Por Daniel Vila-Nova*

 

À procura de “likes”?

A gestão do Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux encontra o primeiro ponto de inflexão. A pendência da proclamação do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6.524/DF, de relatoria originária do Ministro Gilmar Mendes – sobre a recondução de chefes do legislativo após o fim dos mandatos -,  reflete uma espécie de mal-estar, na Corte Constitucional brasileira.

De início, ressalva-se: apesar de 6 (seis) votos – a maioria absoluta das 11 (onze) cadeiras do Colegiado – terem sido lançados, o Julgamento Virtual segue aberto. Até a proclamação do resultado pelo Presidente, ou o encerramento estipulado para a sessão “virtual”, o desfecho ainda não pode ser considerado, ao menos em tese, real.

Afinal de contas, o voto de Minerva (de desempate) para o anunciado resultado de vedação das reeleições (ou, nos termos do art. 57, da Constituição Federal, das “reconduções”) em ambas as Casas do Congresso expõe que tipo de repercussões institucionais?

Alguma “Supremologia” é necessária

Quando o assunto é o Supremo Tribunal Federal (STF), as aparências enganam. Pensa-se estar diante de um típico órgão judicial quando, a rigor, por definição constitucional, trata-se, também, de nada mais, nada menos, que o órgão de Cúpula do Poder Judiciário nacional. Alguma “Supremologia” é necessária: isto é, torna-se necessário algum exercício de imaginação e de conhecimento em torno desse protagonista da vida jurídica e política brasileira.

O tema em debate é sensível porque diz respeito, exatamente, à dinâmica de sucessão da Cúpula do Poder Legislativo no Brasil. A matéria, por mais que suscite paixões e interesses eleitorais a respeito da iminente (ou não) eleição de Rodrigo Maia (Câmara dos Deputados) e de Davi Alcolumbre (Senado Federal), merece uma reflexão mais alentada sobre o princípio republicano e o elemento “democrático” do Estado de Direito no Brasil.

algo não cogitado pelo Congresso Constituinte de 1988 foi declarado pelo STF como possível

 

Promulgação da Constituição Federal de 1988. Crédito da imagem: Agência Brasil.

A república, segundo a Carta Cidadã de 1988, corresponde a uma “cláusula pétrea”. A primeira vez que o STF foi defrontado com uma reflexão a respeito da sucessão da cúpula de outro Poder – no caso o Executivo –, a Corte acabou por chancelar a possibilidade de reeleição do Presidente da República estipulada pela Emenda Constitucional de 16/1997. A noção de reeleição presidencial (algo não cogitado pelo Congresso Constituinte de 1988) foi declarada pelo mesmo Supremo como algo possível – permitido em nossa ordem constitucional e institucional.

No caso da ADI 6.524/DF, a redação do §4º do art. 57 do texto constitucional[1] é literal no sentido da vedação de recondução. O Supremo, ao se deparar, pela segunda vez com o tema, acabou por flexibilizar a redação constitucional para assentar o seguinte: em legislaturas federais diferentes (isso é, de 4 em 4 anos), a recondução seria admissível.

A “emenda interpretativa” do Tribunal – a qual permitiu, por exemplo, a primeira recondução de Maia na Chefia da Câmara, acabou por ocasionar um problema de entendimento do soneto. E, justamente esse, foi o nó cujo desate segue a aguardar a proclamação do resultado.

De fato e de direito, há uma assimetria quanto às regras de recondução/reeleição nos órgãos de cúpula da República Federativa do Brasil. No Executivo, admite-se uma reeleição (a qual enseja, em tese, mandato de 8 anos). No Legislativo, a “recondução”, nos termos do art. 57, § 4º da Constituição, pode ocorrer na transição de legislaturas (o que pode gerar um mandato contínuo por 4 anos). No Judiciário – note-se – o texto constitucional é completamente silente. A rigor, a matéria é regulada, atualmente, pelo Regimento Interno do STF e indica a impossibilidade de recondução de Ministro ou de Ministra na Presidência.

bastaria uma Emenda Constitucional aprovada para viabilizar a tal “recondução”.

A República, no Brasil, contudo, já conviveu com regras diferentes. No mesmo Supremo, logo na Primeira República (1889-1930), houve gestões que se estenderam por décadas. Na Presidência, o figurino constitucional sequer admitiria a reeleição – e, desde sua chancela pelo STF, 3 (três), em 3 (três) reeleições possíveis aconteceram.

A resposta da Corte Constitucional é definitiva? Ainda que assim seja proclamada, a resposta é não. Explica-se, a fundamentação prevalecente (até aqui) foi no sentido de que a “literalidade” da Constituição é que serviria de lastro para a interpretação (veja- se, nesse sentido, os votos prevalecentes de Roberto Barroso e de Luiz Fux). Assim, bastaria uma Emenda Constitucional aprovada (em dois turnos, em ambas as Casas Parlamentares, com quórum mínimo de 3/5 – ou 60% – dos votos) para viabilizar a tal “recondução”.

a decisão da vedação geraria mais ou menos “likes” nas redes sociais e na sociedade já combalida por mais de 176 mil mortos por Covid-19?

Nos bastidores da Corte e na Opinião Publicada no Brasil (jornais, sites e portais de notícias), o desconforto político e institucional da presidência e da Corte são reportados… As fontes indicam a ocorrência de consultas informais e enquetes de alguns dos Ministros para aferir eventuais impactos negativos caso a decisão tivesse outro resultado possível. Numa espécie de caricatura, a decisão da vedação geraria mais ou menos “likes” nas redes sociais e na sociedade já combalida por mais de 176 mil mortos por Covid-19? Caberia, ainda, aprofundar nossa reflexão cívica, existiria uma dinâmica de poder “interna” diversa da “externa” ao próprio Supremo?

“A Justiça”, em frente ao STF, Praça dos Três Poderes, Brasilia, DF, Brasil. Crédito da imagem: Mario Roberto Durán Ortiz.

No dia em que se celebra a Data da Padroeira da Justiça, vale a questão: afinal, a escultura de Alfredo Ceschiatti (aquela que tem uma espada repousada sobre o seu colo na “Praça dos Três Poderes” em Brasília) está, realmente vendada; ou, estranhamente, está a enxergar, ou a ignorar, os candidatos que podem, ou não, concorrer à recondução na Presidência das Casas Parlamentares?

Teria o Supremo se tornado uma instância movida a populismo judicial?

Plenário do Supremo Tribunal Federal. Crédito da imagem: STF.

Nossa Senhora da Conceição – a Santa do Dia – foi concebida em um tempo em que a justiça de Atena era alcançada mediante a consulta a oráculos. Este 2020 pandêmico, ao menos aparentemente, trouxe algo de “novo”: as enquetes a assessores e a asseclas; ou ainda, a busca de “seguidores”, como se o STF tivesse, antes de qualquer coisa, ser “influencer” digital…

Teria o Supremo se tornado uma instância movida a populismo judicial? Seria esse o destino da “República do Novo Normal”? Com eleições projetadas para o início de fevereiro de 2021 (se a pandemia deixar), a impressão é a de que ainda há muita água por passar por debaixo da ponte…

Enquanto o verão não chega, que as melhores águas nos abençoem!


[1] A Constituição (na redação conferida pela EC 50/2006) estabelece que: “§ 4º Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente.”

* Daniel Vila-Nova é jurista, com atuação em Direito Público, Mestre em Direito pela UnB e Doutorando em Ciência Política pela UFF em Tese sob o Título: “Supremologia: o STF nas encruzilhadas do Direito & da Política no Brasil”.

O artigo original pode ser visto aquí