Por Giulia Villa Real Seabra

A onda direitista nos cargos executivos segue praticamente irrefreável tomando conta de muitos dos países na América Latina e mundo afora, principalmente através do apoio midiático. Seus eleitos têm protagonizado ações que podemos, sendo muito eufemísticos, chamar de autoritárias e tiranas. Desafiam tudo que já denominamos como democrático e as mais diversas formas de deslegitimar o povo, custe o que custar.

Uma manobra que muitos deles têm utilizado é tentar desarticular movimentos populares que pipocam e florescem nesses ambientes hostis, ameaçando a soberania dos líderes governamentais. Afinal de contas, esses movimentos que aclamam o desrespeito de direitos básicos e acolhem parte da população ignorada pelas medidas sociais, atrapalham a propagando política de salvadores da pátria que muitos desses governos pregam.

Em meados de janeiro desse ano, completou-se um ano em que Milagro Sala, dirigente do movimento Tupac Amaru e deputada eleita do Parlasul (Parlamento do Mercosul) foi encarcerada injustamente. Através do Tupac, Milagro foi a principal figura que criou uma outra realidade para a população pobre jujenha, construindo casas, escolas, auxiliando até mesmo em problemas sociais como seguro desemprego, combate as drogas entre os jovens, oferecendo serviços médicos, lazer com a construção de piscinas e construindo até mesmo fábricas. Milagro construiu um verdadeiro organismo vivo, voltado para a população carente.

A líder indígena foi presa após protesto contra o governador da província de Jujuí, Gerardo Morales, que havia suspendido temporariamente a legitimidade de 16 cooperativas. Milagro encontra-se, até o presente momento, na prisão feminina jujenha conhecida como “Alto Comedero”. A prisão da líder indígena considerada por órgãos internacionais e movimentos sociais como arbitrária, é um sintoma dessas manobras de desmantelamento dos movimentos sociais na Argentina.

Contudo, a prisão arquitetada por Morales, aliado do atual presidente argentino, Maurício Macri, não saiu como o esperado. O que era para ser uma prisão exemplar para afugentar a existência de contestadores de seu governo, tornou-se um símbolo nacional e internacional das perseguições políticas feitas por Macri e seus aliados. Desde então a pressão mundial para a libertação de participantes dos movimentos populares, mas, principalmente de Milagro, só aumenta.

O que já era injusto e com características ditatoriais acabou ganhando traços ainda mais abusivos com as recentes denúncias feitas pela líder em relação ao seu tratamento na prisão. Ainda nesse mês Milagro denunciou para um promotor jujenho que ela e suas companheiras estão sofrendo perseguições e maus tratos, os quais a subdiretora do presídio, Patrícia Balcarce, não só compactuou e as viabilizou como também chegou a praticar diretamente.

Quando procurada por Milagro para falar sobre as torturas e insultos por ela e suas companheiras, Balcare não só a teria agredido como também a ameaçou e passou a persegui-la. Segundo Milagro “A oficial Balcare dizia que conversava todo dia com [o ministro do governo] Ekel Meyer e que tudo que ela fazia era por ordem dele. Que ela tinha que passar relatórios de tudo que eu fazia durante o dia”, e ainda em outra ocasião “Balcare me disse que quem mandava no presídio era ela, que ia fazer de tudo para me destruir, que não ia ser fácil para mim a convivência”.

Há também relatos de torturas sofridas por outras presas, também em Alto Comedero, que vão desde lesões mais graves como fraturas ósseas até machucados menores. O caso foi levado à tribunal, porém o juiz Gastón Mercau, apesar de constatar as lesões, absolveu o diretor do presídio e apenas o alertou que evite “novos incidentes com características similares”.

Milagro relatou ainda que as torturas eram constantes e ainda citou mais uma situação vivida entre ela e Balcare “A segunda vez que ela me bateu, eu disse que iria denunciar ela, que ia falar com a minha família e com os meus advogados, ai ela me repetiu novamente que calasse a fuça, que não fizesse algo que faça com que eu não amanheça mais na cela, ai foi quando me assustei mais” e ainda completou falando que não denunciou antes aos tribunais porque não confiava em Mercau pois estava ligado ao governo e porque “A Justiça não tem independência”.

Antes do final de junho está prevista a ida do CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos) à Argentina, para visitar Milagro Sala. A comissão vem para mais uma análise do estado em que a líder indígena se encontra, sendo que já tinha se manifestado no final do ano passado sobre o caso quando exigiu que o Estado argentino desse resposta rápida ao parecer do Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Detenção Arbitrária, feito em 2016, que afirmava que Milagro estava presa arbitrariamente e pedia que ela fosse liberada.

É inevitável a lembrança de que em 1979 foi em parecida visita da CIDH à Argentina que foi constatado que a ditadura cívico-militar, em curso na época, cometia violações aos direitos humanos. A visita poderá ser mais um importante reforço internacional que leve a libertação de Milagro Sala presa sem motivo plausível, com motivações puramente políticas.