TEATRO

Por Marrom Glacê

Realizado pelo Complexo Negra Palavra, montagem leva à cena o resultado de uma investigação dos primeiros passos de Solano Trindade com muita ludicidade, numa encenação vibrante que conta com a tradição dos bonecos mamulengos.

Com um histórico de cinco anos levando a palavra poética de Solano Trindade aos palcos, o Complexo Negra Palavra agora direciona essa missão aos pequenos. Deste modo, estreia dia 19 de abril, às 16h, no Teatro 1 do Sesc Tijuca o espetáculo infantil inédito “Solaninho – Uma viagem com o Poeta do Povo”, formada por poesias e narrativas negras para crianças. Encenado pelo elenco do Complexo, a montagem contemplada pelo Edital Sesc RJ Pulsar conta com dramaturgia de Renato Farias, que divide a direção artística com Lucas Sampaio, e tem sua direção musical e percussão corporal assinadas por Muato. Integrando a montagem estão os bonecos mamulengos, artifício cultural do estado de Pernambuco, onde Solano nasceu, amparados pela consultoria de Cultura Tradicional de Sandro Roberto, discípulo de ilustres mestres mamulengueiros.

Com uma dramaturgia que bebe nas vivências da infância do Poeta do Povo, um dos maiores poetas brasileiros do século XX cuja obra vem sendo redescoberta após um longo período de apagamento, a peça coloca em cena as corporeidades e sonoridades populares, como o multiartista fazia. Guiado pelos seus poemas, a cena desvenda seus primeiros passos, as primeiras canções de ninar, as cantigas da infância, os outros membros da família e toda a ludicidade do entorno das crianças. Afinal, a infância é o período de construção de imaginários que vão nos acompanhar por toda a vida.

“A dramaturgia do espetáculo não quer subestimar as crianças. Ao mesmo tempo que estimula uma encenação vibrante, musical, colorida, festiva, investe em diálogos e interpretações que fogem de estereótipos e simplificações. Buscamos respeitar a grande inteligência das crianças que, infelizmente, vai sendo combatida na medida em que vamos amadurecendo. Dentro das culturas africanas e ameríndias encontramos outras formas de relação com os ciclos da vida”, pondera Renato Farias, sinalizando que a morte, assunto presente na cena, está diretamente associada à vida e deve ser revestida de naturalidade.

A questão se dá no próprio enredo do espetáculo, revisitando um fato trágico ocorrido com o ator Ton Torres que, em 2017, foi brutalmente assassinado. E a montagem pretende reescrever essa história. “Revisitamos poeticamente seu desaparecimento criando um encontro entre Ton e Solano Trindade no Orun, o lugar onde moram os Orixás e nossos ancestrais. No lugar do sofrimento e da perda, queremos reverenciar a memória de Ton e exaltar sua passagem pela terra. Acreditamos que ressignificar essa dor, enquanto ainda estamos lutando por justiça, é encontrar um caminho de cura, ao mesmo tempo, individual e coletivo para todos os integrantes do Complexo Negra Palavra”, frisa Renato.

Na peça, Ton Torres é interpretado pelo irmão Adriano Torres que, assim como os demais colegas de cena, não teve referências de poetas negros nas suas infâncias. Faz pouco tempo que, ao conhecer a obra de um poeta negro, Adriano compreendeu que também poderia escrever poesia. Durante muito tempo o racismo estrutural apresentou social e culturalmente as pessoas negras apenas a partir de referências subalternas e, na maioria das vezes, sem aprofundamento psicológico ou afetivo. Isso vem se transformando aos poucos e o teatro infantil é um espaço privilegiado para cultuar o empoderamento e a autoestima dos pequenos.

Assim, proporcionar o encontro da poesia de Solano Trindade com o público infantil é presenciar o impacto de uma obra que traz em si o potencial de acessar a autoestima dessas crianças, naturalizando que o mundo poético diz respeito a todos, independentemente de idade, cor, gênero ou situação social. “Solaninho” é um espetáculo construído para lembrar que o teatro pode e deve ser um lugar de sonho e, também, de ressignificação da realidade. E ter o artista Lucas Sampaio assinando sua primeira direção teatral é um reforço desta certeza.

 “Comecei minha trajetória profissional no espetáculo ‘Negra Palavra: Solano Trindade’ junto com a maior parte deste elenco e sinto que este é um trabalho-compromisso-desafio e uma missão! Das grandes! É uma honra muito grande poder estar ‘olhando de fora’ o trabalho de criação dos meus amigos de vida e arte. O teatro negro, sobretudo, me trouxe muitas vivências e dirigir esse espetáculo junto com Renato, sem dúvidas, é uma das maiores”, sublinha o ator – e agora diretor – Lucas Sampaio.

Dando segmento a uma escolha cênica da companhia, o espetáculo não apresenta cenários – apenas elementos cênicos. “A ausência de cenografia faz parte de uma das pesquisas do Complexo Negra Palavra que é investir com mais potência no trabalho dos atores e nas infinitas possibilidades de seus corpos em cena. Em ‘Solaninho’ trazemos também um trabalho com bonecos e adereços que colaboram na construção de imaginários que, certamente, irão encantar crianças e adultos. Outras pesquisas do Complexo também dão novos passos em Solaninho: como dizer o poema-em-cena e a percussão corporal”, antecipa Renato.

Com a peça, o mergulho na obra de Solano Trindade privilegia um olhar específico: são os poemas voltados para os pequenos que compõe seu roteiro. E o universo dos mamulengos, tão presente na memória de Solano, empresta aos corpos novas malemolências que irão se juntar ao maracatu e às festas populares. Ao entregar às crianças um trabalho com tão belas referências, a partir da potência dos corpos e afetos negros, o espetáculo também oferece uma visão futura de esperança e empoderamento.

SINOPSE:

O jovem Ton, aos 23 anos, chega ao Òrun, e é recebido festivamente pelo velho Solano Trindade. Depois de um tempo, Ton se dá conta que não teve tempo de se despedir da vida no Àiyé. Solano percebe que Ton se entristece e propõe um retorno ao Pernambuco de sua infância. Ton se ilumina com a ideia. Assim, ambos magicamente retornam a seus corpos de criança: Solaninho e Tonzinho. E são eles que vão percorrer as festas e feiras, cantigas e canções, encontrar personagens familiares de ambos para, ao fim da jornada, retornarem ao Òrun. Ton retorna mais feliz após ter vivido junto com Solaninho uma outra possibilidade de infância. Ambos retomam a festa inicial e celebram as etapas e os ciclos que compõe a finitude da vida.

FICHA TÉCNICA

Poesias_ SOLANO TRINDADE

Roteiro e Dramaturgia_ RENATO FARIAS

Direção Artística_ LUCAS SAMPAIO e RENATO FARIAS

Elenco_ ADRIANO TORRES, ALEH SILVA, FERNANDA XAVIER, GUILHERME CANELLAS,

JOÃO MANOEL, JOÃO NAZARÉ, JORGE OLIVEIRA, RAPHAEL ELIAS, RODRIGO ÁTILA e

THIAGO HYPOLITO

Direção de Movimento_ LECO LISBOA

Direção Musical e Trilha Sonora Original_ MUATO

Preparação Vocal_ PEDRO LIMA

Consultoria de Cultura Tradicional_ SANDRO ROBERTO

Direção de Arte_ RAPHAEL ELIAS

Desenho e Construção dos Bonecos_ RAPHAEL ELIAS

Aderecista_ IVETE DIBO

Figurinista_ ANANDA ALMEIDA

Assistente de Figurino_ CLARA GARRITANO

Iluminadora_ ANA LUZIA DE SIMONI

Assessoria de Imprensa_ MARROM GLACÊ COMUNICAÇÃO

Projeto Gráfico_ THIAGO MENDONÇA

Produção_ EUDES VELOSO

Produção Master_ FERNANDA XAVIER

Produção Técnica_ JORGE OLIVEIRA

Assistente de Produção_ LUCAS BAPTISTA

Parceria_ COMPANHIA DE TEATRO ÍNTIMO e COMPLEXO NEGRA PALAVRA

Realização_ SAIDEIRA PRODUÇÕES

SERVIÇO:

Temporada: 19 de abril a 18 de maio de 2025

Horário: Sábados e Domingos às 16h

Apresentações Extras: dias 25 de abril, 09 de maio e 16 de maio (sextas-feiras)

Ingressos: R$ 5 (associado do Sesc), R$ 10 (meia-entrada), R$ 20 (inteira), Gratuito (PCG)

Local: Sesc Tijuca – Teatro 1

Endereço: Rua Barão de Mesquita, nº 539 – Tijuca

Tel.: (21) 2274-7246

Bilheteria – Horário de funcionamento:

Terça a sexta – das 8h às 19h30;

Sábados – das 9h às 19h;

Domingos – das 9h às 18h.

Classificação Indicativa: Livre

Duração: 50 minutos

Instagram: @negrapalavra