PROSA POÉTICA

 

 

Por Valéria Soares

 

 

A sala refletia a indiscreta luz do outono. Perturbava a vista, o olhar. A limpeza era tanta que parecia irreal. O branco absoluto mostrava-se azulado pelo dia. Aquilo a incomodava!

Percorria o cômodo em busca de algo fora do lugar, de alguma penugem atrevida, de uma partícula que fosse de pó. Nada!

As luvas eram emboladas entre os dedos pelo esfregar nervoso das mãos. Tornava a olhar. Alguma coisa tinha que está fora do eixo!

Quarto, banheiro, cozinha, corredor.

Cama, cômoda, cortinas, sofás, quadros, tapetes.

Pias, vidros, pratos, panelas, toalhas… Im-pe-ca-vel-men-te arrumados.
Conseguira…

Tornou o olhar.

Não fazia sentido tudo aquilo. Sentia-se aprisionada. As luvas de repente apertavam.

Através do vidro, o sol clareava tudo. Ofuscava tudo. Fazia tudo mudar. Inclusive ela.
Pensou em comer algo. Atrapalhou-se com as embalagens sobre outras embalagens.
Tomaria um banho.

Toalhas embaladas, sabonetes embalados. Potes por todos os lados. Organizadinhos. Perfeitamente arrumados. Não sabia o que fazer. Faltava-lhe ar!

Tirou a capa dos chinelos tirou os chinelos tirou as luvas tirou a roupa abriu a porta saiu.

Nua!

Livre!

Alcançou a mangueira no jardim, pisou na grama e tomou um banho frio, com os pés mergulhados na lama, sob o morno sol de outono.

Era a felicidade completa, era a vida arrepiando-lhe a pele!