CONTO

Por C. Alfredo Soares

 

Um certo dia um amigo do trabalho ganhou de presente um belo galo, sem ter como recusar a ave, deixou-o com as patas amarradas na recepção até resolver o que faria. 

Seu desejo era que aparecesse alguém que levasse o bicho. Tal desejo logo foi atendido. Um colega de trabalho, que não podia ver nada dando sopa, ficou doido pelo galo. Perguntou o que aquele estava fazendo ali, num lugar tão impróprio. 

Ao perceber o interesse, Rodrigo, que era recepcionista, contou sobre o inusitado presente e, com ar de piedade, relatou impossibilidade de criá-lo, já que residia num apartamento. Essa foi a senha pra que Lobinho pedisse o galo pra si. No que foi prontamente atendido. Rodrigo, aliviado, se livraria do problema e Lobinho, com olho gordo, ganharia o almoço de domingo. 

Acontece, que ao chegar em casa a patroa e a filha do casal se apaixonaram pela ave. De fato a ave era imponente. Lobinho não conseguiu convencê-las de que na panela ele, o galo,  ficaria lindo e saboroso. Ele foi ficando, crescendo e se impondo no quintal apertado da casa.

A ala feminina da família o tratava como animal de estimação. Lobinho tinha que comprar até milho no mercado pra alimentar o galináceo. Feliz e bem nutrido o galo começou a entoar seu cacarejo cada vez mais alto. Certamente haveria uma fêmea nas redondezas querendo ciscar no seu quintal. 

O tempo passava e o galo cantava feito um Pavarotti de penas vermelhas e negras. Até que um certo dia o bicho foi correspondido a distância e passou a cantar a qualquer hora do dia e da noite. Parecia cantor de karaokê num final de semana. Muitas foram as vezes, que debaixo da janela do quarto do casal, o cacarejar do galo acordou Lobinho como um despertador de cordas, estridente, na cabeceira da cama. Era cada salto que Lobinho dava que chegou ao ponto de correr de madrugada, em volta da casa, tentando agarrar a ave pra estrangulá-la. Possuído, Lobinho saía descalço no escuro e pisava na bosta do bicho. Aquilo o deixava ainda mais P… da vida. 

O problema é que quando alcançava a ave, sua mulher e filha vinham em socorro do penado e salvavam-lhe a vida. Lobinho sabia como acabar com aquele sofrimento diário, que o impedia de dormir. Havia trabalhado em aviário, não tinha pena alguma em decepar pescoço e esquartejar aves. Mas a filha e a patroa amavam o galo. A coisa chegou ao ponto dos amigos não poderem mais perguntar sobre o bicho, sem falar nas DRs familiares, por conta da situação. 

Lobinho se irritava e sua irritação era a deixa pra zoação dos amigos  aumentar ainda mais. Não havia mais clima pra manter o galo em casa. A relação entre os dois estava insustentável. Doar a ave seria uma solução, mas haveria de receber tal presente. 

O dano noturno se repetia nas noites calorentas e, também, nas frias. O galo  cantava no final do dia, de madrugada e no porvir. Era uma loucura. Por fim a família, vendo o estado de nervos do chefe do clã,  decidiu que a coisa tinha ido longe demais. Ninguém dormia mais tranquilo na casa. Lobinho já estava achando que estava com problema de nervos. Não conseguia dormir com medo de acordar assustado com o cacarejo do galo. Sua mulher, percebendo a situação, resolveu aceitar o fim do bicho. Sem contar a filha, que poderia abrir um

choro compulsivo com a notícia, o galo foi decepado, depenado e guardado no fundo do congelar por quase um ano. 

O casal temia que a filha perguntasse pelo galo na hora em que ele estivesse com batatas sobre a mesa pronto pra ser  degustado. Claro que o sumiço da ave chamou atenção dela, mas como era pequena, não seria capaz de ver o bicho petrificado na geladeira. 

O galo ficou quase um ano congelado  até que lobinho resolveu doá-lo, agora sem vida, pra uma galinhada que aconteceria na casa da sua mãe. Foi a solução perfeita pra por fim a enrascada que haviam se metido – Lobinho, a mulher e a filha não compareceram ao almoço. Existia um  certo sentimento de piedade entre eles, para com o galo.

No domingo seguinte o galo estava na panela. Foi servido como prato principal cozido com batatas, acompanhado de arroz branco. 

Os comensais, a mãe, irmãos e sobrinhos, se fartaram. 

Lobinho relatou que ainda hoje, quando dorme, ouve o galo ciscando debaixo da sua janela, bem no meio da noite, naquela hora que o silêncio predomina. 

O temor é que o bicho volte a cacarejar do além e o acorde com o coração disparado como no passado. Caso isso ocorra, sugiro que procure um psicanalista urgente.