Por Mariana Reis*

há poucos dias, eu assistia uma aula sobre envelhecimento. levei um susto ao descobrir que eu, aos trinta anos, tinha atingido a marca do desgaste físico e cognitivo que os estudos apontam para o início do processo de envelhecimento. outras coisas também contam. estilo de vida, determinantes socioeconômicos e ambientais. ou seja, privilégios, oportunidades, classe social, cor, gênero, etc. tudo conta para a mensagem que enviamos a nossas células cansadas.

a questão, para mim, não foi a preocupação de ganhar rugas. foi o cenário desastroso em que vivemos.

não foram poucas as vezes em que ouvi, nessa pandemia, pessoas dizendo que envelheceram dez anos a mais nesses meses de dor e incerteza. os cabelos branquearam. muitas dessas pessoas os assumiram assim. por identidade ou por medo de sair de casa para pintá-los. por falta de recursos e ou falta de tempo. os cabelos brancos deixam de ser um problema quando começa a faltar o alimento na mesa.

na aula, o conceito de velhice, como construção social, cuja última fase da vida se inicia aos 60 anos, também me arregalou os olhos. meus pais estão quase lá. triste mesmo foi perceber que muitos/as idosos/as não estão conseguindo viver sua última fase. estão morrendo antes. não, a hora deles ainda não havia chegado. o que tem ocorrido é um descaso público e coletivo catastrófico.

o Sistema Único de Saúde, nosso amado SUS, é um direito histórico e universal, conquistado com muita luta. veja bem, não estou romantizando os problemas. sabemos que a desigualdade, o racismo estrutural e a necropolítica, há muito não permitem que muitas pessoas cheguem à velhice (às vezes, nem à fase adulta), com condições mínimas de sobrevivência. mas na pandemia à brasileira, essa chance diminuiu ainda mais.

acredito que todas/os que estiverem lendo saberão de alguém que partiu na pandemia, antes da última fase da vida. morreram por falta de vaga na UTI. por falta de oxigênio. por falta de estratégia e organização federal da política de saúde. por falta de vacina.

enquanto ainda estivermos contaminados pela ausência de cidadania, construções e ações coletivas, e pela destruição das políticas públicas e sociais, envelhecer no brasil continuará a ser, cada vez mais, um privilégio.

daqui, sigo o conselho de Conceição Evaristo, pedindo licença, enquanto mulher branca, para compartilhar o poema “É tempo de nos aquilombar”:

 

É tempo de caminhar em fingido silêncio,
e buscar o momento certo do grito,
aparentar fechar um olho evitando o cisco
e abrir escancaradamente o outro.

É tempo de fazer os ouvidos moucos
para os vazios lero-leros,
e cuidar dos passos assuntando as vias
ir se vigiando atento, que o buraco é fundo.

É tempo de ninguém se soltar de ninguém,
mas olhar fundo na palma aberta
a alma de quem lhe oferece o gesto.
O laçar de mãos não pode ser algema
e sim acertada tática, necessário esquema.

É tempo de formar novos quilombos,
em qualquer lugar que estejamos,
(…)
“a liberdade é uma luta constante”.

 

a liberdade para envelhecer com dignidade no brasil, é uma luta constante.

 

*Mariana Reis é Assistente Social, Mestra em Serviço Social e Políticas Sociais. Poeta, educadora, escritora e incentivadora da leitura, como ato de amor revolucionário. Poesia em Travessia é seu primeiro livro, inspirado em Guimarães Rosa e Manoel de Barros. Fala sobre livros e literatura no Instagram @sobretudolivros. Lives com autoras nacionais é seu mais novo projeto literário, com objetivo de divulgar escritoras mulheres. No sertão mineiro foi batizada Caliandra na ciranda de luas-mulheres, que de todas as partes do Brasil, nutrem a terra com seu sangue e sua luta.