MINERAÇÃO
Por Fernanda Perdigão
Quando a justiça pune quem denuncia abusos ambientais e violações de direitos, ela não apenas julga um ato: ela tenta reescrever quem pode exercer a defesa. A condenação de Matheus — advogado que defende comunidades quilombolas no Serro (MG) — é um duro golpe para a advocacia, mas também um alerta: o sistema penal não deve servir para silenciar o povo.
Este choque de forças ressoa com a concepção de O Direito Achado na Rua: ideia de que o Direito não vive apenas nos códigos, tribunais e gabinetes, mas nasce onde a vida real acontece — nas lutas sociais, nas vozes das comunidades, na rua, no território, no grito coletivo por dignidade.
Rua, Direito e Povo — a tríade da resistência
Rua: não como via asfaltada, mas como espaço público de mobilização — onde o direito se manifesta pela força conjunta dos excluídos, vulneráveis e historicamente oprimidos. A rua simboliza encontro, disputa, visibilidade, consciência crítica.
Direito: não como norma indiferente e abstrata, mas como produto social — vivo, dinâmico, plural — que se constrói coletiva e historicamente pelas pessoas que resistem, que exigem, que vivem a injustiça para transformá-la.
Povo: sujeitos coletivos que, mesmo marginalizados, afirmam sua dignidade e sua existência; quilombolas, indígenas, trabalhadores rurais, comunidades tradicionais — atores centrais do Direito Achado na Rua, porque são quem vivencia e transforma a realidade.
É nesse sentido que a atuação de Matheus se insere: não como defesa formal vaga, mas como parte de uma práxis jurídica em articulação com a vida das pessoas, com os territórios ameaçados, com a luta por justiça — a rua real, a história concreta, o direito em construção.
Condenar Matheus por suposta “ofensa à honra” ou “imputação criminosa” pressupõe que o Direito de defender, denunciar e proteger esteja condicionado à complacência com o poder. Mas esse é exatamente o oposto da lógica do Direito Achado na Rua: o direito não pode ser privilégio de quem detém status, capital ou influência.

Foto: divulgação
Punir o advogado que denuncia mineradoras, violações territoriais e racismo ambiental — em nome de uma “imunidade limitada” — é escolher proteger quem explora e vulnerabiliza, em vez de quem resiste.
Essa criminalização não afeta apenas um profissional: atinge comunidades inteiras, retira espaços de denúncia, amedronta quem ousa defender.
Mobilização e resistência: a sociedade reage
A condenação de Matheus gerou ampla comoção. Advogados, movimentos sociais, entidades de direitos humanos, quilombolas e cidadãos sensibilizados se mobilizaram imediatamente, trazendo à tona a urgência de defender a advocacia e a dignidade das comunidades.
Foi lançada uma Carta de Apoio e Nota de Repúdio, aberta à assinatura de entidades, coletivos, advogados/as, professores/as, mandatos parlamentares e pessoas dispostas a somar forças contra a criminalização da defesa.
Assinar é reafirmar: defender direitos não é crime. Criminalizar defensores é atacar o Direito do povo de existir, resistir e conquistar.
Por que este caso importa para além de Minas? – Porque encerra em si um risco estrutural para o Estado Democrático de Direito: se a Justiça passa a punir quem defende o povo, a lei deixa de proteger vulneráveis — e passa a proteger interesses.
Porque expõe o limite entre o direito institucionalizado (feito de códigos, normas e poder) e o Direito real, construído nas ruas, nas lutas, nas comunidades.
Porque reafirma que o Direito só pode existir realmente quando pertence a quem vive a dor, a injustiça e a esperança de transformar tudo.
Porque o Direito não está só nas leis. Está — e sempre estará — na rua. No grito dos oprimidos. Na resistência dos invisibilizados. No passo firme de quem se recusa a ser apagado.







