Por Linda Pentz Gunter

 

Leve-me à Lua, mas não coloque reatores por lá

Não satisfeito em poluir nosso planeta com toneladas de lixo nuclear, boa parte empilhada e sem destino, contaminando o ar, a água e o solo, o ser humano, no auge de sua loucura, agora planeja fazer o mesmo com a Lua. E, logo mais, com Marte.

Ao mesmo tempo que a curiosidade insaciável de nossa raça nos deu algumas invenções boas, também está nos levando à inevitável ruína. O entusiasmo em criar a bomba atômica ignorou a lógica, a ética, as consequências e os princípios dos direitos humanos.

A bomba nos trouxe os chamados reatores nucleares civis, resquícios horríveis e irresponsáveis de uma arma que nos deixa à beira da extinção para sempre. Mas não há nada de “civil” na energia nuclear.

No princípio da era nuclear, não se pensou no legado mortal do lixo radioativo. Isso foi empurrado com a barriga durante o percurso. Hoje, estamos no meio do caminho e sem nenhuma solução, ignorando aquela que seria óbvia: parar com a produção de energia nuclear!

E agora chega a notícia de que os Estados Unidos querem instalar reatores nucleares na Lua.

Nas notícias seguintes ao anúncio, cheias de entusiasmo pela exploração espacial (ignorando as implicações bélicas e os custos), nada se disse a respeito do lixo radioativo que os reatores produziriam.

Assim como o lixo, o problema será oculto debaixo de alguma cratera no lado escuro da Lua.

A Lua deveria ser mágica ou nosso novo lixão nuclear? / Alice Popkorn / Creative Commons

A NASA, o Departamento de Energia dos Estados Unidos e alguns laboratórios tentam empurrar os projetos de mini-reatores nucleares (SMR) para Marte e para a Lua. Na luta por continuarem relevantes e sugando o dinheiro dos contribuintes, isso é música para os ouvidos da decadente indústria nuclear. Segundo os “especialistas”, os SMR são ideais para garantir a sobrevivência dos seres humanos no espaço, mesmo tendo sido um desastre financeiro e tecnicamente inacabado na Terra.

Cada mini-reator gera apenas 10 quilowatts de energia sem interrupção, ou seja, serão necessários vários reatores na Lua e em Marte para suprir todas as necessidades de seus habitantes humanos.

Sem contar que até agora não há um projeto certificado, reator de testes, muito menos um reator de fato. Também não há nenhuma maneira viável de enviar tal reator à Lua. (Foguetes têm o péssimo hábito de explodir de vez em quando durante o lançamento, ou pouco tempo depois). Para completar, o ano de 2026 é a meta ambiciosa de colocar todos os sistemas em operação. A única palavra que vem à mente a respeito disso tudo é utopia.

Como não há um projeto de reator, é muito provável que seja utilizado o modelo HEU (urânio altamente enriquecido) que vai totalmente contra o Tratado sobre a Não-Proliferação de Armas Nucleares. O Dr.Edwin Lyman, da organização Union of Concerned Scientists (UCS), afirmou ao telejornal PBS Newshour: “Isso deve motivar ou iniciar uma corrida espacial internacional, para construir e lançar novos tipos de reatores de urânio altamente enriquecidos.”

Pela utilidade do HEU no uso em armas nucleares, e as sondas que estão sendo enviadas à Lua e a Marte por países “hostis”, como a China e os Emirados Árabes Unidos, é fácil imaginar o quão tentador seria roubá-los à base da força. Os Estados Unidos enviarão guardas para os seus reatores lunares? Haverá terrorismo, ou até mesmo guerras, na Lua?

Do que se trata tudo isso? Lucro? Prestígio? Proliferação? O Idaho National Laboratory (Laboratório Nacional de Idaho), ansioso para desenvolver seu protótipo SMR, encara isso como uma oportunidade para enfatizar “a liderança global dos Estados Unidos na inovação nuclear”, revela John Wagner, diretor adjunto do laboratório ao telejornal Newshour.

Isso reforça a desculpa de quase toda instituição e corporação federal que tenta justificar novas e exorbitantes despesas nucleares: “Não podemos deixar a China e a Rússia assumirem o controle. Os Estados Unidos precisam manter, ou recuperar a supremacia do setor industrial e espacial.” E por aí vai.

Artist’s concept of new fission power system on the lunar surface / Credits: NASA

Chamá-los de lunáticos não é bonitinho. Com o aumento constante das crises na Terra, causadas pelas mudanças climáticas devastadoras e a pandemia atual, gastar milhões para alocar reatores em Marte e na Lua é mais do que loucura. É moralmente irresponsável. É abandonar a maioria de nós aqui na Terra à nossa própria sorte, para talvez, quem sabe, algum dia, alguns poucos consigam partir para o Planeta Vermelho. Para nunca mais voltarem.

Porém, desconsiderando a imoralidade e as despesas, e aparentemente sem a menor preocupação com a pilha de lixo nuclear que os reatores produzirão, a NASA e o Departamento de Energia estão aceitando o envio de propostas com bastante expectativa.

E o que farão esses reatores lunares? “Serão capazes de sustentar a vida na Lua, pelo período de uma noite lunar”, disse o engenheiro da NASA, Anthony Calomino, ao Space News. E ainda: “A superfície da Lua nos dá a oportunidade de produzir, testar e qualificar um sistema de fissão espacial para voos.”

A Lua parece ser nosso trampolim até Marte. E agora, ao que tudo indica, se tornará nosso mais novo lixão nuclear. Se houver derretimento ou uma série de acidentes entre o conjunto de reatores idênticos, todos eles estariam sujeitos à mesma falha e a Lua se tornaria nosso próximo deserto nuclear.

Fico feliz em dizer “boa noite, Lua.” Porém não gostaria de dizer adeus.


Traduzido do inglês por Fabricio Altran / Revisado por Larissa Dufner

O artigo original pode ser visto aquí