RELATO

 

 

Por C. Alfredo Soares

 

 

Dona Jane era altiva. Se impunha pela postura, altura e saber. Comandava a gente como uma fada madrinha. Era linda!

Com seu cabelo preto e liso e sua gargalhada espontânea. Sempre ia de calça jeans num tempo que mulher usava saias. Uma desbravadora.  Eu tinha, ali, apenas um olhar infantil para ela. Minha primeira professora me cativou e me levou a me interessar pelo conhecimento. Naquele instante não poderia prever sua influência na minha caminhada estudantil, mas ela foi aquela centelha que todos necessitam para sonhar com algo que não se supõe até então. A escola estadual abrigava filhos de operários das fábricas do entorno. Quase todas ligadas ao ramo da carpintaria. A Barra do Imbuí era dura, pobre, mas boa.  Tinha uma gente simples e honesta que queria ver seus filhos em posição melhor do que a sua. Todo mundo se conhecia ou conhecia alguém que conhecia quem aparecia. Os pais e as mães se entregavam a lida. A escola era a solução, não obstante o fato de ser, também, uma espécie de babá de crianças fora da idade de creche. Os anos 70  eram difíceis e sombrios, depois saberíamos. Ali nós éramos apenas crianças entre 8 e 10 anos.  Dona Jane regia a turma com uma centelha no olhar que nos levava a acreditar que éramos capazes. Só um professor apaixonado saber fazer isso.  Ela se impunha com uma realeza que não ofendia seus súditos. Os professores eram, sem exagero, como deuses. Confesso que imaginava ser ela “Jeannie é um gênio”, um seriado daquele tempo da TV em preto e branco. Minhas aulas eram no turno da tarde. As 13 horas a sirene tocava. Chegávamos, um 20 minutos antes,  no grupo escolar para a formação das filas para execução do hino nacional e hasteamento do pavilhão nacional. Isto era obrigatório e contava pontos para a diretora. Cada turma perfilava sob o comando da sua professora titular. Depois de cantarmos, a plenos pulmões o hino, vendo a bandeira subir no mastro, seguíamos em fila pra sala de aula. Até hoje sei o hino por causa disso. A aula começava e Dona Jane, que tinha uma voz rouca e doce ia circulando pela sala. O tom de voz variava de acordo com a algazarra da turma. Confesso que tremia quando ela parava do meu lado e olhava meu caderno. Minha letra não era bonita como  eu gostaria que fosse, mas ela sempre passava a mão na minha cabeça e me incentivava. Pra melhorar a letra escrevia num caderno de caligrafia com o lápis preto de ponta fina. Era tanto carinho e atenção que nos levava a querer passar direto sem necessitar de recuperação. Quando chegava no final de ano tínhamos um prazer enorme em receber o boletim todo azul, mostrando o quanto prestamos atenção em suas aulas, mas ao mesmo tempo isto causava uma apreensão por termos que ficar afastados da nossa musa por longos dois meses. Dona Jane foi  minha primeira paixão platônica. Nunca mais a vi pelas ruas da cidade. Queria ter dito “muito obrigado por tudo”.

É isso, meu primeiro ídolo foi dona Jane, minha “tia” do grupo escolar Campos Sales em Teresópolis. Não sei se dona Jane vive velhinha em algum lugar ou se subiu pro céu pra morar com as estrelas. Só sei que sou resultado da sua dedicação genuína em acolher e ensinar. Ela cumpriu sua missão com maestria.

Saudade dela e daquele tempo de inocência no pequeno grupo escolar do meu bairro, minha pequena aldeia na serra Fluminense.