CRÔNICA

 

 

Eu, definitivamente, não sou desse mundo.

Eu não me adequo, não consigo me enquadrar, não me encaixo.

E não consigo adequar o mundo pra mim.

Não, eu não quero morrer ou desistir da vida. Não é isso.

Eu não quero ver ninguém passando fome.

Não consigo ver as pessoas sem lugar pra morar, sem hospital, sem… sem…

Se isso é ser comunista, então eu sou, mas Jesus Cristo também é.

E meu irmão mais novo também.

Então… meu irmão também não é desse mundo!

Eu não consigo ver meu próximo sofrendo, por isso acho que não sou desse mundo.

Não posso ver os governadores do meu estado, dos últimos mandatos, serem presos ou afastados do cargo, um por um, envolvidos em processos de corrupção e achar isso normal, coisa da política. E não pensar em quantas vidas foram sacrificadas por essa corrupção endêmica.

Não posso ver nossos jovens sonhando em sair do país assim que puderem, sem que minha cabeça exploda de dor.

Nossos universitários se esforçando para conseguir uma bolsa de pós graduação no exterior, e ter a certeza de que não voltarão.

Nossos filhos, já graduados (e com formação em instituições de excelência), preferindo lavar banheiros (não que seja uma função indigna)em outros países, porque serão melhor remunerados e terão uma vida com segurança, qualidade e decência.

É impossível não explodir de dor.

E o nosso “país tropical, abençoado por Deus”?

Respondo: Está sendo espoliado e consumido pelas chamas de incêndios criminosos que, além de não nos deixar respirar, destroem nossa vegetação, torram nossa fauna.

Por lucros maiores e mais rápidos, queimam vivos nossos animais e os que conseguem escapar são encontrados mutilados pelas chamas.

Nossas reservas ambientais onde tantas espécies em extinção são preservadas, devastadas.

Quem é responsabilizado por tamanha insanidade?

Os índios e os caboclos, com sua agricultura de subsistência.

Ou então a pouca quantidade de gado no pasto. Afinal nossa Ministra da Agricultura declarou, em rede nacional, que o boi é o bombeiro pantanal.

Aí está, literal e figurativamente o “boi de piranha!”

O coração explode de dor.

Até quando conseguiremos respirar?

Você pode argumentar que acontecem incêndios no mundo inteiro, nessa época.

Sim, acontecem. Porém quando são acidentais – ou intencionais – existem brigadas para debelar o fogo o mais rapidamente possível e os (ir)responsáveis são encontrados e exemplarmente criminalizados, respondendo em juízo pelos atos.

Onde está “…em teu formoso céu, risonho e límpido,

A imagem do Cruzeiro resplandece?”

Está tomado pelas nuvens de fumaça que avançam implacáveis pelo restante do país.

“E diga o verde-louro dessa flâmula…”

O verde da nossa bandeira está avermelhado pelas chamas no pantanal, que chora…

Se tornou vermelho-fogo e cinza. E não vejo nenhuma perspectiva de retornar ao verde do nosso hino.

Minha terapeuta me pediu pra eu me olhar no espelho e “me” enxergar.  Não consigo. Quando eu olho no espelho eu vejo todo mundo. E sofro. E é uma dor física.

A cada dor intensa, pelo meu próximo algo explode em mim.

Sou uma mulher (des)construída por pontos explosivos.

E ando explodindo com muita frequência.

Não consigo parar esse processo. Minha dor é legitimizada pela dor do outro.

Se não sou desse mundo, sou de qual?