Por Natália Moraes

Centenas de mulheres saíram às ruas na noite desta quarta-feira (1º) em Campo Grande (MS), para exigir respeito, fim da cultura do estupro e da violência. O protesto segue uma agenda nacional de atos em solidariedade a uma adolescente que foi vítima de um estupro coletivo no Rio de Janeiro (RJ). Homens e estudantes secundaristas também compareceram.

Os manifestantes concentraram-se na Praça do Rádio Clube e seguiram pela Avenida Afonso Pena, com cartazes e palavras de ordem como “machistas não passarão”. Segundo uma das organizadoras do ato, a universitária Yorrana Della Costa, as mulheres vivem um momento oportuno para “gritarem”. Ela cita o projeto de lei 5069, de autoria do presidente afastado da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), que prevê a proibição do aborto mesmo em casos de estupro, obrigando a vítima a ter o filho do agressor.

Para Costa, Mato Grosso do Sul tem “forte” a cultura sertaneja, que pode ser um agravante para o machismo no Estado. Segundo o Mapa da Violência, MS ocupa a 6ª posição em um ranking nacional de feminicídios. Não é à toa que, em 2015, Campo Grande foi a primeira capital a receber a Casa da Mulher Brasileira, local que oferece atendimento humanizado às vítimas de violência.
Cultura do estupro

Uma das principais reivindicações foi o fim da cultura do estupro, que culpa a vítima pela agressão sofrida. Nela, são usadas justificativas como a roupa que a mulher vestia ou o horário que estava na rua, para culpá-la por não ter se “cuidado”. A atitude revela uma sociedade machista que ainda violenta as mulheres de diversas maneiras, já que o único culpado pela violência sexual é o estuprador. “O que mais me incomodou no caso dessa menina é as pessoas encontrarem motivos para não achar pavoroso”, lamenta Costa. Este traço – a naturalização da violência contra a mulher – é mais um exemplo da cultura do estupro.

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Justificativas frequentes utilizadas para culpar a mulher pelo estupro. Via Empodere Duas Mulheres

Além da pauta principal, o evento contou com discursos de negras e trans, que buscam visibilidade e respeito. Para a militante Romilda Pizani, “enquanto mulher e negra, o ato é importante, mas a maioria das que estão aqui não são negras, e são as mais atingidas”. Pizani, que faz parte do grupo TEZ (Trabalho e Estudo Zumbi), questiona as políticas públicas voltadas às mulheres em Mato Grosso do Sul, que segundo ela, não fazem um recorte de etnia. “Se você for à Casa da Mulher Brasileira e pedir o número de negras atingidas [pela violência] você não vai encontrar”.

Para mudar a cultura do estupro, um dos caminhos é a educação. Para Costa, é necessária a discussão de gênero nas escolas, e em todos os lugares. “As pessoas precisam entender que ‘psiu’ não é elogio”. Já Pizani defende a valorização do saber popular para combater o racismo e o machismo, e também a reflexão nos momentos de lazer. “Por exemplo, devemos problematizar novelas”.

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“Não é não”: Mulheres ainda lutam para terem o corpo respeitado. Foto: André Knöner Monteiro

Elas se preocupam com o crescimento do discurso ódio, que seria uma reação às conquistas pelas minorias. Este ódio toma forma em retrocessos, visíveis nas esferas de poder. Em Campo Grande, um deles é o projeto de lei nº 8.242/16, de autoria do vereador Paulo Siufi (PMDB), que prevê o fim da discussão de gênero e sexualidade nas escolas da rede municipal, dentre outros assuntos. Apelidado de “Lei da Mordaça”, o projeto está pautado para ser votado pelos vereadores no dia 7 de junho.

Segundo a professora Nilcieni Maciel, o projeto é “uma forma de tolir a gente, de subestimar o conhecimento do professor”. Para Maciel, falar sobre gênero e sexualidade nas escolas não é impor uma doutrina, é sobre ensinar os estudantes a respeitarem a diversidade. “Quando você coloca que não pode falar de algo, você é negligente com a formação dos alunos, discutir gênero é falar sobre respeito, antes de tudo, respeito ao corpo do outro”.

Na contramão do retrocesso que atinge o Brasil, mulheres vão às ruas, organizam-se, e a rede de solidariedade às vítimas de estupros tem aumentado. Campanhas e mobilizações têm sido feitas nas redes sociais, onde a mensagem é clara – chega de silêncio. Assim, a luta segue em frente. Por todas elas, por todas nós.

Fontes:
http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf
Assessoria da vereadora Luiza Ribeiro