OPINIÃO

Por Jacqueline Melo

Marielle Franco um dia perguntou “Quantos mais vão precisar morrer?”

Essa não é uma tragédia isolada, mas um padrão que se repete há décadas, atravessando diferentes governos e partidos políticos. O Rio de Janeiro, cidade de beleza estonteante e contrastes chocantes, mais uma vez teve sua alegria manchada pela violência. Ontem, em meio à festa junina do Morro do Santo Amaro, um evento cultural que celebra a união e a tradição, a vida de Herus Guimarães Mendes, de 24 anos, foi tragicamente interrompida.

Ele não era um criminoso; era trabalhador, um filho, um jovem que ao lado de sua mãe e de amigos, estava ali, na sua comunidade aguardando o inicio de um evento cultural que traz em si uma tradição popular. As festas juninas são manifestações culturais vibrantes, cheia de cores, danças e risos que ecoam por todo o Brasil. Era impossível não ver a cena: as ruas apinhadas, as roupas coloridas, a música. A pergunta que se impõe, dolorosa e urgente, é: por que o tiroteio?

A narrativa é dolorosamente familiar: a incursão policial, a alegação de confronto, as ruas cheias de inocentes. Como pode a busca por supostas pessoas armadas cegar as forças de segurança para a realidade ao se deparar com dezenas de vidas desarmadas, crianças e adultos que apenas buscavam um momento de lazer e felicidade?

Quantos Herus foram, e ainda serão, silenciados por essa lógica de confronto que precede a razão e a empatia? Homens, mulheres, crianças – a lista de vítimas inocentes é cruelmente longa. A cada bala perdida, a cada vida ceifada, não é apenas um indivíduo que se vai, mas uma família que é dilacerada, uma comunidade que chora, e a fé em um futuro mais justo que se esvai.

Esse sentimento de dor, de vazio e impotência, de raiva, onde a alma arde, seus olhos incham de tanto chorar vendo tantas pessoas que tiveram suas vidas atravessadas pela violência, ali, juntas, tentando se aglomerar umas as outras, para formar um único pilar, nem que seja, por um instante apenas, para se segurarem umas as outras e se apoiarem, mesmo se perguntando, quantos Herus foram, e ainda serão, silenciados por essa lógica de confronto que precede a razão e a empatia? Homens, mulheres, crianças – a lista de vítimas inocentes é cruelmente longa.

A cada bala perdida, a cada vida ceifada, não é apenas um indivíduo que se vai, mas uma família que é dilacerada, uma comunidade que chora, e a fé em um futuro mais justo que se esvai.

É imperativo questionar a humanidade por trás das decisões que levam a essas operações. A falha em responsabilizar os agentes de segurança envolvidos nessas operações é uma ferida aberta na justiça brasileira. A impunidade alimenta o ciclo da violência, reforça a desconfiança e perpetua a dor de dezenas de famílias que veem seus entes queridos serem tratados como danos colaterais.

Precisamos urgentemente romper com essa lógica perversa. O futuro que almejamos para o Rio de Janeiro e para o Brasil não pode ser construído sobre o sangue dos inocentes. É preciso repensar as estratégias de segurança pública, priorizando a inteligência sobre a força bruta, o diálogo sobre o confronto, e a vida sobre a estatística. A verdadeira segurança se constrói com a presença do Estado em políticas sociais, na educação, na cultura, e não apenas com a força bélica.

Que a morte de Herus Guimarães Mendes não seja apenas mais um número em uma contabilidade trágica. Que ela seja um ponto de inflexão, um grito que nos force a enxergar a humanidade em cada rosto, a valorizar a vida acima de tudo e a buscar incessantemente a não-violência como o único caminho para um futuro verdadeiramente justo e pacífico. Somente assim poderemos, de fato, dançar juntos, sem medo, a quadrilha da vida.