CRÔNICA

Por Guilherme Maia

 

Birds flying high you know how I feel

Sun in the sky you know how I feel

Breeze driftin’ on by you know how I feel

It’s a new dawn

It’s a new day

It’s a new life

For me

And I’m feeling good!

(Anthony Newley, Leslie Bricusse e, claro, Nina Simone)

É meu amigo, uma voz me dizia “escreve para o Paolo; muito tempo sem se falarem; amigos têm que conversar sempre”. Confesso que ainda limito muito minha vida com infindáveis afazeres, estéreis afazeres e estes aparecem como correntes a afastar a liberdade, a empatia e a fraternidade querida de amigos especiais como você.

Mas o que é a rotina frente à plenitude? O que é a pressa frente à sabedoria? Nada, meu amigo, nada!

Penso que em um espaço tão curto de tempo viajamos na mais magnífica pauta do Jazz, da poesia, do culto ao viver bem e, mais do que tudo, erguemos uma parceria, uma sagrada parceria, que transcende relações de produção e irradia espontaneidade.

Sim Paolo D’Aprile, tornaste meu amigo como poucos o conseguiram nestes meus quarenta e (?) anos de idade (perdão ter usado a segunda pessoa, mas me senti solene).

E o que é a amizade? Você me mostrou em nossas colaborações sobre Jazz que é a comunhão do pensamento e a leveza de se sentir bem, de caminhar junto, produzir arte lado-a-lado como irmãos fazem (pelo menos os bons irmãos, porque tem uns Cains da vida aí que Deus me livre).

Para escrever esse esforço de tentar delimitar em palavras o que é a irmandade pus aquele velho Miles. It Never Entered My Mind, gravação clássica de 1954, com Art Blakey, Horace Silver e Percy Heath – não tão pujante como a do Quintet dele, com o John Coltrane, Red Garland e outros grandes, – mas intimista pra caramba…. Ajuda a deixar fluir as palavras que quero lhe dizer.

Uma coisa que sempre me deixou aflito com relação a você é a rapidez, a sagacidade do pensamento desse italiano, aquele que, pela capacidade de síntese e entendimento da realidade do país, me forçava a identificá-lo como o “italiano mais brasileiro que há”.

Imagina, enquanto eu retiro minhas palavras e frases a fórceps, você, meu amigo, solta dez laudas de texto profundo, com essa coisa vertiginosa sua de unir uma fluência poética sobre o estudo profundo das belezas e mazelas auriverdes aqui dos tristes trópicos alegres.

Quanta coisa ainda ficou faltando para pensarmos juntos e eu já proponho uma parceria sobre a Nina Simone e esse Sentir-se Bem que é o que mais desejo para você nesse momento e, claro, sei que a fibra genovesa não verga fácil e você estará como sempre esteve em breve: a ponto de bala para denunciar, reclamar e revolucionar, porque é isso o que você está predestinado a ser: revolucionário da palavra.

Um INCENDIÁRIO da beleza, da música e da estética, numa mistura que engrandece quem tem a sorte de já ter lido seus artigos.

Desculpe se extravaso aqui nessas linhas, mas ao ouvir sua voz embargada ao telefone fiquei estupefato, fui pego de surpresa, porque você é a pessoa mais ágil que conheço.

Mas tais surpresas já aprendi nessa vida são momentos tiranos no tabuleiro do jogo no qual estamos postos: são para engrandecer em nossa recuperação; são para frear um pouco e olhar para o Kósmos e perceber que da origem desta palavra vem o senso maior de harmonia.

Paolo, amigo, a harmonia que possibilita o arranjo vital que vai desde estrelas supergigantes vermelhas a milhares de anos-luz de distância, até a partícula mais subtônica concebível e é aí, nessa harmonia que a tudo engloba que está a boa inspiração, o agir bem, de um lado, e, do outro, tem a desarmonia do caos, pois ambas coexistem e é por isso mesmo que após termos descoberto a pulsação sanguínea e a aceleração da gravidade e, – por que não? O Viagra! … – Ainda tem tanto boçal enchendo a boca para cometer pensamentos os mais diarreicos possíveis (preconceitos e preconceitos) …

Bem, como eu ia dizendo, o que acontece é que mesmo depois da descoberta do prisma de luz ainda me sai na rua um sujeito vestido com camisa de CBF ruminando ser patriota e com o maior sebo possível sai cuspindo que o Mussolini tupinambá é a encarnação do messias… realmente na vida – e a gente sempre evita cair em maniqueísmos, – há uma contraposição intelligentsia/boçal-da-camisa-CBF, ah, isso há, sim!

E não tem nada a ver com conhecimento técnico de nada, a intelligentsia é o humanismo que permeia tudo – e temos a intelectualidade orgânica para nos fazer entender que não tem nada a ver com classe social ou cursar uma faculdade ser inteligente, culto ou mesmo sensível…

Mas eu estou falando isso tudo porque é dentro do conceito de uma harmonia cósmica, enlace de tudo e de todos, que encontro a explicação de nossa amizade e é inspirado nisso que digo a você mio caro amico: você ficará bem, rápido nas ideias sublimes como um Cícero, comandando como um Garibaldi e compreensivo como um San Francesco!

E eu vou estar esperando você para falarmos sobre a Nina Simone e aquele agressivo sentir-se bem dela.

Auguri!