Os primeiros anos de vida representam um período crucial para o desenvolvimento do cérebro.

Sentir o corpo e experimentar o mundo exterior são alguns dos fenômenos da primeira infância, período cuja importância costuma ser subestimada pelos adultos. Nos primeiros cinco anos de vida ou mais, se levarmos em conta o período intrauterino o ser humano desenvolve uma gigantesca quantidade de conexões com o mundo ao redor. Para nós, é imprescindível obter os nutrientes adequados para alimentar um corpo em crescimento e um cérebro com capacidade suficiente para processar uma grande quantidade de informação. Mas a alimentação não é o único fator para o desenvolvimento saudável durante os anos iniciais. Há também os relacionamentos com seu entorno: os carinhos, as brincadeiras, a energia positiva e a organização ao ensinar novos costumes e encontros.

Em alguns países, mais da metade das meninas e dos meninos não dispõe de nenhum desses elementos. Nascem de uma mãe pobremente alimentada, muitas vezes de uma adolescente cujas oportunidades de vida se perderam em meio a uma gravidez desamparada, uma menina-mulher cujo desconhecimento sobre a quantidade de informações necessárias para enfrentar a tarefa de criar um ser é decisivo nesse processo. Soma-se a isso um ambiente hostil, no qual predomina a violência doméstica em suas várias facetas e níveis: agressão física e sexual, violência econômica e psicológica, perda do controle da própria vida e um estado patológico de dependência.

Nessa enorme parcela populacional oriunda de países mal governados, encontra-se a infância abandonada, “o futuro da nação” de cada campanha eleitoral, que é, em realidade, a semente do pior desastre demográfico para qualquer país que tenha a intenção de superar o subdesenvolvimento. A estratégia das classes economicamente dominantes tem sido impedir o desenvolvimento físico, intelectual e educativo das grandes massas. Geração após geração fortalecem seus conchavos para investir o dinheiro público nas instituições de força e poder: exército, polícia e centros de inteligência, todas elas com a finalidade de resguardar um poder sustentado na exploração de indivíduos debilitados demais para oferecer resistência.

Nesse sentido, dominar a metade do povo as mulheres é crucial. Mantidas à margem das decisões, não lhes resta alternativa a não ser aceitar políticas que vão contra seus interesses e perspectivas de desenvolvimento e, como resultado, observar suas oportunidades e um futuro de independência desaparecerem. A elas é negado não somente o acesso à educação formal, mas também a qualquer informação sobre a vida sexual e reprodutiva, a mando de autoridades que raramente ou nunca são mulheres. Essa marginalização, produto de um sistema misógino e discriminatório, acaba naturalizando a degradação das mulheres ao nível de cidadãs de segunda categoria, com toda a carga emocional e social que isso implica.

É uma tragédia anunciada. Esses muros invisíveis, esses obstáculos mentais de sociedades marcadas por doutrinas religiosas carregadas de desprezo e preconceitos medievais acerca do papel da mulher, resultam na deterioração contínua de um setor potencialmente produtivo e capaz de mover por si mesmo os motores do desenvolvimento. Se as políticas públicas fossem elaboradas de maneira inteligente e com foco no bem-estar do povo, a maior parte dos recursos do Estado deveriam ser diretamente utilizados para garantir o financiamento da educação, da saúde pública e do sustento de toda a população, como a mais importante estratégia para a sobrevivência da democracia.


Traduzido do espanhol para o português por Júlia Bessa / Revisado por Graça Pinheiro