CONTO

 

 

Por C. Alfredo Soares

 

 

Meu picolé favorito era de groselha. O mais doce entre todos. Tinha o de biscoito, amendoim, limão, mini saia, o tradicional de coco, mas o de groselha era como tomar mel gelado no palito. Custava 0,50 centavos de Cruzeiro. Era barato, mas sempre desinteirava o dinheiro de volta da passagem de ônibus. Isto não era problema, estudávamos no turno da manhã, almoçávamos e saíamos da escola dispostos a caminhar a pé até em casa, desde que chupássemos o nosso picolé favorito. 

O moço do picolé com seu isopor de capa amarela, seu boné de aba e jaleco com a marca da fábrica, ficava parado em frente a escola Estadual, junto a grade, esperando a hora da saída. Se bem que durante o intervalo ou nas aulas de ginástica, realizadas no pátio da frente, sempre dava pra antecipar a compra. O medo era que faltasse o sabor preferido depois que a sirene tocasse avisando o final do turno. 

Saímos em disparada como numa corrida de 100 metros. 

O vendedor chegava cedo, lá pela hora do recreio e ficava ali até a gente sair. Chamávamos de “tio do picolé”. 

Me lembro que naquele tempo ginasial a passagem custava um Cruzeiro, assim era possível comprar dois picolés sem susto, afinal já tínhamos desinteirado o valor da condução. Chegávamos em casa todos melados e com a camisa branca da escola, com o brasão do Estado, manchada pelo suco que escorria pelo palito que segurava o picolé. 

Do corpo o uniforme ia direto para o tanque, pois no outro dia tinha que estar impecável para formação das turmas para cantar o Hino Nacional antes de subir para as salas. 

Mas a correria no final do turno, para garantir, antes do amigo, o picolé favorito era hilária . Muitas vezes produzia brigas entre os meninos e puxões de cabelo entre as meninas. Mas era, também, um momento de nos aproximarmos das garotas. 

Era normal pegar um sabor e oferecer praquela que o nosso coração batia mais forte. 

Os mais ousados só pagavam se ganhassem um beijinho no rosto. Na hora que a menina ia dar, viravam o rosto e roubavam o beijo na boca. Motivo de zoação por parte da turma e orgulho por parte do autor de tamanha ousadia.  

As meninas, que não eram bobas, conseguiam seus picolés sem cair na armadilha do beijo, na maioria das vezes, faziam um jogo de sedução com os meninos que acabavam comprando  picolés acreditando que iam se dar bem num outro dia. 

Era uma gritaria em torno do tio, todos querendo ao mesmo tempo o sabor preferido. 

As moedas eram contadas. Mas picolé de groselha vinha dentro do isopor em maior quantidade. Quando conseguia pegar o meu podia começar minha caminhada de quase 10 quilômetros até a minha casa. Íamos rindo pelo caminho, dando peteleco na orelha do outro, falando sobre o jogo de queimado da aula de ginástica, do dever difícil passado pela professora de matemática, assunto não faltava. 

Pela estrada que seguíamos, os amigos iam se despedindo ansiosos pelo dia seguinte. Muitos pegavam ônibus para outros bairros ou distritos mais distantes da cidade. 

Nós gostávamos dos professores, das merendeiras e inspetores, respeitávamos a direção. Zoávamos os malas sem alça. As disputas eram saudáveis e o clima da escola nos formava para vida em sociedade. Até hoje cultivo amigos daquele tempo e sinto os sabores, mesmo não podendo mais tomar um picolé tão doce quanto o de groselha. 

Crescemos feitos brotos de bambu, rápido demais.