CRÔNICA

Por Guilherme Maia

 

-“Ai, Augusto… Já chega! Não consigo mais com volume tão avantajado! ” – Essas foram as últimas palavras de Afonsinho, aquele mesmo que comandava o programa Orai e Verás, da Rádio Filhos da Providência.

Oras, o necrológio do Jornal Monte Ararat, imprensa de viés piedoso, teve de suar em piedade para amenizar a mortis causa do ilustre homem de bem e de família Afonsinho Gomércio: uma vez que este, líder da igreja Poço Fundo do Jacó, faleceu de morte súbita em pleno ato sexual ocasionado por ingestão de vinte e cinco comprimidos de medicamento para disfunção erétil conjuntamente com cocaína. Como dizia, a imprensa da reserva de mercado abençoada reportou a morte como um arrebatamento de fé, de extremo exstase de contato com o divino.

Não poderiam os meios de mídia mencionar que o dito exstase fora com uma tromba de quase dezesseis centímetros ainda no descanso, que era o caso do evocado Augusto – aquele mesmo do começo do primeiro parágrafo. Conhecido como Augustus no meio dos cidadãos de bem, era muito apreciado por prelados de apriscos da Baixada Fluminense: passava por líderes das mais diversas denominações de igrejas aguerridas pelos bons costumes. E como o César que lhe serviu de nome de batismo, sabia ser ardiloso nesse entremeio conflituoso do que se exige que os outros façam e, por outro lado, o que se faz pessoalmente. Sabia como ninguém auferir lucro com as taras dos iluminados do bem, ou, soando mais realístico, com os com bem.

Acontece que após o alegre passamento do vigilante dos bons costumes e da família devido à sucuri do Augusto, apurou-se que a vítima da toba assassina amealhara grandes somas de dinheiro. No Paraíso mantinha numerário no montante de dois bilhões (Paraíso, diga-se de passagem, caribenho: Ilhas Cayman). Grande parte de todo esse cabedal provinha de exigências em ouro que Afonsinho iniciara por meio do controle de verbas das merendas escolares, seus contatos medravam até às mais altas cúpulas do Ministério da educação e, pelos milagres constantes que ocorrem de modo especial no Brazil, cunhou o verbo “ourar”, cujo significado era a ação de prefeitos ajoelharem perante o rabadão e, por meio de gramas de ouro per capita proporcionais às criança da municipalidade, implorar por reservas para suprimento de comida para as escolas.

E que rabadão se mostrou Afonsinho! Já na casa dos bilionários ainda auferia os lucros regulares de sua igreja de Brás de Pina e os dividendos de uma ou outra ação da sociedade anônima do complexo de Israel.

Por que seu cabedal somava essas cifras, surgiram parentes e amantes de todos os cantos do Brazil (de fato, Afonsinho era um insaciável apreciador do tubo alheio, o mesmo que recriminava com tanta veemência… Freud explica). Já o potente Augusto, por meio de um dos maiores rábulas do país, habilitou-se no inventário como companheiro de união estável, o que, de fato, era mesmo, posto que, assim como o encantador de serpentes, conquistara e fora conquistado pelo rabadão dos apriscos de Afonsinho. Era fácil provar que residiam juntos e que possuíam uma vida em comum.

Remonta o começo deste amor aos tempos em que Afonsinho pregava a palavra de deus no Calçadão de Caxias. Duas eram as diretrizes de suas preleções divinas: a acumulação divina predestinada de dinheiro pelos que prestavam dízimos e trízimos de seus rendimentos para o pastor e, por outro lado, a construção da imagem de um Jesus Cristo que espancava gays em Jerusalém.

E assim começava a sabedoria do primeiro grupo de interesse:

Saibãos que Jesus ao verdeis homens se beijando entre si no templo de Jerusalém, eis que, tomado de ódio, pegou de sua pistola Taurus 9 mm e saiu atirando em todos os efeminados que encontrou pelo caminho” – atochava com inspiração tais primores da teologia mais profunda. – “E com dinamites enviadas pelo senhor, Jesus tacou o terror e implodiu o templo de Jerusalém com explosivo plástico C4 e disse o senhor: ‘Pareises de fazerdeis da casa de meu pai uma sauna gay’”. – E todo essa flatulência, conforme a inteligência mentecapta de Afonsinho, estava escrita em João, 2:13-25.

Ao final do discurso, já bufando, Afonsinho, de esguelha, viu um rapaz forte e que, quanto mais espraiava sua verve de amor bíblico pelo próximo, mais afogueada ficavam as faces daquele que conquistara sua atenção em meio a tantas pessoas: era Augusto e daí por diante estava iniciada a paixão entre eles.

Daí, com o rabadão em chamas de inspiração divina, Afonsinho arremedava seu discurso com a justificativa inarredável da acumulação de dinheiro como prescrito pelo senhor na bíblia:

Saberdeis ser mais fácil um rico (com acumulação de dez milhões para cima) passar pelo buraco de uma agulha do que um miserável da alta classe média baixa conseguir propriedade na Zona Sul e, assim, ir para o Céu” – “Como verdeis essa é a palavra do senhor conforme Mateus 19:24”.

Semeando tanto amor e acolhimento em qualquer lugar do mundo Afonsinho teria sido preso, mas, como se trata de Brazil, ele enriqueceu, acumulando cargos públicos nomeados e eletivos. Quando foi eleito prefeito de Nova Iguaçu – pela graça de deus e do Evanildo, capo di tutti capi do bicho daquelas bandas – seu primeiro projeto de lei foi a terapia da curda gay ser impulsionada nos postos de saúde (retirando para tanto os fundos das vacinas Pneumocócica e tríplice viral). Quando os bebês começaram a virar literalmente anjinhos, a população foi obrigada a arrebentar as dependências do prédio da Prefeitura e a fachada do palácio do alcaide e, por conseguinte, o Senhor falou a Afonsinho que a cura gay já havia progredido o suficiente para alocar verbas das vacinas.

À época o Doutor Fino Rego, psicanalista renomado com diploma na Faculdade Grana Firme de Inhaúma, especialista que fora chamado a Nova Iguaçu para início dos trabalhos da cura gay, rebelou-se contra o término do projeto da terapia afirmando em discurso incendiário na Câmara cuspindo em excelente sofisma que “o prefeito indo contra a cura dos gays, é um pusilânime; pois Vossa Excelença é um filho da puta! ” – Que palavras magistrais em suas tertúlias saiam da boca desse Cícero do Rio Timbó.

Consumida Nova Iguaçu quase às chamas, após todo o estrago possibilitado pelo sistema às Administrações Púbricas brasileñas, Afonsinho alçou voo federal, uma vez que estava no trono do Palácio do Planalto mais uma besta de plantão eleita por décadas de uma massa do povão relegada a mais completa ignorância e fanatismo religioso pela falta de acesso à educação básica.

Já nesse patamar fica difícil para um vampiro de mentes e corações segurar os impulsos do ego, ou como diria Freud, do egão: e, com isso, iniciou ataques aos negros (que deveriam aceitar séculos de escravidão como a vontade do senhor e castigo a Cão); aos judeus, posto que estes renegam ao Cristo, devem ser, com todo o amor possível, incinerados a fogo lento; índios, que deveriam entender que não têm alma mesmo aceitando a fé cristã, e, por conquistarem apenas 10% de espírito com a conversão, não adquirem o direito de possuírem terras demarcadas para tribos frente á vontade do senhor. E por aí iam todas as preciosidades no influxo daquela velha parada “Amai-vos uns aos outros” – como Afonsinho desfiava bem a relação amor-ódio que vinha lá de seu âmago, mais ou menos entre o intestino grosso e o reto.

Fato é que Afonsinho, assim como Pablo Escobar, era um self-made man. Homem de família (comprara uma moça no Piauí por dois salários mínimos, pagos em espécie aos pais dela para ostentar uma “abençoada esposa”) e até enxertara as “sagradas sementes” de Augusto no “bendito ventre” da esposa para a “santa geração” de seus dois filhos registrados. Dínamo do combate aos inimigos da etnia genealógica predeterminada pelo Senhor, chegava às raias do ódio gospel quando chegava a época da Parada Gay.

Fora ele quem engendrou o sequestro de Ritão, a Mulher Bambu da Riachuelo. A tentativa foi um fiasco, haja vista Ritão ser faixa preta em Aykidô e possuir os mais bem entalhados tamancos holandeses do mundo todo; ao chegarem os irmãozinhos para cima dela à altura do Passeio Público, a amazona notívaga, já acostumada com judocas de boite, tascou um PLÁ de salto alto na testa do mais alto e, depois de derrubar um, pulou com tudo no irmãozinho mais baixo – dizem as más-línguas que houve abuso por parte de Ritão no baixinho, mas a verdade verdadeira (existe isso?) é que casaram e vivem felizes na Lapa que a todos une!

Enfim, o encomio de Afonsinho reuniu todos os defensores da família e da propriedade privada, por isso a polícia teve de montar escutas no entorno do funeral, uma vez que dentre tantos cidadãos de bem e da ordem, muitos respondiam por pedofilia, agressões domésticas, lavagem de dinheiro, estelionato espiritual e envolvimento com tráfico de drogas. Todos grandes defensores da estirpe no tronco e do tronco na estirpe…

Morto estava o bastião da verdade branca heterossexual e as hordas da dissolução intensificavam seus ataques à ordem e ao bem. Na lápide do rabadão ficou gravado “A JUSTIÇA DE POTIFÁ – EUNUCO DO FARAÓ”. Que linda homenagem à vítima da jeba de César Augustus.

Aberto o inventário, como já dito, Augusto se habilitou como herdeiro necessário e, desde o começo, a esposa e os dois filhos do líder cristão acirraram fileira contra o concubino. O processo, como todas as demandas submetidas ao preclaro Poder Judiciário brasileño, perpetua-se no tempo, de forma que a Justiça dos Tristes Trópicos confirma a teoria de Einstein de que o tempo é relativo.

A verdade é que o processo atrasou tanto a ponto de interesses ocultos terminaram por conseguir assassinar Augusto.

Diz a imprensa – que é financiada pela Igreja do Poço Fundo do Jacó -: “acordar morto no meio da Avenida Brasil, nu e cheio de equimoses, é comum e todo carioca está fadado a destino semelhante”. Mas como para bom entendedor meio psilone é bastante para embrulhar tudo, claro está que o concubino fora assassinado, falta descobrir por quem.

Límpido está também a expectativa de que nossa polícia, fundada em preceitos tão tecnológicos e humanistas, vai desvendar a autoria do assassinato em algum dia próximo ao dia 31 de fevereiro. Infundidos pelo espírito de CSI, as autoridades puseram as investigações a leilão na Deep Web para que seja o resultado das investigações arrematado pela esposa da Afonsinho, pelos filhos ou pela Poço Fundo do Jacó. Fato é que o arrematante poderá escrever a dinâmica do fato e a tipificação do crime conforme ditar seus ricos bofes.

De todo esse ocorrido fica em primeiro plano que Afonsinho era um estereótipo daqueles que encarnam o combate dos chamados “rebeldes a favor”. Ora pois, se esse pessoal da extrema destra domina a sociedade ditando regras as mais estrumosas em Inteligência e preocupação humana, por que ou o quê tanto gritam? Gritam, talvez por saudade e respeito à monarquia – tamanho seu apreço pelo conservadorismo.

Por certo uivam para poderem ser e agir como Luiz XIV: imaginam-se, saindo às ruas como o Rei Sol a cuspir em que bem entenderem, ou, mais de acordo com a realidade, sonham poder apropriarem do quanto quiserem de verbas públicas, assassinarem opositores, praticarem os mais requintados e abençoados sadismos e, como o velho monarca absolutista, nunca, mas nunca mesmo, serem responsabilizados por seus atos.

Assim caminhamos e, nesse caldo fluminense, Afonsinho foi entubado pela carne que o Senhor fechou, como está descrito em Gênesis 2:21. Porque, pelo que uns e outros estudam: como o pênis se alonga e enfeixa pela rafe (aquela linha na ponta da glande), esse seria o sinal da “costura divina sobre a retirada da costela de Adão”, isso, claro, devido à concepção divina de Eva. Como Eva “SAIU DA COSTELA DE Adão” e, depois o Senhor “fechou a carne de Adão”: concluem alguns rabinos que, como a costela não possui valor algum reprodutivo nem fisiológica como mitologicamente, a tal “costela” seria a linha longitudinal do sinus urogenital que, no macho, culmina, após a dobra, no rafe.

Que viagem para arrematar uma história, afinal o que quero dizer é, a título de conclusão moral dessa terna fábula que saiu da cabeça (êpa! Cuidado aí!) do autor, finalizo com esses dizeres:

Se o quibe não vai até o Mustafah, que o Mustafah vá até o quibe de forma pacífica e honesta”.

E, claro, se bens são todos os objetos a que se pode atribuir valor: pode sim ser o bem do cidadão de bem uma jeba de Príapo às escuras.

Hallelujah, Brothers and sisters!