Em uma carta aberta dirigida ao Secretário-Geral das Nações Unidas, Antônio Guterres, várias entidades da sociedade civil expressam sua rejeição à iniciativa de criar um órgão de governança digital mundial sob a decisiva influência e financiamento de empresas privadas.

No texto da carta, as entidades indicam que a proposta de criação de um novo órgão multissetorial de alto nível estratégico com importantes poderes relacionados às políticas digitais, seria totalmente contra as diretrizes da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação (CMSI) e seu processo oficial de acompanhamento.

“Este novo órgão”, dizem eles, “aumentaria muito seu já desordenado poder e ajudaria esses grandes conglomerados a resistir à sua regulamentação efetiva, tanto a nível mundial como nacional.”

Na verdade, estamos diante da perspectiva de “um órgão liderado pela Big Tech para governança global da Big Tech”, acrescentam.

Os iniciadores desta ação apontam o perigoso paralelismo com outras iniciativas similares de impacto empresarial direto na área de saúde, educação e alimentação, resultando na captura de fóruns políticos no sistema multilateral da ONU.

“É inaceitável que um órgão político desse tipo tenha representantes de empresas e governos em pé de igualdade”, afirmam.

Esta estratégia responde precisamente às orientações do Fórum Econômico Mundial (Davos) que sob o manto do termo «cooperação digital» abre caminho à elaboração de políticas reais, através da conversão de um órgão consultivo de múltiplas partes interessadas (segundo o modelo multistakeholder em vigor no Fórum de Governança da Internet) em um de «governança multipartidária».

Longe de se reduzir a uma disputa no campo estritamente tecnológico, as organizações signatárias alertam para as consequências da instalação de um órgão com essas características, afetando em sua essência o sistema democrático multilateral.

“Se esta proposta for adotada, vai soar o sino da morte para a governança global democrática e multilateral, substituindo-a por sistemas de governança corporativa, que, conforme previsto pelo Fórum Econômico Mundial, com a digitalização crescente de todos os setores, eles serão inserido cada vez mais em todos eles.”

Com base nessas considerações, a comunicação, que também será enviada aos embaixadores nas Nações Unidas de todos os países membros, insta o Gabinete do Secretário-Geral das Nações Unidas a arquivar imediatamente a proposta de criação de um Órgão Multissetorial de Alto Nível para ‘Cooperação Digital’, uma vez que se tornaria o órgão de fato para a governança digital global.

Eles também instam a reformular a agenda da Cooperação Digital que deve “ser limitada, se for o caso, a funções de diálogo programático e de políticas. Qualquer estrutura ou fórum que se crie sob ela não deveria exceder no mínimo essas funções.”

Eles ainda insistem na necessidade de deixar isso totalmente claro em todos os documentos e mandatos relevantes, substituindo a linguagem vaga e confusa por descrições claras que excluem completamente qualquer papel comercial substantivo na formulação de políticas.

Ao mesmo tempo, a carta enfatiza a urgência de renovar os esforços para desenvolver um sistema genuinamente democrático de governança digital global, mantendo os interesses corporativos à distância.

Finalmente, a nota sugere que o gabinete do Secretário-Geral “inicie um novo processo formal de consulta sobre esta questão, de acordo com as diretrizes da CMSI.” Observando a relevância do momento, “dada a mudança dramática na opinião pública e na política sobre a necessidade de regulamentação rígida das grandes tecnologias e o fato de que as grandes tecnologias são globais e, portanto, requerem um certo nível de governança global eficaz, com regras e políticas globais adequadas.”

O texto completo da carta pode ser encontrado aqui


Traduzido do espanhol por Mercia Santos | Revisado por Tatiana Elizabeth