CONTO

 

 

Por Valéria Soares

 

 

“Margarida… Mônica, Alfredo… A. Coincidência…” pensou. O manobrista levou o carro. O restaurante ficava numa antiga casa de dois andares. A decoração relaxante tinha elementos modernos e tradicionais chineses. Entrou. Havia poucas pessoas àquela hora. Alguns casais e uma mesa com duas mulheres conversando animadamente. Sentiu medo: “se ele não viesse?” Mal terminou o pensamento, o maître aproximou-se, chamando-a pelo nome.  Sorriu – um pouco assustada – frequentara aquele restaurante por muito tempo, mas era impossível que o maître se lembrasse dela. Ela mesma não sabia se já o tinha visto antes. Educadamente, ele a conduziu ao segundo andar. Havia apenas um casal sentado no fundo do salão. Onde estaria ele? Novamente o maître. Desta vez indicou-lhe uma mesa próxima a uma parede de vidro. Dela via as luzes da cidade, o movimento dos carros e uma encosta repleta de bromélias. O cenário era lindo! Não havia lua. O céu estava salpicado de estrelas. Ela adorava o céu de outono. Tão límpido!

Lembrou-se de outras vezes em que estivera naquele mesmo lugar. Um nó apertou sua garganta. Talvez não devesse ter aceitado jantar ali depois de tanto tempo. Olhou em volta e reparou que somente sua mesa tinha flores: margaridas! Sorriu. “Ele é espirituoso!” Um garçom se aproxima e pergunta se ela quer algo. Responde que não. Olha para o relógio e sente-se ridícula, por quanto tempo ficaria esperando? Pensou em ir embora, contudo antes que tomasse qualquer atitude, notou alguém de pé ao seu lado.

Emudeceu. Tudo o que pensara durante o dia, todas as promessas que fizera para si mesma, caíram por terra. Tentou se controlar, dizer alguma coisa. Não conseguiu encontrar ar suficiente para qualquer ação.

Era uma tonta, idiota e ainda por cima não conseguia falar!

Como não percebera? Como não reconhecera? Uma voz carinhosamente interrompe sua tempestade interna. “Calma! Eu explico tudo.” Como se soubesse o que ela sentia naquele momento. Rapidamente tentou fazer um ar de desinteresse, de naturalidade. “É ele!” Seus olhos não mentiam. “É ele!”

Fazia cinco anos! Lembra-se das brigas dos últimos momentos juntos. Da dor que sentiu, quando ele foi embora.

Do sofrimento dos primeiros meses, dos primeiros anos… Tinha conseguido sobreviver. Tinha crescido no trabalho. Era bem-sucedida, mas nunca se curara daquele adeus. Agora que resolve recomeçar, ele ressurge. “Isto não é certo!” Novamente foi interrompida. “Calma!” Por que ele pedia tanta calma? Como ele sabia o que estava acontecendo dentro dela? Levantou-se. Iria embora. Tudo aquilo era demais. “Alfredo!”, “Margarida!” E a boboca acreditando em tudo. 

O toque! Ele pega em sua mão e pede que ela fique. Nunca resistira ao seu toque. “Que ódio!” Sentou-se. O mesmo perfume… Estava decepcionada. Tinha imaginado uma noite agradável. E se descobrira fazendo papel de boba. Olhava insistentemente para fora. A paisagem havia mudado. Tudo havia mudado. O toque… Ele pega suavemente em seu queixo e volta o rosto dela para si. Tão próximo assim, seu perfume a desconcerta. “Eu não sabia o que fazer. Eu não sabia como fazer.” Parecia que ele ia chorar. O coração dela se apertou.

“Liguei pra você… quando ouvi a sua voz, não soube o que dizer e inventei aquela história maluca. Me senti ridículo inventando o nome Margarida! Liguei de novo. Queria ouvir novamente a sua voz. Não me contive. Saber que você estava tão perto… Depois achei que seria uma maneira de me aproximar. Dei o nome de Alfredo. Pensei que você pudesse ter alguém. Você sequer reconheceu a minha voz… Fiquei confuso. Telefonei pela manhã pra ter certeza de que nenhum homem atenderia. Adorei ouvir você mal-humorada!” Ela o interrompe. “Por que ninguém me disse que tinha voltado? Estavam todos me fazendo de boba?” “Não! Ainda não estive com ninguém! A primeira vez que liguei, estava no aeroporto. Agora estou num hotel. Você é a primeira pessoa a saber que estou aqui. Não queria falar com ninguém antes.” Ela sabia que ele era sincero. Nunca mentia. Isto sempre foi o que mais admirou nele. “Por que você voltou? Acabou o mestrado? Não quis continuar os estudos? Sua namorada foi embora?” A gargalhada… Como tinha sentido, por não ouvir mais aquele jeito escancarado de rir. “Terminei o mestrado e tenho indicação para o doutorado. Consegui outra bolsa. E não tive namoradas. Nada que durasse mais de uma noite.” Silêncio.

O garçom trouxe o cardápio, aproveitando que havia calma. Ela não queria nada. Perdera a fome. Ele insiste: “Coma ao menos um rolinho primavera. Você sempre gostou tanto…” Lembrou-se do dia em que subitamente resolvera almoçar num restaurante chinês próximo ao trabalho. “Será que já era um sinal?” Assustou-se ao se dar conta de que as últimas mudanças em sua vida tinham acontecido depois do telefonema.  “Você está linda! Sempre ficou linda de azul! Esse tal de Alfredo está perdido, coitado!” Riram. Ele tocou seus cabelos… Ela se conteve. Sob a mesa cruzara as pernas. Sempre fazia isso quando não conseguia dominar a situação.

Olharam-se fixamente. Tocaram-se profundamente! Ainda há muito para ser dito, mas seus corações já descobriram o mais importante. 

Tomaram vinho. Celebraram! 

Ela ainda não sabe, mas se pedir, ele não volta para fazer o doutorado. Ele não faz ideia de que se quiser, desta vez ela deixa tudo e vai com ele.

Vinho além da conta…

No rádio do táxi, Djavan! 

A noite voltou a ser linda!