No contexto do 24º Congresso da Rede Mundial de Renda Básica (BIEN na sua sigla em inglês), ocorrido na semana passada nas cidades de Maricá e Niterói, dividi o Painel “Universalidade da renda básica, solidariedade econômica e mudança cultural” com os amigos Juana Pérez Montero e Sérgio Mesquita cujas intervenções no painel podem ler lidas em artigos anteriores a este, publicados em Pressenza.
Sem mais delongas deixo aqui minha fala durante o interessante painel e à continuação uma não desejada, mas inevitável, crítica aos estranhos critérios adotados pela organização do evento com respeito à difusão do mesmo.
A Fala:
Nas formações sociais similares à do Brasil, a mera aprovação de projetos de lei não basta. Afinal, mesmo que o Senado brasileiro tenha aprovado a renda básica de cidadania nos idos de 2004, até hoje, mais de 20 anos depois, nada foi feito para fazê-la existir.
No capitalismo, políticas populistas e protecionistas convivem, mas todas elas esbarram na prioridade do lucro. Basta ver que o orçamento do ano passado privilegiou a cobertura de uma dívida mentirosa e foi decisiva para ampliar a apropriação de recursos por banqueiros e especuladores. Quanto o Estado brasileiro arrecada, investe e gasta pode ser facilmente conhecido e comprovado pelo trabalho desenvolvido pela Auditoria Cidadã da Dívida. (www.auditoriacidada.org.br).
Nesse sentido, um tema como a renda básica, tão importante e estratégico para a garantia de dignidade, precisa ser debatido e organizado na inteligência cognitiva da multidão brasileira, que possui apenas a força de trabalho para vender e sobreviver.
A potência humana criativa é o termo mais assertivo para tratar do movimento do cérebro que, fundamentalmente, faz articular as inteligências. Emoções, pensamentos, planejamentos e ações são elaborados pelo cérebro, o qual abriga a maior quantidade desses magníficos neurônios que existem para comunicação e linguagem neural por todo o corpo. Nós, humanos, animais que sentimos e sabemos, animais vivíparos, sociais e políticos, não apenas construímos as nossas casas, mas, diferentemente das abelhas, somos capazes de pensar nelas antes de criá-las.
É possível afirmar, pelo consenso científico existente, que duas inteligências são produzidas pelo cérebro humano: a emocional e a cognitiva. Por natureza, a imensa maioria dos seres humanos apresenta condições biológicas para desenvolvê-las, mas isso não basta. O desenvolvimento sadio de um feto no útero depende de que a gestante esteja livre da fome e de situações estressoras para sua rede neural, como violência, abandono, desemprego e miséria. Desde o momento do nascimento, já é possível notar traços de inteligência emocional no bebê e sem que ninguém precise ensiná-lo, é capaz de rir e chorar.
Como pertencemos a uma espécie cujos filhotes são muito dependentes dos cuidados maternos e paternos, diferentemente do que ocorre com outros mamíferos, o desenvolvimento sadio das crianças está profundamente ligado às condições materiais dos seus familiares. O grau de acesso a bens e serviços fundamentais terá ligações diretas com a possibilidade de fazer avançar sua inteligência cognitiva, caracterizada pelo discernimento racional e pela capacidade de conhecer.
No modo de produção capitalista, por definição, as condições materiais de existência digna não são asseguradas para todas as pessoas. As mil dificuldades impostas à classe trabalhadora impossibilitam a saúde do corpo e do cérebro, estabelecendo severas limitações para a ampliação das inteligências subjetivas. Ciente desse impacto socialmente desigual, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra desenhou uma frase já incorporada por vários setores atuantes na melhoria da vida do povo: A VIDA ACIMA DO LUCRO!
Frente a essa realidade desafiadora, fazer valer a renda básica universal e incondicional será uma conquista fundamental para o desenvolvimento humano com menos desigualdades.
Uma Crítica:
O poeta Carlos Drummond de Andrade já havia afirmado e ensinado, na década de 40 do século passado, em sua magnífica poesia NOSSO TEMPO:” As leis não bastam, os lírios não nascem da lei”.
Infelizmente tudo indica que até hoje não se aprendeu. A cada passo do tempo- cronos nos confrontamos com um lago sujo que inverte as lições do passado em imagem e modo de produção capitalista que segue podendo contar, assertivamente, com o Estado, como seu organizador padrão.
Podemos afirmar que, no século atual, a comprovação empírica da profunda, crítica e linda poesia NOSSO TEMPO, apresentada na coletânea Rosa do Povo, ainda tem muito para ensinar. Apesar de aprovada pelo Senado Federal no início do século atual, em 2004, a Renda Básica, até hoje não existe na vida das pessoas. Não há lírios e ainda faltam carne e sapatos na vida da grande maioria.
Tudo indica que a maioria de nós ainda não aprendeu o ensinamento. Infelizmente, um exemplo disso, se manifesta no critério de divulgação adotado no 24º Congresso da Rede Mundial da Renda Básica realizado no Brasil, nos últimos dias de agosto, onde para participar, colaborar, ter acesso ou contribuir de alguma forma era necessário pagar. Quem não pagava não entrava, não poderia ao menos ver de longe o que estava ocorrendo; nem mesmo as organizações e coletivos que produziram as palestras, rodas de conversa ou painéis puderam gravar o que fizeram para apresentar posteriormente, como instrumento de formação, para outros companheiros e companheiras.
Não há dúvidas, os lírios não nascem das leis. Aqui no Brasil não temos a renda básica, embora já aprovada em lei, mas tampouco a temos em seu ambiente de discussão e difusão, não a temos na concepção dos próprios organizadores do evento. Os organizadores da atividade que deveria estar voltada para ampliar o conhecimento, privilegiaram o pagamento e não a construção da inteligência coletiva.
Com uma ampla e enriquecida unidade em PRESSENZA reunimos múltiplos setores que atuam para a vida melhorar. O humanismo desta Agência, como o próprio nome diz, estava lá presente e foi crítico com o que testemunhamos.
Apresentamos o Painel “Universalidade da Renda Básica, Solidariedade Econômica e Mudança Cultural” e neste processo unificamos vários setores sociais e importantes para acumular a inteligência humana como a própria Rede Humanista pela Renda Básica Universal e Incondicional, o VIVA RIO, ou a associação Mundo Sem Guerras e Sem Violência com inspirações de amigos do MST, do Movimento Sindical, do Parque de Estudo e Reflexão Retiro e vários outros setores dos movimentos sociais que em uma larga escala das organizações da sociedade civil foram evocadas e mobilizadas para a vida viver e não apenas sobreviver.
Ainda assim não foi possível apresentar o que fazíamos e muito menos gravar as palestras. Nos foi negado o registro de um belo momento de unificação que serve para juntar as forças populares em favor da vida.
Enfim, muito temos que aprender. Já sabemos que a vida é mais importante que o lucro e não poderia ser privilegiado o empreendedorismo no lugar da organização popular que trabalha a favor da vida. Não podemos repetir este erro em todos os espaços, pois, mesmo nas disputas eleitorais não é possível que tudo seja transformado em empreendedorismo de setores dentro dos partidos que se consideram de esquerda.
É um grande desafio para nós acumularmos forças em cada ação e se faz necessário colocar, ao menos nas organizações populares, a vida acima do lucro.
Essa formulação crítica sobre o 24º Congresso Mundial da Renda Básica ocorrido nas cidades de Maricá e Niterói tem como objetivo despertar-nos para a necessidade desse acúmulo de forças.
Aqui no Brasil, para que a Renda Básica exista, precisamos desse acúmulo de forças para conquistar a implementação na organização do Estado. Afinal, aprovada já está, mas não há conquistas para fazê-la existir além da lei, para fora do papel, na vida de milhões de pessoas.
Queremos que desta lamentável experiencia pela qual passamos, venha, ao menos, o ensinamento para formar uma ampla unidade colaborativa e solidária que amplie a nossa aprendizagem e a inteligência popular em defesa da vida, numa escala mundial e universal, tal qual a Renda Básica que, desde Pressenza, nós defendemos e queremos fazer existir.







