MINERAÇÃO 

Por Fernanda Perdigão

 

O rompimento de barragens transcende a devastação física do ambiente; ele dilacera comunidades, impacta vidas e desencadeia uma busca por reparação que vai além do ressarcimento financeiro. A reparação integral dos danos emerge como um conceito complexo, pois não se resume a simples compensações monetárias, mas abraça a restauração completa dos aspectos afetados, incluindo a participação social nos processos de reparação.

Em janeiro de 2019, Brumadinho foi palco de um desastre que ceifou vidas, devastou ecossistemas e alterou irremediavelmente a vida de muitos. Após cinco anos, a ausência de condenações dos responsáveis e a sensação de um acordo judicial insuficiente reverberam entre as pessoas atingidas. A falta de participação efetiva nesse processo decisório aprofundou o sentimento de injustiça, reavivando a dor daqueles já vitimados pela tragédia.

O Acordo Judicial, longe de satisfazer as necessidades reais das comunidades atingidas, destaca-se como um ponto de descontentamento. A ausência de representatividade das vítimas nos processos de definição das rotas de reparação mina a legitimidade dessas decisões, desconsiderando suas demandas e afetando sua confiança nas instituições.

Conforme relatado pelo atingido e representante da Associação por Inclusão da Mulher e pessoas com Deficiência – Ampare – Maurílio Jardim – “As obras de reparação mesmo com pedidos direcionados ao MPMG, não seguem as normas técnicas e estão sendo executadas sem acompanhamento ou consulta aos representantes legais dos seguimentos, como Conselhos e Instituições representativas.” O atingido complementa: “A Ampare protocolou pedidos ao MPMG sobre os impactos do aumento do fluxo de caminhões e veículos em geral e solicitamos a adequação de calçadas e fiscalização arquitetônicas em razão da invasão de calçadas, após o pedido o que tivemos de resposta foi a implantação de áreas pontuadas mas é nítido que ainda não está dentro das normas técnicas definidas em lei, como a Lei 13.146.” Conforme Maurílio, as pessoas com deficiência não se sentem contempladas no processo de reparação.

Importa destacar que o Acordo Judicial, prevê para o Município de Brumadinho o equivalente a 1,5 bilhões para fortalecimento de políticas públicas, que contém várias obras, como Construção de pontes; pavimentação, alargamento e melhorias em estradas no eixo central da cidade, porém, nenhuma menção sobre adaptação de tais obras para as pessoas com deficiência foi verificado na página do Comitê Gestor Pró Brumadinho.

A ausência de reparação dos danos atinge também as comunidades tradicionais como quilombolas, indígenas e ribeirinhas que é um flagrante desrespeito aos seus direitos fundamentais. Essas comunidades, profundamente conectadas com os recursos naturais e dependentes dos rios para subsistência, viram-se privadas não apenas de suas fontes de sustento, mas também de sua identidade cultural. A negligência na reparação desses danos não apenas aprofunda as feridas já abertas, mas viola direitos consagrados, como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o direito das comunidades tradicionais a suas práticas ancestrais, estigmatizando uma injustiça que persiste e agrava a vulnerabilidade desses grupos.

Tal situação é percebida a partir do relato da atingida Maria dos Anjos, moradora da Comunidade Tradicional Ribeirinha da Rua Amianto em Brumadinho – “Os Ribeirinhos não são amparados pelo acordo, dos projetos definidos nos anexos nenhum considerou as comunidades Ribeirinhas.”

Não bastando a ausência de previsões de ações de reparação, as comunidades Ribeirinhas sofrem com as negativas da empresa Vale S.A no reconhecimento de que são atingidos, “O sentimento de ouvir da mineradora que os Ribeirinhos não são atingidos, causa uma indignação por sequer considerarem a perca cultural e histórica de um povo que sobrevive e valoriza as memórias que nos acompanham há 6 gerações” – Maria dos Anjos.

A situação das comunidades Ribeirinhas, que além dos danos provocados pelo rompimento da barragem, são invisibilizados na definição das áreas de risco de outras barragens, como a Barragem Menezes da empresa Vale S.A “Não temos reunião de PAEBM, nem placas de rota de fuga, nem ações de prevenção por parte da Vale, apesar de estarmos na mancha da lama. Nos sentimos totalmente descriminados a margem não só do rio mas, de tudo, de nossos direitos de reparação, de termos assistência e acesso as informações e ainda sujeitos a novo rompimento da Menezes II. Uma crueldade e retaliação conosco em todos os sentidos.” Disse Maria dos Anjos com a voz embargada pelo sentimento de injustiça.

A indignação relatada por Maria dos Anjos, se estende por toda a calha do Rio Paraopeba, mas, também nas comunidades rurais mais distantes do epicentro do rompimento conforme relatado pelo atingido Beto Queiroz da comunidade Rural Melo Franco – Brumadinho, “Outra situação que aumenta o descaso é também o suporte que até hoje os atingidos tiveram, não há sequer informações de qualidade para todos, o que seria o mínimo, a assessoria técnica independente alega ter cortes de verbas e dizem não poder fazer o trabalho de forma que achariam que precisavam e enquanto nós atingidos sempre no meio, nos faz pensar que seja uma guerra e um jogo onde nós, a parte atingida, nunca temos voz e nem direitos de cobrar, como um Dono de um carro que foi batido mais não pode cobrar os reparos necessários, tendo que aceitar da forma que bem entendem e nos empurrar goela abaixo.”

O Acordo Judicial, longe de satisfazer as necessidades reais das comunidades atingidas, destaca-se como um ponto de descontentamento. A ausência de representatividade das pessoas atingidas nos processos de definição das rotas da reparação mina a legitimidade dessas decisões, desconsiderando suas demandas e afetando sua confiança nas instituições.

Como relatado pelo atingido Beto Queiroz, “Falar sobre um acordo que nunca tivemos direito a participação é chover no molhado, evidente que não daria certo ,quando não se ouve o dono da casa como querem consertar as goteiras ,mais uma vez evidência que para os políticos e a criminosa parece que foram os únicos que tiveram direitos e podem achar bom esse acordo já que não vemos nenhuma reparação, volto a dizer reparação digna, mais a empresa criminosa a todo tempo faz propaganda nos veículos de comunicação falando dessa tal reparação, já nós atingidos gostaríamos de morar nessa tal reparação que é pregada tanto em TVs quanto nas rádios.”

Neste ponto é importante demarcar os limites do Governo do Estado de Minas Gerais em traçar os rumos da reparação sem a efetiva participação das comunidades atingidas. As instituições de justiça, ao decidirem sem representantes dessas comunidades, falham em compreender plenamente a extensão dos danos e as verdadeiras necessidades das pessoas impactadas.

Surge, então, a provocação, de que o modus operandi das mineradoras, marcado pelo domínio territorial através do poder econômico, reflete também a postura adotada pelo Governo de Minas Gerais. A priorização de interesses econômicos em detrimento das comunidades afetadas torna-se um padrão, perpetuando a exclusão e a desigualdade na busca por reparação.

Arquivo pessoal do atingido Beto Queiroz – Ponte do Arame Melo Franco – Brumadinho – única passagem de acesso da comunidade após o rompimento da barragem.

 

Chegando ao quinto ano do desastre, é imperativo repensar o panorama atual. As pessoas atingidas merecem um novo ano que transcenda meras propagandas e discursos vazios. É hora de uma verdadeira mudança, onde suas vozes sejam ouvidas e onde a reparação integral não seja apenas um conceito, mas uma realidade palpável em suas vidas. Como frisado pelo atingido Beto Queiroz: “Mais uma coisa é certeza não iremos desistir vamos continuar lutando, se não for para a nossa geração será dos nossos filhos netos, mas vamos buscar Justiça, justiça pelos que foram, justiça pelos que ficaram e justiça pela nossa Brumadinho”

É inescapável confrontar a dura realidade: a ausência de justiça e a falta de reparação transformaram a tragédia em uma ferida aberta que teima em cicatrizar. O acordo judicial, ao invés de priorizar a reconstrução das vidas destroçadas, surpreendentemente direcionou recursos para obras viárias, demonstrando a contundente preferência do governo de Minas por infraestrutura em detrimento da restauração humana e ambiental.

Essa escolha revela uma priorização do capital em detrimento da dignidade, ecoando o padrão global onde o lucro se sobrepõe à preservação ambiental e à proteção dos direitos humanos. A relação entre o capitalismo voraz e a destruição do meio ambiente e da dignidade humana se torna mais evidente do que nunca, clamando por uma reflexão profunda sobre os valores que guiam nossas sociedades e as mudanças urgentes necessárias para evitar que o desastre da Vale S.A na bacia do rio Paraopeba se torne um triste marco na incessante exploração desenfreada de recursos em nome do progresso.

Reparar os danos vai além de restaurar o que foi perdido; é reconstruir a confiança, é respeitar as vozes das comunidades impactadas e criar um ambiente onde a justiça não seja apenas um ideal distante, mas uma prática concreta. São cinco anos do desastre, e centenas de pessoas atingidas que enfrentaram uma das piores desastre socioambiental provocado pela mineração, aguardam uma verdadeira mudança para construir um futuro digno.