CONTO

 

 

Por C. Alfredo Soares

 

 

No alto daquela montanha, onde fica o mirante, tem uma torre solitária branca enorme. Ela, até hoje, me lembra um farol dos navegantes posto em lugar errado.

Meu pai trabalhou lá – dizem que a torre pertencia à antiga Embratel e repetia o sinal que saía de Tanguá levando pra Minas e vice-versa – um vigia solitário de prontidão em meio às nuvens geladas, que volta e meia abraçam a montanha como se tudo aquilo ali fosse seu.

Eu devia ter uns 16 e a missão de levar seu almoço, colocado cuidadosamente numa marmita de alumínio por minha mãe, Dona Ledilce, era minha missão.

Não me lembro bem onde residíamos, Valéria, minha irmã, afirma que na Barra do imbuí. Ela deve ter razão. Fato é que a subida íngreme exigia vitalidade para alcançar o topo que fica próximo do céu, no alto do bairro Fazendinha.

Meu pai, seu Tião Zé, tinha deixado de ser marceneiro por conta de problemas no coração. Ele se desentendera com seu antigo patrão, que lhe recusou ajuda quando ele esteve internado e trocou seu antigo ofício pela guarda patrimonial. Papai não podia mais fazer esforço, mas subi aquela ladeira a pé é puxado para qualquer um.

Ele normalmente tirava plantão de 12/36 horas. A nossa preocupação era grande com aquele isolamento que a função impunha, visto que não havia vizinhos por perto. Papai tinha um apito é um revólver 38 como aliados, mas nunca deu um tiro. A questão de continuar na lida tinha a ver com sustento da família, ele não se imaginava parado em casa com minha mãe, sozinha, trabalhando. Ele nunca faltará em nos prover, mas já estava na hora de retribuirmos sua dedicação. Eu subia a ladeira sem reclamar e aproveitava pra curtir a vista da cidade pelo caminho, mesmo sabendo que lá de cima tudo cabia num giro rápido de 360 graus. Certa vez, estando lá, perdi a noção do tempo. Fiquei rodeando a imensa torre vendo a cidade miúda lá embaixo. Por vez encostava na torre imensa e me punha a olhar pra cima, imaginado como ela pode ser construída, se seria possível ir lá no topo por dentro da estrutura, como seria ver a cidade lá de seu cume, encostava o ouvido em sua parede tentando ouvir possíveis transmissões captadas pela repetidora.. meu pai percebendo que eu estava ali por muito tempo me alertou para a mudança do tempo. Já passava das 15 horas e o vento sul trazia nuvens baixas em direção a torre – se é que se pode chamar baixo estando a mais de 1000 metros de altura – em pouco tempo o mirante estaria todo coberto. Falei pra ele que iria descer logo. Ele me alertou mais umas duas vezes. Eu repeti que já iria descer. Quando a nuvem se aproximou seu Tião  exigiu que eu descesse logo. A temperatura havia caído uns 10 graus de uma hora pra outra – no fundo, ficar mais um pouco era  atender a uma orientação da minha mãe que pedia pra eu fazer companhia ao meu velho – mas tive que descer. O tempo mudará e a ordem tinha sido clara. Me despedi pedindo a sua benção e fui.

Me pus a caminhar ladeira abaixo para então pegar o ônibus pra casa, até que fui alcançado pelas tais nuvens. De uma hora pra outra tudo ficou branco a minha volta, fiquei tonto, com dança das nuvens rondando a minha cabeça,  quase caí com a cara na rua de paralelepípedo. Sem falar no enjoo que me acometeu.  Papai tinha se recolhido ao seu aposento, sido em meio a neblina, sabedor dos efeitos das nuvens velozes empurradas pelo vento sul. Em pouco tempo a cidade toda estaria encoberta.  Eu consegui seguir descendo pra nunca mais me perder dentro das nuvens densas e geladas.

Hoje quando volto no mirante, olho praquela torre branca, com suas parabólicas e repetidoras de telecomunicação e me lembro da coragem do meu pai vigiando aquele espaço como um soldado diante de um imenso quartel vazio.

Pena que não é mais possível entrar pra curtir a vista da cidade de cima do sua imensa base. Infelizmente seu acesso é negado a visitantes, sejam eles moradores da cidade ou turistas. Nada explica isso. Resta o velho mirante abandonado com sua escada em caracol a sua frente. Ainda bem que meu pai, seu Tião Zé, me possibilitou essa experiência que ficou na minha memória teresopolitana. Tenho pra mim que ele ainda caminha por lá na sua ronda noturna munido do seu apito, que de noite afastava os casais de namorados,  que pra lá iam contar estrelas de dentro dos carros embasados. Ele ria muito quando os carros saiam derrapando no rodo do estacionamento buscando a pista de descida, ao ouvir seu apito de advertência do guarda noturno. Acabava sendo uma distração nas noites geladas daquele velho vigia da torre branca do alto do morro do Mirante.