POEMA

Por Cleisianne Leite

 

Era noite e som de tempestade, como um sussurro profundo me fez despertar.
Me posicionei em frente a janela e me pus a contemplar o magnífico espetáculo da tempestade noturna.

Céu acinzentado, gotas expressivas caindo freneticamente ao chão, clarões de relâmpagos e som de trovão, era de fato uma sinfonia sublime, beirava a perfeição.

Me fiz presente e sentindo-me contente recostei-me ao parapeito e me permiti experimentar de olhos fechados, sentindo a chuva, comecei a visualizar uma pequena esfera de vidro e dentro dela me encontrava presa, e a cada gota que me molhava da janela, meu eu dentro da esfera ia submergindo.

A chuva representava tudo que sentia e a cada gota percorrendo meu rosto ela enchia a pequena esfera e enfim estava repleta de líquido, o ar faltava, mas não me causava desespero, era a resiliência de quem espera até o último suspiro um meio de sair de tudo que não podemos escapar.

Mas os movimentos Leves confundem o espectador. A dança em câmera lenta dentro da esfera repleta de líquido transparece uma leveza, aparenta uma dança suave e fluída, mas o fato é que cada pequeno movimento é pesado e cheio de dor, essa é a dança do desespero, da sobrevivência, esse é o esforço sobre-humano de buscar o ar.

E cada rodopio para encontrar o vidro e a cada tentativa de tocar em qualquer ponto de sustentação, continuava frustrada, os movimentos amortecidos por todo líquido contido na esfera.

Contemplar essa dança da janela me enternece a tal ponto, que quando me dei conta, estava encharcada, mas não era da chuva, a água vinha dos meus olhos, consciente que a esfera continha meu pranto, chorei copiosamente.

A esfera repleta de lágrimas se arrebentou em uma explosão, tudo se desmancha, e meu eu dentro da esfera se liquefaz, seguindo o fluxo da natureza.

Me afasto da janela e percebo será mais uma transmutação. Nesse momento já não era eu.
Quem eu sou ou era não existe mais.

A minha ausência provavelmente será sentida, e dirão:
“Ela era chuva e na chuva se libertou”,
Ou talvez comentem: “Ela se refez, e se afastou para conserva, sua nova forma.”
Ainda outro sussurrará: “Ela transcendeu e conseguiu conectar-se com seu eu mais profundo”

Mas a verdade é que Ela sempre esteve em estado líquido:

Ela é leite
Ela é sangue
Ela é lagrimas
Ela é suor
Ela é água
Ela é chuva
Ela é correnteza

Hoje ela é tempestade, líquido em rebentação, Força da natureza, ser em transmutação.