CRÔNICA

 

 

Por Marco Dacosta

 

 

O tempo passa e não percebemos. Já tiveram a sensação de que ao abrir os olhos de manhã o tempo avançou de tal maneira que da infância pulamos para a maturidade? Ao olhar as outras vidas nas redes sociais e os cabelos brancos de amigos as vezes parece que foi tudo um segundo. Como se estivéssemos brincando de pique esconde e quando voltamos todos se foram.

As lembranças hoje são maiores que as projeções de futuro. Quem já viveu muito parece imerso em tantas, quase que ocupa toda nossa vida. Um detalhe que vemos ativa o passado.

A vida passa rápido, como um desfile de carnaval.

Cor de confete, pequeno pedaço de papel colado no corpo, suado. Verde, amarelo, todas as cores, juntas em um pequeno saco plástico. No rosto, bem próximo, o cheiro da máscara de papel marchê, gesso e jornal picotado. E o vento quente invade a sala, levanta as cortinas brancas, me deixa ver lá fora a Baia de Guanabara. Do alto da pequena colina a velha casa de piso de imbuia, avermelhado, me lembra o passado, lá embaixo, onde meus olhos não conseguem mais alcançar. São lembranças de outros carnavais, de mãos que me puxam para dentro de um bloco e estendem os braços para o alto, como em uma oração aos céus. E os anos passam em minha mente, sou árabe, príncipe, mendigo atrás de um carro alegórico, me visto de criança, estudante e ao meu lado desfilam rostos que nunca mais vi. Como em um desfile, passam rapidamente por mim e desaparecem para sempre. Onde estarão aqueles rostos, aqueles abraços? Era amor pra toda vida, amizade sem fim, dor no peito depois do beijo, ciúme, inveja, disputa.

Hoje me olhei no espelho e vi as rugas, marcas que não saem mais. Olho novamente de lado, para onde foi a juventude. Eu desenho com um pincel um traço infinito e meus braços vão seguindo a tela. E nomes e rostos começaram a aparecer, do passado.

Vivo um tempo marcado por desaparecimentos. Todo dia temos que lidar com alguém ou algo que desaparece para sempre. A tecnologia avança e deixa uma coleção imensa de objetos obsoletos. A ficha colorida do ônibus, os joguinhos de rua, o cheiro dos cadernos da escola, as borrachas com cheiro de frutas. E a vida acelera e vai jogando nesse balaio celulares pesados, blackberries, teclados cinza, pagers, mimeógrafos, máquinas de escrever, luminárias. Há sempre um museu de nos mesmos na casa de nossos pais e avós. Temos um antiquário da nossa vida com centenas de objetos e imagens de pessoas que nunca mais veremos – ou pelo menos nunca mais serão os mesmos ou terão utilidade.

Envelhecer feliz é colecionar essas lembranças sem deixar que elas tomem um espaço maior do que deveriam. Nosso cérebro parece não reter todas as informações – só aquelas que prestamos atenção. Todos esses detalhes, coisas e imagens de pessoas que passaram em nossas vidas não ficam flutuando ao nosso redor – eles ficam guardados e são lembrados quanto escutamos uma música, sentimos um perfume, reencontramos um lugar do passado.

O tempo vai passar e até as vozes de algumas pessoas que estavam em nossas vidas vão desaparecer. Todo dia quando acordamos e como resetar um computador, todos os arquivos estão lá e são necessários, formam a nossa história. Aquele “ bip”, som de inicialização, todas as manhãs, nos dão uma nova chance de fazer melhor, de mudar as cores, redesenhar o futuro, atualizar nossas programações e corrigir os bugs.

Já e de manhã? Abrimos os olhos? Ainda estamos aqui? Todas as configurações foram atualizadas com sucesso.