CONTO

 

 

Por C. Alfredo Soares

 

 

 

Joao cresceu solto que nem pipa avoada. Sua natureza era alegre feito um passarinho que pia sem parar em cima das árvores. Brincava, jogava bola, tomava banho de rio, subia no pé de jabuticaba. Mas Joao era bom mesmo nos estudos. Quando dava hora de ir pro grupo escolar, ele ia contente. Queria ser um monte de coisas quando crescesse. Iguais a muitos meninos pobres como ele.

Seus amigos sentavam ao seu lado pra entender as aulas de química, matemática e português. João repassava as matérias sem se chatear. Como ele conseguia ter um boletim recheado de notas tão azuis? Perguntavam. A vida na casa do menino não era fácil. A comida, pouca,  era dividida pelos irmãos. As vezes ele via sua mãe ficar sem comer na hora do almoço. Ela dizia que comeria mais tarde, mas, senão sobrasse nada na panela, passava fome em nome dos filhos. Jantar era sopa com o que tinha da xepa da feira.  O pai de João, de pouco estudo, era ajudante de pedreiro – Um homem que vergava mas não quebrava – construíra a casa com sobra das obras que fazia. Obstinado não admitia ver seus filhos ao relento. Queria pros seus algo que nunca tivera: um futuro. O máximo que fazia era pensar no hoje, no agora. Uma família unida na dor e na alegria. Uma união ungida na fornada daqueles tempos de inflação altíssima e salário de fome.

Joao acreditava e não perdia uma aula na escola estadual, fazia todos os deveres de casa e ainda ajudava a cuidar dos irmãos, quando sua mãe saia pra limpar as casas das madames do outro lado da cidade. Ela também trazia o que sobrava da casa das patroas, pra completar o ajantarado. Não havia pena e nem resignação. A luta os alimentava mais do que o prato de comida. Ser feliz era a única opção que João e os irmãos tinham. Havia ali um centelha divina. Algo mágico que te empurra sem que você perceba. Mesmo com os problemas assaltando a vida. A família de João ria até de desgraça. Uma irresponsabilidade que desafiava o caos. Era como andar em cima de um fio a metros do chão, sem nenhuma rede de proteção. Tudo pra eles era ensinamento. Eles se amavam e se completavam.

João recebia incentivos das abnegadas professoras, que viam nele tudo aquilo que não viam nos demais.

Mas o tempo passava e a escola pública teria que ficar pra trás, sem falar que as inúmeras dificuldades dos pais em criarem os filhos empurrava o menino para o trabalho.

Joao não tinha como evitar isso. Passou a dividir o dia em duas partes: de dia trabalhava pra ajudar nas despesas da casa e a noite fazia o segundo grau.

A rotina pesada não derrubava o otimismo daquele rapaz que tinha um potencial a ser explorado. Mesmo acordando cedo e indo dormir tarde, Joao não decepciona na escola. Seus irmãos, vendo tamanho exemplo, também não desanimavam. Não desistiam, sabe-se lá como.

Seu caderno era impecável. Sua letra seguia a pauta em letras redondas no caderno espiral.

Joao descobriu que queria ser engenheiro. Algo que seu pai nem sonhou em ser, apesar do talento reconhecido por todos. Joao era igual a tantos, que como ele sonhavam em dar uma vida melhor aos seus, como reconhecimento ao sacrifício da criação.

Joao foi em frente, foi pra faculdade, pra se sustentar vendeu picolé nos fins de semana, sanduíche natural no intervalo das aulas, passou fome economizando dinheiro para pagar a condução, fez crédito educativo e foi abraçado por sua turma como símbolo de luta e obstinação. A maior obra de menino João foi não acreditar que não podia, que ali não era seu lugar.

Joao chegou lá e inspirou os seus. Foi orgulho dos pais, irmãos e amigos. Subiu alguns degraus  carregando o mesmo saco de cimento que seu pai carregava nas obras de outrora. Um peso posto para o camarada saber qual é o seu lugar.

Joao ousou em não aceitar e estava certo na sua decisão. Ao fazer isso, pois fim a um ciclo que ele mesmo não sabia existir. Algo escamoteado que nunca é revelado para aqueles que não nascem em berço esplêndido. Joao se soltou da corrente e mostrou que é possível. Muita coisa mudou de lá pra cá. João habita várias casas das inúmeras periferias  brasileiras.

Ele está dentro de você agora pronto pra encarar o dia e fazer algo melhor na sua própria vida. Quando ele aflorar no seu peito, acredite.

João vence diariamente sua corrida de obstáculos.