Com o visto oficial no bolso, o jornalista Klester Cavalcanti, de 42 anos, da revista brasileira IstoÉ, pretendia entrar na Síria para realizar uma reportagem sobre as condições de vida dos habitantes de Homs, cidade fustigada pelos confrontos entre os rebeldes e as forças governamentais no passado mês de fevereiro. Chega a Damasco no dia 19 de maio e apanha o ônibus diretamente para Homs.

Perto das três horas da tarde, o jornalista chega ao terminal rodoviário e toma um táxi para o centro da cidade. O veículo é imediatamente parado pelo exército sírio. Apesar de seu visto de jornalista, os soldados decidem conduzir Klester Cavalcanti à delegacia.

Algemado, o jornalista é sujeito a um breve interrogatório. Tal como os soldados, os policiais desejam saber o que ele faz em Homs. “Estou aqui para realizar meu trabalho e minha presença foi autorizada pelo governo sírio”, repete o jornalista, que pede então para fazer um telefonema. Seu pedido é rejeitado.

Pouco depois, um polícia mostra-lhe uma folha em branco e tira um cigarro do bolso. “Se você não assina essa folha, vou queimar seu olho.” Klester Cavalcanti recusa assinar. O polícia acende o cigarro e apaga-o sobre sua cara, ao lado do olho. O jornalista, então, assina o papel.

Na madrugada do dia seguinte, Klester Cavalcanti é transferido para um prisão onde é encerrado numa cela com cerca de vinte outros detidos. Um deles fala um pouco de inglês, o que lhe permite comunicar. Alguns dos detidos combateram contra o exército sírio, outros cometeram delitos comuns. Comparado com a delegacia, “não era assim tão mau”, lembra-se o jornalista, não fosse a situação de total incerteza na qual se encontra. “Não sabia nada de nada.” Ficou seis dias sem qualquer informação sobre o exterior.

No dia 25 de maio, sem mais explicações, é tirado de sua cela e conduzido a Damasco. Libertado, Klester Cavalcanti é obrigado a ficar dois dias na capital, já que seu visto expirou. Depois de regularizar sua situação, é-lhe permitido sair da Síria e entrar no Líbano, num carro da embaixada brasileira. Só depois de passar a fronteira se sente livre. De Beirute, toma o avião para o São Paulo.

Apesar de sua libertação, Klester Cavalcanti permanece numa incompreensão total. “Ainda penso naquilo que me aconteceu”, afirma o jornalista, explicando que “até hoje, ninguém me disse o que fiz de mal.”

“Há meses que o regime de Damasco ameaça os jornalistas que entram ilegalmente no país. No passado dia 31 de maio, não hesitou em publicar a lista. No testemunho deste jornalista brasileiro, é bem visível que, mesmo em posse de um visto, os profissionais da informação não estão protegidos da arbitrariedade das forças da ordem do regime. Essas práticas têm que acabar”, declarou Repórteres sem Fronteiras.

“A segurança de quem transmite informações, sejam eles jornalistas ou cidadãos-jornalistas, sírios ou estrangeiros, deve ser garantida, não só pelo exército sírio, mas também pelo Exército Livre Sírio”, insistiu a organização, preocupada pelo testemunho de Alex Thomson, jornalista do canal britânico Channel 4, publicado a 8 de junho de 2012, intitulado “Set up to be shot”.

Em seu artigo, o jornalista descreve de que forma os rebeldes, opositores do regime de Bashar Al-Assad, lhe teriam montado uma armadilha, à saída de Al-Qusayr, ao terem-no conduzido juntamente com mais colegas a uma zona onde os soldados do exército sírio disparavam contra quem se movesse. O jornalista conclui: “Estou perfeitamente convencido de que os rebeldes queriam que fôssemos mortos pelo exército sírio. Os jornalistas mortos são prejudiciais para Damasco”.

No passado mês de janeiro, Repórteres sem Fronteiras já recebera o testemunho de jornalistas estrangeiros ameaçados pelos rebeldes do Exército Livre Sírio, acusados de terem fornecido ao exército sírio dados sobre suas posições.