Se há verdades escondidas e manipuladas, há quem faça e são os poderosos do mundo com suas teclas que espalham por todas as telas. Persiste-se assim, mais uma vez, com a afirmação antes já feita: os números são construções sociais. E como tais, respondem à hegemonia ideológica que faz, cada vez mais, dar muito sentido à existência de um conceito como o de necropolítica. A política da morte não é para todas as pessoas e são justamente essas pessoas mais impactadas que precisam se unificar para alterar as condições sócio-históricas existentes. É fundamental, talvez mais que sempre foi, iniciar com essas afirmações para que se consiga construir uma noção mais próxima o possível do verdadeiro com o que hoje está ocorrendo no mundo, e arrancar, sem medo, o véu da cabeça da medusa.
Os números disponíveis hoje – 02/08/2020 – sobre o impacto da pandemia sob qual o globo terrestre está vivendo, precisam convidar a chegada e permanência do bom senso na vida. Como a notícia divulgada dia primeiro de agosto de 2020, ontem, sobre a manifestação em Berlim, na Alemanha, pode-se ter um assustador reflexo de que as notícias que espelham a ausência do bom senso não tomam só o Brasil, ainda que o impacto dos números seja diferente.
Hoje se pode chegar a conclusões estatísticas que impactam, para que a tristeza humana fique ainda mais intensa. Mas, ao que indica, tal sentimento não toma toda a população, nem no Brasil e nem no mundo. O planeta, segundo as amostragens numéricas disponíveis, já possui 0,23% de infectados. Esse valor que pode parecer pouco para as mentes humanas, representa uma quantidade de pessoas que, no Brasil, só perde para duas unidades federativas: São Paulo e Minas Gerais. Para que apareça com mais evidência, corresponde a 17.849.853 pessoas no mundo infectadas pelo COVID.
Um olhar atento possível da representação que os números “oficiais” que apresentam a quantidade das pessoas humanas impactadas pelo vírus pode nos movimentar para os seguintes resultados: 59,12% foram pessoas recuperadas e 3,84% morreram. Ou seja, há uma sombra que representa 37,04 pessoas no mundo que não se sabe o que é, o que será e suas consequências.
Nota-se que são números e, como tais, parecem equivocamente que são “dados”, “objetividade fria”, “quantidade de cálculos neutros”, mas isso são inverdades que produzem mentiras que tomam a ideologia que predomina. Precisa-se sim de uma demonstração mais qualificada de quem são essas pessoas que mais sofrem o impacto, pois, ainda que o vírus possa chegar em qualquer ser humano existente, a política organiza a chegada com o peso das desigualdades.
Afinal quem são as pessoas mais atingidas pelo COVID? São pessoas que vivem da venda da força de trabalho ou as que exploram a venda da força de trabalho? São pessoas predominantemente negras, pretas, indígenas, que vivem o impacto da falta de direitos na grande periferia existente em escala mundial? Há maioria de homens ou de mulheres? Há maioria de crianças, jovens ou adultas? Há maioria das pessoas que possuem casa e, entre essas, são, em sua maioria, as que continuam saindo para um local que trabalho específico? Enfim, quem são essas pessoas?
Deve-se perguntar também qual a importância dos índices de países desenvolvidos para a identificação numérica do impacto de infecções e mortes nos países em escala mundial. Uma primeira observação causa, no mínimo curiosidade: um dos países considerados mais desenvolvidos do mundo, os EUA, possui, segundo as informações “oficiais” que se tem acesso, 26.31% das pessoas infectadas em escala mundial. Por sua vez, um dos países considerado subdesenvolvido, a Nigéria, possui 0,24% de pessoas infectadas. Será esse um erro dos números ou confusões da política que não aparecem com as razões que nada de evidente possuem?
Uma rápida e pequena escala entre quatro países, que juntos, possuem 10,66% da população mundial, ou seja, cerca de 830 milhões de pessoas – EUA, ALEMANHA, BRASIL E NIGÉRIA – pode servir para provocar mais perguntas e dúvidas sobre os índices que são apresentados para as pessoas. Afinal, esses países apresentados representam três continentes do mundo. Sem penetrar na polêmica, sócio-histórica-cultural, se há um mundo de 5, 6 ou 7 continentes, esses países representam três ou quatro continentes, no entanto o mais importante são os “índices de desenvolvimento” que predominam no mundo e suas razões.
Em uma escala do país mais desenvolvido para o menos desenvolvido, segundo as orientações da ONU e que predominam ideologicamente no mundo, poderia-se, facilmente, admitir a seguinte ordem: EUA, ALEMANHA, BRASIL E NIGÉRIA. Levando-se em conta quem vive com ou sem doença e quem morre, especificamente com os efeitos do COVID, chegamos a resultados que atuam para embaralhar ainda mais as cartas. Há hoje 0,23% de infectados no mundo e o percentual de infecção na Nigéria, hoje de 0,24%, é o mais baixo entre os quatro citados. Nota-se, a Nigéria, segundo os tais números oficiais também, possui 2,67% da população mundial.
Seguindo as confusões que os números podem ampliar, o EUA possui 4,23% e o Brasil possui 2,69% da população mundial. Já em índices de infecções os percentuais se alteram, pois, o EUA possui um índice hoje de 26,31% e o Brasil de 15,18%. A Alemanha, que por sua vez possui 1.07% da população mundial possui um índice de infecção de 1,18% na quantidade das pessoas infectadas em nível mundial. Pois é, a Nigéria, o país mais subdesenvolvido, segundo as informações que predominam, possui um impacto de 0,24% nas infecções mundiais, representa 2,67 da população mundial e vive com impacto de 0,02% de pessoas infectadas em sua população.
Afinal, o que está errado nesse quadro? A ideologia que predomina no mundo e nos centros de informações que predominam como autoridades da verdade possuem pouco de verdadeiro? Os índices que organizam os conhecimentos estão construídos com base em interesses de dominações e inverdades para que a mentira tenha predominância? As incertezas pesam como necessárias fontes de dominação e continuidade de exploração para algumas poucas pessoas que formam os menores grupos sociais e como medo e quantidade de óbitos para a maioria das pessoas na chamada humanidade do globo terrestre? Será mesmo tão difícil responder essas questões que além de diferenças teóricas, simbólicas, históricas evidenciam o mundo, atingem com a morte a maioria das pessoas que mais precisam do que é chamado de direitos?
Essas letras estão organizadas em um país chamado Brasil que os tais índices oficiais dizem estar entre os países de alto índices de desenvolvimento humano, com IDH 0,755. Não, não é na Nigéria, que possui IDH de 0,348 e é um país considerado de baixo índice de desenvolvimento humano. E nesse mesmo país onde as letras se desenham na tela, as pessoas que não tombaram ainda com o impacto do vírus sabem que as já tombadas, em doenças e óbitos da COVID, são as mais empobrecidas que residem na imensa periferia brasileira. E mesmo que seja um texto inspirado pela assustadora imagem de Berlim com pessoas protestando amontoadas nas ruas, sem cuidados e proteção, querendo que acabe imediatamente as limitações impostas pelo Estado local para garantir vida, não é escrito em um país que, diferente da Alemanha, não é considerado de “primeiro mundo”. O que fazer?
É preciso construir a inteligência ativa, coletiva e potente para transformar esse mundo em ambiente de vida. Mas este é um projeto estratégico de larga escala que precisa ser construído hoje para cultivar um outro amanhã. Mas, de pronto, pode-se afirmar que taxar as grandes fortunas, assegurar a renda básica universal e incondicional para todas as pessoas, assegurar que ninguém retorne para os tais locais de trabalho, que seja por meio de uma greve sanitária geral e forçar o Estado garantir seguridade de vida para todas as pessoas que precisam se expor em trabalho para a vida ser vencedora, são medidas que deveriam ser imediatas e indiscutíveis. Mas não são. E nós que devemos mudar tudo, avançar em transformação, superar os baldes das resistências que mantém as péssimas condições temos muito o que fazer e não podemos ver, mais uma vez, a “banda passar”.