Nos tempos recentes a nação brasileira se deu conta do quão próximo esteve de um golpe e de uma nova ditadura. O espectro do fascismo não deixou de nos assombrar, temos agora uma noção clara dos seus perigos recentes, sobretudo assim o sentem os mais pobres ou em situação de vulnerabilidade social, já que os resquícios da ditadura de 1964 permanecem em práticas mantenedoras de uma ordem para o povo e do progresso para a burguesia.

Com a recente PLC40/2025, o governo do Estado do Rio de Janeiro está ameaçando despejar diversos movimentos sociais que cumprem funções importantes ocupando imóveis antes sem uso ou abandonados pelo Estado no Centro da cidade do Rio de Janeiro.  Um deles será o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro/ GTNM-RJ.

Símbolo do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ.

O grupo foi fundado em 1985 por iniciativa de antigos militantes, que foram presos políticos e que viveram situações de tortura durante o regime militar, assim como por familiares de mortos e desaparecidos políticos. Pelas lutas em defesa dos direitos humanos o grupo constituiu-se em um importante centro de referência sobre a memória do período da ditadura empresarial militar. Seus arquivos trazem á luz uma história que quase foi silenciada.

O grupo assumiu um compromisso na luta pelos direitos humanos, pelo esclarecimento das circunstâncias de morte e desaparecimento de militantes políticos, pela memória histórica daquele período, pelo afastamento imediato de cargos públicos das pessoas que foram envolvidas com a tortura, pela formação de uma postura ética, convictos de que estas são condições indispensáveis na luta contra o esquecimento e o silenciamento dos crimes de ontem e de hoje. O grupo não tem fins lucrativos e não recebe qualquer financiamento do Estado, vivendo exclusivamente de doações de pessoas que se solidarizam com sua luta histórica. Entretanto, agora seus arquivos e sua sede estão sob ameaça de despejo.

Por este motivo, na noite de 26 de setembro uma reunião foi convocada pelo grupo, na Associação Brasileira de Imprensa.  A priori, a campanha é pela manutenção da sede, que foi cedida pelo governo há 31 anos, durante o governo Brizola e desde então tem sido fundamental para as diversas ações de defesa dos Direitos Humanos e preservação da memória. Entretanto, vários movimentos focados nos temas da moradia e trabalho também estão sendo atacados, colocando diversas famílias em risco, como o Movimento Nacional de Luta pela Moradia /MNLM, o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas/ MLB-RJ, o Movimento Unido dos Camelôs/MUCA-RJ e Quilombos Urbanos.

Reunião do GTNM/RJ e demais movimentos na Associação Brasileira de Imprensa, no Rio de Janeiro em 26 de setembro de 2025. Foto: Contente/ Pressenza em português.

Movimentos que acolhem pessoas em situação de vulnerabilidade, mulheres e a comunidade LGBTQIAPN+, como a Casa Almerinda Gama, que atende mulheres em situação de violência doméstica, o Grupo Arco Íris e a Casa Nem (medalha Chico Mendes em 2018), também estão nessa lista.

Na reunião da ABI, enfatizou-se que moradia é um direito e que o povo carioca já é cotidianamente alvo de violações de direitos humanos. Assim, foi destacada a urgência em mobilizar a sociedade e barrar estas remoções, reforçando a função social que estes grupos cumprem e a importância de dar acesso e acolhimento à população mais pobre ao Centro do Rio.

Representantes dos movimentos mencionados tiveram a sua fala, assim como o fizeram o Sindicato de Professores e a Associação de Pós-graduandos da UERJ, o pessoal do MUDI, o Movimento de Moradores e Usuários em Defesa do IASERJ/SUS, ou da Associação de Moradores, Amigas, Pacientes, Estudantes do Centro, Lapa e Adjacências/MUDIASERJ; estudantes, camelôs, apoiadores, jornalistas da imprensa independente como a Brasil 247 e editores de publicações alternativas como a Revista Revolução Cultural e a Pressenza.

Os parlamentares Glauber Braga e Flavio Serafini, ambos do PSOL, estiveram presentes e manifestaram seu apoio. O deputado Glauber reforçou a união de forças desta pauta com outras que acometem a classe trabalhadora; ele relembrou que os servidores da Petrobrás também estão sendo atingidos em sua dinâmica e seu horário de trabalho pela gentrificação do Centro e Zona Portuária do Rio de Janeiro.

Parlamentar demonstra o seu apoio. Foto: Contente/ Pressenza em português.

A gentrificação é um processo de encarecimento de um bairro, que provoca a paulatina expulsão das classes populares daquele local, seguindo um modelo de cidade voltada para os negócios. A palavra vem do inglês gentry, pessoas de classe alta, proprietários rurais que viviam do aluguel de suas terras e tinham uma mentalidade voltada para os negócios, semelhante à da burguesia. É “a força da grana que ergue e destrói coisas belas”, parafraseando Caetano, tirando o sentido de uma cidade onde se vive, que são as suas populações enraizadas com a sua cultura local.  A gentrificação vem sendo questionada de modo contundente nas ruas centrais da capital mexicana em 2025, em protestos efervescentes de moradores que já não conseguem mais pagar para morar nos lugares onde sempre viveram, pois tudo ficou caro demais. O mesmo acontece na cidade catalã de Barcelona. Das imagens dos protestos no exterior que mais fizeram sucesso nas redes sociais do mundo todo esteve o grafite que diz “O teu Air Bnb já foi a minha casa”.

Grafite em Barcelona. Fonte: – X – @GraffitiRadical

O que se percebe no Centro do Rio de Janeiro vai nesta linha: pretende-se retirar estes movimentos de suas funções sociais para se criar um “corredor” de cervejeiras. Bombas de gás para o povo, dinheiro e álcool na cabeça e nos bolsos da burguesia. Aluguéis de temporada, imóveis que depois de comprados ficam fechados para se “esquentar dinheiro”, atrações turísticas e pouco lugar para se viver de fato.  Uma cidade para o turismo e os negócios, uma “maravilha”.

Coincidência ou não, na mesma semana e no chão das periferias, o Estado recrudesce a violência, com a absurda premiação que está sendo apelidada de “gratificação faroeste”, já que nos filmes estadunidenses sempre aparece um cartaz onde se oferece recompensa por um procurado “vivo ou morto”. A figura estampada, por aqui, todos sabemos, será a do preto, pobre ou favelado, nunca um engravatado. Esta gratificação foi criada em 2015, mas foi suspensa pela própria Alerj três anos depois, devido a denúncias de extermínio. Na semana passada foi reativada.

Como todos sabemos, estas balas que hoje são voadoras, atiradas de helicópteros, vão aterrorizar apenas as comunidades populares, vão fechar comércio ou atingir creches e escolas, aterrorizar jovens e crianças filhos e netos dos trabalhadores mas sequer chegarão perto das famosas ruas onde se operam bolsas de valores ou crimes do “colarinho branco”, afinal é a pobreza que está sendo criminalizada.

Pois bem, celebramos com alegria nas ruas no início da primavera no Brasil, em 21 de setembro de 2025, uma vitória sobre o fascismo. Está demonstrado que a democracia só fica de pé com o povo nas ruas.

Por que não ativar essa mesma força e esta mesma alegria para afugentar o aspecto sutil deste espectro? Agora ele vem disfarçado de “ordem e progresso”: criminaliza os pobres e se fantasia de um desenvolvimento que só vai encher os bolsos dos de cima, do grande capital. E nós, povo, seremos alegres, fortes e unidos para barrar estas velhas formas larvais do autoritarismo e de opressão? Fica a reflexão e o chamado em prol da democracia, lançado direto a seu coração.

Colabore com esta campanha! Fonte: Facebook & Instagram do Grupo Tortura Nunca Mais/ RJ @gtnm.rj

Colabore com a campanha, publique um vídeo de um minuto em apoio à permanência da sede do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro/ GTNM-RJ e marque @gtnm.rj e #gtnm.rj em suas redes sociais.

Assine a lista de apoio à permanência da sede do grupo, neste link: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSfm8Fth6Dn7BX4PXCecRO8nSIrtrtFCkJuqEudNgCHRMCElng/viewform?fbclid=PAZXh0bgNhZW0CMTEAAaeTzyzp5H0feSUchi74QBQLbR_8sIM9Fm4Eibs9koInSfLxumneFRcXc0cmVg_aem_m6KwJfXq-iGiL4vj5qklQg

Referências:

Facebook do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ  : Ver:<< https://web.facebook.com/gtnmrj>>Acesso em 28 de setembro de 2025.

Grupo Tortura Nunca Mais/RJ: Ver: << https://www.torturanuncamais-rj.org.br/quem-somos/ >> Acesso em 28 de setembro de 2025.

“Grupo Tortura Nunca Mais teme perda de imóvel para alienação do Estado”. Douglas Corrêa. Agência Brasil/ Rede EBC. 04 de setembro de 2025. Ver em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2025-09/grupo-tortura-nunca-mais-teme-perda-de-imovel-para-alienacao-do-estado>> Acesso em 28 de setembro de 2025.

Instagram do Grupo Tortura Nunca Mais/RJ: Ver: <<https://www.instagram.com/gtnm.rj/>>Acesso em 28 de setembro de 2025.

“Manifestação contra o turismo em massa termina em violência no México”. Agência Brasil/ Rede EBC. 05 de julho de 2025. Ver: <<https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2025-07/manifestacao-contra-turismo-em-massa-termina-em-violencia-no-mexico>>Acesso em 28 de setembro de 2025

“Rio cria ‘gratificação faroeste’ e contraria valores constitucionais”. Antônio Gonçalves. Consultor Jurídico. 27 de setembro de 2025. Ver em: << https://www.conjur.com.br/2025-set-27/rio-cria-gratificacao-faroeste-e-contraria-valores-constitucionais/>> Acesso em 28 de setembro de 2025

“Tu Airbnb era mi casa”: el grafiti viral en Barcelona que muestra la cara oculta del turismo masivo”. Catalunya Press. Ver: <<https://www.catalunyapress.es/articulo/barcelona/2025-08-26/5406473-airbnb-casa-grafiti-viral-barcelona-muestra-cara-oculta-turismo-masivo>>Acesso em 28 de setembro de 2025