Boaventura Monjane*

Depois de 20 anos das chamadas Conferência das Partes (COP, sigla em inglês) – cuja vigésima e primeira decorre até o fim desta semana na cidade de Paris – será Moçambique um negociador fiável neste processo? Estará Moçambique a discutir e a propor soluções sustentáveis às mudanças climáticas ou estará o país implorando por saídas paliativas e obter, graças à crise climática, beneficiações económicas e financeiras imediatas?

É de consenso que Moçambique é um dos países mais afectados pelos efeitos das mudanças climáticas e do aquecimento global, apesar de contribuir com pouco ou com quase nada para provocar o fenómeno . É só reparar para as sucessivas vagas de calor que tem assolado o país, a subida do nível mar (nas cidades de Maputo e Beira), as catastróficas cheias que, ano a ano, devastam comunidades inteiras, assim como as vagas de seca que afectam camponeses em praticamente todo o país.

A equipa de negociadores de Moçambique em Paris, chefiada pelo novo ministro da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural, sabem da situação vulnerável em que Moçambique se encontra e isso devia permitir-lhe impor uma drástica redução de emissões de gazes com efeito estufa, uma mudança radical do sistema de produção e consumo e uma transição para uma economia pós-combustíveis fosseis, pós-extractivista e dando primazia para a agricultura descentralizada e de pequena escala. Vários activistas e organizações moçambicanas da sociedade civil duvidam, contudo, que Moçambique esteja, por um lado, em condições de fazer um braço de ferro de igual para igual com negociadores bem experientes como a China, os Estados Unidos, o Japão, etc. e, por outro, se tem sequer vontade política para o fazer.

O país foi incapaz de promover um debate e informar os moçambicanos sobre o fracassado protocolo de Kyoto, agora ser substituído em Paris. Depois de duas décadas de negociações, os moçambicanos  desconhecem as posições do seu governo nas COPs.

O que se sabe e se comenta pelos “corredores” de Paris é que, o chamado Novo Acordo Climático, a sair da COP21, não trará nenhuma mudança. Estará repleto de propostas de soluções completamente viradas ao mercado, convidando os mesmos criminosos ambientais (grandes corporações e governos ocidentais) para debater solução à uma crise que causaram.

A “boa” notícia para o nosso ministro do pelouro, o “business man” Celso Correia, é que, as falsas soluções apresentadas no Acordo de Paris, como é o caso do uso de florestas e outro tipo de vegetação para sequestrar carbono, envolvem milhões de dólares. Foi noticiado que o Banco Mundial vai desembolsar 50 milhões de dólares para a reforma florestal em Moçambique, após um acordo que Celso Correia firmou em Paris com John Roome, o chefe do sector das mudanças climáticas do BM. Acredita-se que, as vastas florestas Moçambicanas poderão ser aproveitadas para sequestrar carbono e assim compensar as emissões de gases que provocam as mudanças climáticas.

A Justiça Ambiental (JA), o mais contundente grupo da sociedade civil fazendo advocacia ambiental, já previa este cenário. No seu boletim mensal de Novembro, denunciou a tendência corporativa expressa num encontro que se convocou para discutir a (re)definição do conceito de floresta, realizado em finais de Outubro, em Maputo. De acordo com o boletim da JA, “o governo de Moçambique está na verdade a tentar encontrar uma definição de floresta que acomode a implementação dos créditos de carbono através do mecanismo REDD+ (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação florestal) em Moçambique”, diante de uma lei de terras que não facilita a usurpação.

JA defende que o “processo REDD em Moçambique tem numerosas irregularidade” e que a sociedade civil é convidada às reuniões “apenas para legitimar e validar um processo que foi decidido a portas fechadas”, e que “ o Banco Mundial é o principal interessado.

Não é difícil compreender o papel de Moçambique no negócio de clima. O que sairá de Paris é um pacote de soluções que, usando países como Moçambique, ricos em biodiversidade, continuará a dar primazia às corporações e às instituições financeiras, para continuar com seus modelos de acumulação enquanto enganam o mundo com o financiamento de projectos de “conservação” de florestas.

O problema do REDD é que, contrariamente ao que se apregoa, para além de não reduzir as emissões, é um grande risco para as comunidades que dependem da terra e das florestas para a sua sobrevivência. Teme-se que, ao mesmo tempo que o governo arrecade verbas do Banco Mundial, graças à crise climática, as comunidades dependentes de florestas percam o seu controle e venham inclusivamente a ser expulsos. Isso está já a acontecer no Quénia onde membros da comunidade Sengwer foram violentados e expulsos, para dar lugar à um projecto de REDD, financiado (guess what?), pelo pelo Banco Mundial.

A narrativa de “responsabilidade comum, mas diferenciada”, que é comummente pregada nos documentos e discursos das negociações climáticas não é nada além de uma falácia. A África continuará a pagar mais caro e os países africanos continuarão a ser dependentes, colonizados e impotentes, a não ser que tomem uma posição radical, e não ceder às aliciações económicas como o REDD.

Como disse Nnimmo Bassey, a pior forma de escravidão é oferecer-se de bom grado ao opressor, obter alguns ganhos e fingir que se é livre.

O que quer que sai de Paris será um desastre climático global. As COPs transformaram-se em conferencias de poluidores e suas conclusões continuarão a ver a África com a mesma tendência colonialista.  Pelo que se cheira, o novo Acordo climático de Paris poderá até ser um bom “deal” para os negócios dos países ocidentais,  mas será um desastre a imediato prazo para Moçambique e África e uma catástrofe global a longo prazo.

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 * – Boaventura Monjane é jornalista e activista social. É estudante de doutoramento em Pós-colonialismos e Cidadania Global no Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

Email: boa.monjane@gmail.com