Por António Mota Redol (*)
Lembremos o que até agora se passou com as centrais nucleares na guerra da Ucrânia
Quando no início da guerra na Ucrânia os russos tomaram a central nuclear de Zaporijia e os “comentadores” das nossas televisões imaginavam desastres terríveis como Chernobyl,
escrevi um texto em que negava tais afirmações especulativas e afirmava que, com as munições utilizadas nas batalhas à volta da central, não era possível danificar o núcleo do reactor nuclear e provocar um acidente, mesmo menos grave do que o atrás referido.
Escrevi, então, que apenas as bombas de grande potência lançadas de um avião especial e que furam cimento armado podiam atingir o núcleo e provocar um grande acidente. Lembrar que o núcleo do reactor é envolvido totalmente por um contentor de betão com 1,30-1,50 m de espessura e uma cuba de aço de 20-30 cm.
Também chamei a atenção que a presença na central do Director-Geral da Agência Internacional de Energia Atómica (AIEA) era uma iniciativa necessária, mas que ele se comportava como um agente da Ucrânia e não com independência. Nomeadamente — se nas vésperas da sua primeira presença a central foi bombardeada pelas tropas ucranianas, uma delegação da população vizinha entregou-lhe um abaixo-assinado com cerca de 20.000 assinaturas solicitando as suas diligências no sentido de a Ucrânia não atingir a central — no seu relatório, porém, não referia qualquer dos dois acontecimentos, mas tecia considerações sobre a presença das tropas russas no interior da central, não nas instalações mais delicadas mas no edifício anexo ao edifício do núcleo, onde estão instalados a turbina e o alternador que produzem a energia eléctrica. Apesar dessas importantes omissões, o Governo da Ucrânia achou o relatório favorável a Moscovo, pois não continha os alarmes que desejava utilizar a seu favor.
Numa atitude de coragem que se deve salientar por se tratar duma zona de guerra, voltou à central por várias vezes, mas sempre atacando a presença russa e nunca condenando as acções da Ucrânia.
Escrevi então: «Actualmente, a AIEA tem um Director-Geral e um Deputy Directors General com 6 elementos, responsáveis dos departamentos (uma estadounidense, um russo, um chinês, uma francesa, um italiano e uma marroquina) e conta com 175 países membros. O actual Director-Geral, Rafael Mariano, Grossi, é argentino, designado em Dezembro de 2019, diplomata de carreira, foi Director-Geral no Mistério dos Negócios Estrangeiros da Argentina, representante deste país na NATO (1998-2001, ver biografia de Grossi), embaixador em vários países, realizou missões das Nações Unidas, tendo estado muito ligado à não proliferação nuclear».
E também: «Todavia, o seu actual Director-Geral não tem o mesmo perfil dos responsáveis de outras organizações das Nações Unidas e, ao contrário de responsáveis anteriores da Agência, não é um técnico, mas um embaixador, um político, consoante se pode ver no seu currículo atrás apresentado. Foi, mesmo, como vimos, representante da Argentina na NATO. Já nas declarações que proferiu aquando da tomada das centrais nucleares de Chernobyl e Zaporijia pelos russos, se podia verificar a sua falta de independência, dramatizando excessivamente o assunto e condenando a acção russa, ao jeito do que interessa à Ucrânia, aos EUA e à União Europeia. Ora, a um dirigente de órgão técnico não lhe cabe tomas posições políticas ou, pelo menos, de forma tão explícita.
Quando se iniciou a recente inspecção da AIEA à central de Zaporijia com uma equipa de técnicos, a efusividade e os sorrisos com que cumprimentou Zelensky, com retribuição idêntica da parte deste, não passaram despercebidos, como notámos no texto que então escrevemos sobre a central, o que não augurava nada de bom, no que respeita a uma opinião independente. Essa efusividade contrastava, como escrevemos, com os rostos fechados da fotografia de António Guterres, Erdogan e Zelensky no final da reunião que tiveram algum tempo antes» (Entretanto, a empresa russa Rosatom passou a gerir a central, a maioria do pessoal integrou esta empresa, o Director-Geral da AIEA reuniu com Putin e voltou a visitar o local, mas a central, que continua a ser a maior da Europa, está meio encerrada. Parece que Trump a deseja para a associar à exploração dos minerais raros).
E o que se está a passar agora na guerra contra o Irão
Com os recentes ataques de Israel ao Irão, a nossa comunicação social e militares prestou-se logo a garantir a existência no Irão de bombas atómicas e do avião que as pode transportar…
Mas o que se passou de facto? No dia 12 de Junho de 2025, o Director-Geral da AIEA fez uma comunicação chamando a atenção para a possibilidade do Irão estar a trabalhar para chegar à posse da bomba nuclear, iniciativa que é difícil não se poder atribuir a uma coordenação com os EUA e Israel para justificar o ataque deste último. Aliás, o Conselho de Governadores sob proposta de EUA, França, Reino Unido e Alemanha votou uma resolução no sentido referido, com 19 votos a favor, 3 votos contra (Rússia, China e Burkina Faso) e 11 abstenções (entre os quais África do Sul, Brasil, Indonésia, Egipto, Índia, Paquistão).
E é difícil não fazer essa ligação, porque não era no mesmo dia dessa comunicação que Israel podia preparar uma acção como a verificada, a qual deverá demorar, certamente, vários meses. Não é investida que se pudesse preparar apressadamente.
Recorde-se que Israel utilizou essa comunicação para justificar a sua acção iniciada logo na madrugada do dia seguinte, dia 13.
Tanto o Irão como a Rússia protestaram junto da AIEA pela manipulação desta entidade, que, assim, perde credibilidade.
Tendo-se apercebido do imbróglio em que se meteu, que lhe pode custar o lugar, o Director-Geral da AIEA veio, no dia 16 de Junho, afirmar que não pode garantir que o Irão está a trabalhar para fabricar a bomba.
O Director-Geral foi, entretanto, ouvido pelo Conselho de Segurança da ONU em reunião convocada com urgência. Entre outras questões relativas a instalações relacionadas com o programa nuclear civil do Irão, salientou o perigo do bombardeamento da central nuclear de Bushhehr para produção de energia eléctrica, o que poderá dar origem à dispersão de uma grande quantidade de material altamente radioactivo por uma larga área. Pelas suas palavras depreende-se que inspectores da AIEA continuam no Irão.
Note-se que Israel anunciou que estava a atacar instalações nucleares, mas também anunciou a certa altura que tinha atacado 1.100 alvos no total. Falou-se em ataques de 200 aviões e centenas de mísseis e drones. Ora a AIEA e até os “comentadores” das nossas televisões dizem que existem três instalações de enriquecimento, com uma, a principal, enterrada a muitas dezenas de metros de profundidade na montanha, onde não podem chegar os mísseis de Israel. Só as tais bombas perfurantes. Também foi anunciado o ataque e morte de muitos responsáveis militares iranianos e técnicos nucleares.
Por isso, a justificação para o ataque ter como objectivo as instalações nucleares é inteiramente falsa e a AIEA e o seu Director-Geral ficam comprometidos com tais acções.
É significativo que o Director-Geral não se tem pronunciado sobre a posse de armas nucleares por Israel, que é um dos 180 membros da AIEA mas que não assinou o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) de 1968, assinado por 189 países, e que só possui armas nucleares graças à colaboração dos EUA. Pelo contrário, o Irão é não só membro da AIEA, mas também signatário do TNP.
Tem sido divulgada a existência de três instalações nucleares iranianas. Ora os programas nucleares militares são sujeitos a grande segredo. Mesmo os programas nucleares civis – desde a mineração, à produção de concentrado de óxido de urânio, conversão em hexafluoreto de urânio, enriquecimento, ao fabrico dos elementos de combustível – também o são, embora em menor escala. Mesmo o funcionamento de uma central nuclear está sujeito a restrições informativas. Vigilância constante, sistemas de segurança, declarações de confidencialidade por parte dos seus trabalhadores.
Por isso, o que se sabe sobre as instalações nucleares militares iranianas terão como fonte a AIEA, entidade de que o Irão é membro, que fiscaliza o programa civil, mas que também terá fiscalizado, pelo menos até certa altura, o programa nuclear militar, provavelmente a propósito das negociações que foram interrompidas no primeiro mandato de Trump. Aliás o Director-Geral da AIEA terá declarado que visitou essas instalações.
Parece saber-se que o Irão terá enriquecido urânio até 60% e que uma das instalações produz água pesada. Ora os grupos nucleares do tipo que o país tem um (Bushehr, tipo PWR), utilizam urânio enriquecido a 3-5%. E a água pesada não é utilizada nesse tipo de reactores, mas no fabrico de bombas nucleares.
Por isso, é evidente que o país criou ou ainda está a criar condições para um dia vir a produzir a bomba nuclear. Todavia, o facto de a produzir não quer dizer que a possa utilizar imediatamente. Tem de a testar, podendo o ensaio falhar e ter de repetir. Por outro lado, por mais disfarçadamente que esse ensaio se realize, equipamentos de detecção em todo o mundo acusariam as radiações emitidas. Em Portugal, também existem esses equipamentos. E, depois, o Irão tem de possuir mísseis capazes de transportar uma ogiva nuclear. Tudo leva a crer que não tem.
E o facto de ter essas condições não quer dizer que venha a produzir a bomba nuclear. Por exemplo, a África do Sul que também teve um programa nuclear militar, acabou por desmantelá-lo. E países como a Argentina e o Brasil, ambos no tempo das ditaduras, também os iniciaram. Igualmente a Espanha de Franco. Mas não os continuaram.
Mas se Israel possui armas nucleares, o Irão, para equilibrar, entende que também as pode ter.
(*) António Mota Redol é um ex- técnico da Junta de Energia Nuclear em Portugal e especialista em Planeamento e Economia da Energia na EDP e REN.







