CRÔNICA

Por C. Alfredo Soares

 

 Tenho dificuldade de aceitar ver uma pia cheia de panelas e pratos sujos mesmo depois do almoço. Se for pela manhã, aí é pior. Sempre acabo pegando a esponja, o detergente e me pondo a lavar até que tudo esteja limpo. Creio que tenha virado um espécie de TOC que desenvolvi no meu tempo de moleque. 

Quando éramos pequenos, lá em Teresópolis, eu e minhas irmãs tínhamos tarefas distintas em casa. Eu estudava pela manhã no Higino da Silveira e tinha a parte da tarde pra jogar bola. O problema é que para ser liberado  minha mãe exigia que, antes, eu lavasse toda louça do almoço. 

Não era pouca coisa não. 

Tinha panelas velhas de fundo queimado, muitos talheres, pratos, frigideiras, às vezes tabuleiro e caldeirão engordurado. Pegava a esponja de aço, despeja o detergente, quando tinha, e lá ia eu. 

As vezes usava areia do quintal na esponja de aço para melhor limpar o fundo da panela. Ainda tinha a pia, que precisava que ficar arrumada, o fogão e o chão vermelho da cozinha, para tirar 10.

Mamãe e, obviamente papai, trabalhava o dia todo fora e se chegasse no final da tarde e encontrasse a cozinha suja não perdoava. 

Sua palavra não fazia curva. 

O que mais me preocupava é que ela passava o dedo nos pratos, cheirava os talheres e queria se ver no reflexo das panelas como num espelho. Verificava se o lixo estava no lugar correto…abria a porta do forno pra verificar se não tinha alguma frigideira suja esquecida por mim. 

Assim também era com as demais tarefas desempenhadas por minhas irmãs. 

Eu areava a panelas até ter certeza que estaria do jeito que ela gostava.  

Papai sempre aprovava. Apesar de nunca entrar em detalhes sobre esses assuntos. Mamãe reinava.  

Sempre achei que a minha missão era quase impossível, mas jogar bola a tarde com os amigos, no campinho no final da rua, valia o sacrifício. 

A pelada só começava depois de todos estarem reunidos para dividirmos os times no par ou ímpar. Jogávamos até o anoitecer. Assim como eu, meus amigos também tinham lá suas obrigações domésticas. Crescemos sob esta doutrina familiar. Uma mistura de rigor com amor. 

Com o tempo fui percebendo que panelas sujas, pias entulhadas, fogões com gordura me irritam. São heranças da minha rotina familiar de infância. 

Hoje até gosto desses afazeres por me trazer lembranças boas do meu tempo de menino que só queria saber de bola e pipa. Aquela rotina meu situou na vida.  Aprendia ali que na vida tinha hora de estudar e brincar, e no meio disto tudo não poderia esquecer  do compromisso com meus pais e irmãs; aquilo que nos unia em busca de dias melhores. 

Quando vou até a pia lavar algo, penso como foi bom ter nascido na lar onde cresci. Podia faltar feijão, mas nunca faltou amor. 

Posso afirmar que meu TOC é positivo neste aspecto. 

Herança de um tempo onde eu e minhas irmãs brigávamos pra cumprir a tarefa e ganhar elogios dos nossos pais por cuidarmos do nosso cantinho. Mesmo não tendo a devida noção das coisas.

De vez  em quando me pego rindo com algum flash do passado ocorrido na tenra idade. 

Confesso que não sou bom em cozinhar nada, mas lavar louças é comigo mesmo. 

Sempre digo que a louça do cozinha é minha, pra deixar que eu lavo. Mesmo que depois me arrependa de ter dito tal coisa.