Nos últimos anos, vivemos um verdadeiro boom no campo das criptomoedas e dos ativos digitais. Se você ainda não estava familiarizado com essa história de Bitcoin para cá, Bitcoin para lá, seria boa ideia que começasse a se habituar com ela e com suas “irmãs”. Hoje, já temos uma profusão de concorrentes da principal moeda digital, como Ethereum, Binance coin, Cardano, Tether, Solana, XRP, Polkadot, Dogecoin e USD Coin… Ufa! Mas será que esse “dinheiro da internet” tem realmente futuro?

Talvez possa parecer estranho o conceito do dinheiro que não tocamos. Contudo, naturalmente, já vivemos há algum tempo a era do dinheiro digital. Os cartões de crédito e de débito, além de transações eletrônicas nos home bankings e celulares, diminuem a circulação do papel moeda e podemos até nos dar ao luxo de passar dias, semanas ou meses sem tocarmos numa nota sequer. Dito isso, não é tão estranho vermos o crescimento dessa nova modalidade financeira.

Em 2021, só na América Latina os investimentos em empresas de criptomoedas atingiram marcas extraordinárias. Foram 653 milhões de dólares investidos. E, para se ter uma ideia, essa cifra representou quase dez vezes mais aportes de recursos do que o ano anterior.

Já numa escala global, temos, no mesmo período, investimentos na ordem de 25 bilhões de dólares. Em 2020, veja bem, os investimentos foram de “apenas” três bilhões de dólares. Isso significa um aumento de cerca de 700%.

Se pensarmos em termos de confecção de dinheiro, isto é, no gasto de recursos naturais para criação de papel e metais para sua fabricação, a virtualização de moedas pode sinalizar uma revolução ecológica positiva. No entanto, na prática, não é bem isso o que ocorre.

O crescimento em escala geométrica do blockchain, tecnologia que permite a existência das criptomoedas, gera preocupações válidas com relação à sustentabilidade. Apesar de se tratar de um sistema completamente virtual, ele não é inteiramente “limpo”, por se fazer necessário um consumo energético enorme na produção de cada nova moeda (ou ativo). Dezenas, centenas ou milhares de computadores são usados para fazer uma única nova criptomoeda. A esse processo de “cunhagem digital” damos o nome de mineração.

A mineração, em poucas palavras, é a técnica utilizada para a fabricação de novas moedas. Componentes dotados de ampla capacidade computacional (como GPUs e CPUs de ponta) são responsáveis pela criação de novos blocos na rede, que vão armazenar as novas moedas e transações geradas. Em troca da prestação do serviço de minerar, o responsável pelas “minas”, como alguns chamam tais conjuntos de computadores, recebe uma comissão em ativos digitais pela cessão da energia e do processamento.

A grande questão que traz preocupação aos ambientalistas é o crescimento rápido e desordenado dessa tecnologia. Em meio a uma grave crise econômica, muitas pessoas passaram a investir em minas de criptomoedas e, por conseguinte, o mundo pode ter uma alta conta a pagar no futuro. Ou, talvez, já esteja começando a pagar agora mesmo.

O Cazaquistão, no final de 2021, sofreu com uma crise elétrica sem precedentes em sua história. Depois de inúmeros blecautes no país, os governantes precisaram interromper todas as atividades de mineração de bitcoins para que o consumo de energia fosse estabilizado a sua população. Quase 10% de toda eletricidade produzida na região era direcionada para a fabricação de novos ativos digitais. Vale destacar que o país era, até então, um importante peão no tabuleiro das criptomoedas, sendo a segunda maior nação mineradora do mundo, perdendo apenas para os EUA.

A China, que já ocupou a primeira posição no ranking de cunhagem digital, a exemplo de outros países como o Kosovo e o Irã, proíbe a mineração, dado o insustentável consumo energético. Suécia e Noruega também estudam banir a prática. O Brasil, por outro lado, sempre parece seguir pela contramão. O senado aprovou recentemente texto em que se ofertam incentivos fiscais para mineradores de criptomoedas. Será que nossos governantes não se deram conta da quantidade de energia necessária para produzir tais ativos e que não temos uma matriz energética tão eficiente?

No entanto, algumas pessoas influentes no meio digital, bem como ativistas, parecem enxergar o perigo em potencial para o planeta e tentam despertar o mundo para que, juntos, encontremos soluções mais viáveis para o uso dessa importante tecnologia. E, com isso, pressionam companhias e governos a encontrarem o equilíbrio entre a economia e a sustentabilidade.

A Wikipédia e a Mozilla (responsável pelo navegador Firefox), por exemplo, são organizações sem fins lucrativos e que dependem de doações para se manterem. Recentemente, ambas estiveram envolvidas em polêmicas após passarem a aceitar bitcoins como donativos. Para muitos, esse movimento vai de encontro às políticas verdes que ambas empresas adotam. Não demorou muito para que elas percebessem o equívoco e retornassem às formas antigas de doação e/ou buscassem opções melhores.

No mercado de ativos digitais, algumas alternativas que possuem eficiência energética maior do que a Bitcoin já se apresentam. Uma das promessas é a moeda ecológica Chia.

O modelo de cunhagem de moedas digitais proposto pela Chia Networks é diferente das tradicionais, como o usado pelo Bitcoin e Ethereum, por exemplo. Tanto que a Chia prefere o termo “cultivar” a “minerar” que, convenhamos, possui uma carga semântica mais agradável. Porém, será que não se trata de um puro eufemismo?

Segundo a empresa, não. Os modelos tradicionais de cunhagem digital utilizam o processo chamado “prova de trabalho”, que requer uma grande quantidade de energia do computador para colher e minerar a moeda descentralizada. Já a nova proposta, utiliza o processo de “prova de espaço e tempo”, que permite que os produtores de moedas mostrem que estiveram armazenando dados fisicamente por um determinado período. Esse modelo exige menos processamento e consequentemente menos consumo. Trata-se, de uma espécie de mecanismo de stand-by, se assim preferir. São sutis diferenças, porém de alta complexidade, que podem revolucionar a forma como se geram criptoativos.

Além disso, ainda há muita margem para termos esperanças nesse mercado. A Intel, uma das maiores referências em processadores do planeta, ciente do alto consumo energético necessário para produção de criptomoedas, está desenvolvendo tecnologias de computação com eficiência energética em escala. Se conseguirem, serão responsáveis por uma verdadeira revolução no mercado financeiro e de energia.

Eu não minero criptomoedas. Além disso, tento fazer a minha parte retirando tudo que preciso da geladeira de uma vez só e não deixando a luz ligada em um cômodo vazio. Eu sei que é pouco, mas é um velho hábito que carrego desde criança, quando a minha vó sempre ralhava comigo: “desliga essa luz, menino! Você acha que eu sou sócia da companhia elétrica?”