Com a crise econômica derivada da pandemia de Covid-19, reaparece uma frase atribuída a Angela Merkel que ela teria pronunciado em seu encontro com o presidente argentino Alberto Fernández, em fevereiro do ano passado: “Um dos problemas da América Latina é que os ricos não querem pagar nada”. Se a chanceler alemã disse isso ou não, não é mais relevante. Hoje, após um ano de pandemia, muito pouco se pode esperar dos ricos latino-americanos.

A realidade, segundo relatório da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) apresentado em 2016, é que os 10% mais ricos detêm 71% da riqueza e pagam impostos de apenas 5,4% de sua renda. No caso chileno, esse mesmo grupo paga pouco mais de 11%, enquanto os mais pobres gastam a maior parte de sua renda com consumos, sujeitos ao imposto sobre o valor agregado (IVA), que atualmente é de 19%. Com essa estrutura tributária retrógrada, as lacunas estão se aprofundando em vez de se estreitarem.

Há alguns meses, ouvimos algumas declarações isoladas dos super-ricos para que se imponha um imposto sobre eles, mas os governos têm relutado em perseverar nessa linha, apesar do fato de que existam vários projetos de lei em diferentes parlamentos com propostas para aumentar as receitas fiscais pela tributação ou royalties sobre as matérias-primas.

A pandemia tem sido devastadora, mas já normalizamos as estatísticas. Deixamos de ver que, atrás de cada número, está uma pessoa, uma família, uma comunidade que sofre. Centenas de milhares de mortos, milhões de infectados, milhares de empresas fechadas e milhões de empregos perdidos, milhões de trabalhadores da saúde e educação sobrecarregados e estressados dando o seu melhor.

A solidariedade nas bases foi despertada em toda a América Latina. No Chile, com sua história de organização territorial, a solidariedade é vivida cotidianamente nas “panelas comuns”, que têm oferecido alimento para quem tudo perdeu. Como ocorre com os impostos, são os grupos mais pobres que suportam o maior fardo, pois assumiram o compromisso solidário de contribuir com quem mais precisa, enquanto as grandes fortunas se orgulham de ter contribuído com alguns milhões de dólares que, proporcionalmente ao seu patrimônio, é um valor desprezível.

Nos próximos dias, nosso país elegerá os constituintes que escreverão a Constituição, que deve ser ratificada ou rejeitada em plebiscito. Sem dúvida, a questão tributária estará no centro do debate. A Constituição vigente indica no seu Capítulo II, Artigo 20: “A distribuição igualitária dos tributos na proporção da renda ou na progressão ou forma que a lei estabelecer, e a distribuição igualitária dos demais encargos públicos”.

As atuais leis tributárias chilenas violam a Constituição porque a carga tributária é inversamente proporcional à renda, então, o que podemos esperar dos 10% mais ricos de nossa sociedade? Pouco podemos esperar deles. No máximo, algumas migalhas deixadas em sua mesa esplendidamente bem abastecida e servida para sua diversão.


Traduzido do espanhol para o português por Mércia Santos / Revisado por Graça Pinheiro