A educação é um ato político. E, portanto, educadoras e educadores não devem desempenhar unicamente o papel de mediadoras e mediadores dos conhecimentos científicos, tecnológicos, voltados a uma ação educativa com vistas ao mundo do trabalho. É preciso encarar a prática educativa como uma ação que visa, fundamentalmente, a formação dos sujeitos para existência humanista, baseada na valorização de todas as formas de vida, e que tenha como meta a construção de um mundo melhor para todas e todos.

Aproveitando que hoje, 15 de outubro, é dia dedicado a homenagear o/a Professor/a, quero tratar da importância dessa profissão, principalmente em tempos tão sombrios como o que estamos vivendo hoje, no Brasil, onde a ciência, a educação e a vida estão conhecendo as perversidades de um governo que tem a ignorância como bandeira, e cujo sentido de humanidade passa longe de seus discursos e, principalmente, de suas ações.

Analfabetismo como política

A educação como um bem público e um direito humano fundamental, com vistas à dignidade, à justiça social, à inclusão e diversidade deixou de ser uma visão de “idealistas” e passou a estar expressada no Marco de Ação de Dakar (formulada no ano 2000) e na Agenda 2030 (formulada em 2015), assumidos pelos países, entre eles o Brasil. Esses dois documentos se referem a um compromisso coletivo dos governos, que têm a obrigação de assegurar uma educação de qualidade universal, através de políticas de Educação para Todos (EPT), dentro de um marco setorial integrado e sustentável, articulado com a eliminação da pobreza e com estratégias de desenvolvimento. No entanto, já estamos em 2020 e, no Brasil, o que vemos são números alarmantes referentes ao setor.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD, 2019), o país amarga uma taxa de 6,5% de analfabetismo entre pessoas com 15 ou mais anos de idade. No que se refere ao analfabetismo funcional – ou seja, aquela alfabetização precária, que não dá conta de uma plena capacidade de os sujeitos lerem, interpretarem o que lêem, por exemplo –, conforme o Indicador de Analfabetismo Funcional (INAF), essa taxa sobe para 27%.

Quando passamos a observar esses números de modo mais minucioso, vemos o quanto o Brasil tem sido perverso e deixado de fora do processo educativo as pessoas mais vulneráveis. Os números apresentados pela PNAD mostram, além das desigualdades regionais, as disparidades étnico-raciais. Enquanto no Sul e no Sudeste a taxa de analfabetismo é de 3,3%, o Norte, o Centro-oeste e o Nordeste amargam, respectivamente, 7,6%, 4,9% 13,9%. Quando o recorte é racial, o percentual de analfabetismo entre pessoas brancas é de 3,6%, e quase triplica entre pessoas pretas, chegando a 8,9%.

De acordo com o Instituto de Estudos Socioecnômicos (INESC), o Censo Escolar de 2019 revelou que as matrículas para a Educação de Jovens e Adultos (EJA) diminuíram em 7,7% com relação a 2018, mas não se sabe os motivos, porque o Ministério da Educação não tem pesquisas sobre os motivos dessa diminuição. O que se sabe, no entanto, é que os recursos para esta etapa de ensino sob a responsabilidade do governo federal têm sofrido cortes substanciais, como aconteceu entre os anos 2013 e 2019, que saíram de R$ 1,17 bilhão para R$ 2,4 milhões, uma caída de 80%.

Esses – e outros números que não coloco nesta reflexão para não torná-la enfadonha – revelam as precárias políticas educacionais aplicadas ao longo da história brasileira, pouco ou nada direcionadas à boa formação da maioria do povo. Afinal, a aposta pela ignorância, atualmente superdimensionada, não se iniciou na atual conjuntura. Conforme o sociólogo Jessé Souza, na obra A elite do atraso: da escravidão à Lava jato (2017), no Brasil, o conhecimento útil e reconhecido – ou “capital cultural” – foi o único capital que o capitalismo conseguiu democratizar. Mas só entre as elites e a classe média.

Desinteresse da atual gestão do MEC

De acordo com o mesmo sociólogo, ao lado do capital econômico, o capital cultural é essencial para as chances de sucesso de qualquer um no mundo moderno, visto ser tão indispensável para a reprodução do capitalismo. Ainda conforme Jessé Souza, a justificação do capitalismo é feita pelas elites que detêm certos tipos de capital cultural e, aliado a isso, não há função de mercado ou de Estado que não exija algum tipo de capital cultural, que “predecidem em grande medida o acesso a todos os bens e recursos escassos do mundo”.

Por isso, além do desprezo pela educação da maioria da sociedade brasileira, os governos de até então também negligenciaram o processo formativo do professorado, que recebeu o mesmo tratamento, ao longo da nossa história. As primeiras políticas educacionais dedicaram-se à escolarização de poucos, com poucas escolas, nas quais a condução da escassa “escolarização” se dava através dos “professores leigos”, pessoa com algum tipo de estudo, ou mesmo com pouca escolaridade. O estudo secundário começou a aparecer somente na década de 1940, também de forma escassa. E somente no século XX, na década de 30, se começou a pensar na formação docente pelas licenciaturas.

A construção de um sistema educacional de qualidade e universal deve estar baseada, entre outras questões, em políticas que promovam atratividade à carreira docente, a exemplo de formação continuada consistente, plano de carreira com possibilidade de desenvolvimento profissional, remuneração decente e condições de trabalho adequadas. Mas, no Brasil, infelizmente isso está longe de alcançarmos.

Conforme o INESC, no tocante à formação docente, além da implementação da política continuada de formação de educadoras/educadores, ou a formação de 50% de docentes da educação básica em pós-graduação provavelmente serão inalcançáveis, “por desinteresse da atual gestão do MEC e por falta de recursos, pelo desinvestimento contínuo”.

Como se vê, a única questão a comemorar é a resistência, a dedicação, o esforço, o compromisso com uma sociedade melhor que fazem com que milhões de educadoras e educadores deste país, mesmo com todos esses percalços, continuemos nossa jornada a cada dia. E é essa persistência, essa dedicação, esse esforço e o compromisso que nos darão forças para continuarmos a nossa luta cotidiana, pois estamos convencidas e convencidos de que o nosso papel é imprescindível nesse trabalho por um mundo melhor.