessa sugestão, o presidente indicou que “ninguém pode recomendar que um país seja tolerante com atos de criminalidade” e, acrescentou, que o Estado colombiano “tem respeitado o protesto pacífico como expressão de cidadania, mas atos de vandalismo, terrorismo urbano de baixa intensidade, bloqueios que ameaçam os direitos dos cidadãos estão sendo combatidos com a Constituição e a lei”, e insistiu que “os bloqueios violaram direitos coletivos”.

Outro ponto que o presidente Duque não considerou viável é a separação da Polícia Nacional e da ESMAD do Ministério da Defesa. Além disso, “[a Polícia] está no Ministério da Defesa para ter uma coordenação harmoniosa com todas as forças e para realizar tarefas humanitárias e de proteção”, afirmou o presidente.

Ele também acrescentou que “a Polícia Nacional não usa armas de fogo letais no âmbito das manifestações e que ela só pode estar munida de capacetes, escudos e cassetetes”, em resposta às considerações da CIDH. Além disso, segundo o comunicado da Chancelaria, a intervenção da Polícia e da ESMAD tem sido em poucas ocasiões e é realizada após uma análise dos “princípios da legalidade, necessidade absoluta, proporcionalidade e razoabilidade”.

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Em relação ao uso da força institucional no âmbito da Greve Nacional (esse foi um dos pontos que mais preocupou as organizações de defesa dos direitos humanos), a Chancelaria informou que a intervenção da Polícia e da ESMAD no âmbito social do protesto tem sido “excepcional” e sujeita à “análise prévia dos princípios da legalidade, necessidade absoluta, proporcionalidade e razoabilidade”.

Sobre a violência institucional exercida por parte da Polícia e da ESMAD contra as mulheres e a população LGBTIQ+ durante a Greve Nacional, outro dos pontos questionados pela CIDH, o presidente, por meio da Chancelaria, enviou uma carta à entidade, na qual indica que o país possui políticas públicas que protegem os direitos das etnias e da população LGBTIQ+ e, acrescentou, que “não pode haver e não houve qualquer tipo de tolerância diante da violência contra essas populações. Esses possíveis casos de discriminação estão sujeitos à supervisão e investigação por parte das autoridades”. 

Por fim, o governo nacional rejeitou a proposta de criação de um mecanismo especial de monitoramento dos direitos humanos na Colômbia, com o qual se esperava apoiar as vítimas e organizações da sociedade civil que denunciam ações contra os direitos humanos, pois alegou que, na Colômbia, já existem 20 órgãos de fiscalização dos direitos humanos.

 


Traduzido do espanhol por Aline Arana/ Revisado por Graça Pinheiro

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