05/02/2025 [Nota da redação]
Segundo as notícias de hoje, os EUA de Trump querem agora tomar o controle da Faixa de Gaza na Palestina e “realojar”, isto é, deportar todos os palestinianos daquela Faixa, ora para o Egito ora para a Jordânia. Planos ao mais velho estilo colonial, sem que ninguém tenha alguma vez perguntado aos palestinianos o que querem, e também sem qualquer respeito pelo Direito Internacional e pelas Nações Unidas.
E Netanyahu, comprovado criminoso de guerra com um mandato internacional de prisão, está super-feliz por ter conseguido assim, praticamente grátis, um patrocinador para a consolidação dos seus planos de expansão territorial do Estado de Israel. Uma expansão que aliás já está em plena marcha, passo a passo, em direção não só à Faixa de Gaza (através do genocídio em curso da população palestiniana) mas também ao sul do Líbano e da Síria. Israel, cujo território — segundo Trump — é lamentavelmente pequeno, está a alargar deste modo o seu “espaço vital” em todas as direções, ilegalmente e à custa doutros povos…
02/02/2025 – Por Helga Merkelbach (*)
“Eles vão fazer isso. Estamos a fazer muito por eles, e eles vão fazê-lo”, disse Trump a 31 de Janeiro de 2025, o que significa que o Egito e a Jordânia acabarão por concordar com a sua exigência de realojamento dos palestinianos de Gaza. Gaza não deverá ficar sob controlo palestiniano, mas sim tornar-se num centro de comércio entre a Ásia e a Europa.
Enquanto os meios de comunicação social se interrogam sobre o resultado da segunda fase do cessar-fogo e das próximas negociações, os objectivos são claros há muito tempo. Trump havia publicado os seus planos em Janeiro de 2020, enquanto Netanyahu tem vindo a falar publicamente deles desde Setembro de 2023. A construção e o funcionamento de uma zona de comércio em Gaza servem os interesses económicos de empresas dos EUA, da Europa, de Israel, assim como dos Estados árabes que alinharem no jogo. O que está em causa, para eles, não são as pessoas que lá vivem nem os direitos humanos.
A questão de se saber se mais de um 1,5 milhões de palestinianos serão expulsos e realojados no Egito, na Jordânia, na Indonésia ou noutros locais, como propôs pouco depois de tomar posse o novo Presidente dos EUA, Donald Trump, ou a de se os israelitas irão colonizar a Faixa de Gaza, como propõem os grupos de colonos de extrema-direita, poderá ser negociável, mas não a questão de se saber se Gaza vai permanecer sob controlo israelita ou, na melhor das hipóteses, sob controlo internacional ocidental.
Que planos estão a surgir para Gaza até agora?
Em 2020, Trump apresentou o seu plano “Da paz à prosperidade ” para Israel e a Palestina (180 páginas de declarações políticas e económicas). Em 2018, já tinha sido aberta uma embaixada dos EUA em Jerusalém Oriental, que na verdade fora ocupada e anexada ilegalmente por Israel em 1980, um sinal de que os EUA favorecem o controlo israelita dos territórios palestinianos ocupados desde 1967, em vez da criação de um Estado palestiniano totalmente autónomo dentro das fronteiras de 1967.
A 9 de Setembro de 2023, os EUA, a Índia, os Emirados Árabes Unidos, a Arábia Saudita, a França, a Alemanha e a Itália acordaram o Memorando de Entendimento (IMEC) para a criação de um corredor comercial da Índia para a Europa através do porto de Haifa, em Israel. Isto aconteceu na reunião dos G20 em Nova Deli, ainda antes de 7 de Outubro e do ataque do Hamas ao sul de Israel. Também antes de 7 de Outubro, apenas 10 dias após a reunião dos G20, o Primeiro-Ministro israelita Netanyahu compareceu perante a Assembleia Geral da ONU, em 20 de Setembro de 2023, com um mapa da região aonde ele desenhou pessoalmente este corredor comercial IMEC.
A 3 de Maio de 2024, o gabinete do primeiro-ministro israelita publicou o plano “Gaza 2035” de Netanyahu, que estabelecia três fases. Fase 1: Destruição do Hamas; Fase 2: Ajuda humanitária (12 meses); Fase 3: Reconstrução (5 a 10 anos); Fase 4: Autogovernança. Este plano “desapareceu” da Internet em Agosto de 2024, mas pode ser encontrado na sua forma original utilizando a Wayback Machine e esta ligação (em hebraico):https://ynet-pic1.yit.co.il/picserver5/wcm_upload_files/2024/05/03/r1xP7iKGf0/Gaza_Businessmen_Initiative_heb___Copy__1_.pdf
A 25 de Julho de 2024, a agência federal de marketing Germany Trade and Invest (GTAI) aborda a questão dos disparos dos Houthis iemenitas contra navios mercantes no estreito de Al Bab em apoio à luta da Palestina contra Israel em Gaza. O especialista do GTAI para o Médio Oriente, Detlef Gürtler, utiliza um mapa para mostrar que a região em crise se pode tornar num farol de esperança em tempos de paz. Nesse mapa, uma rota do IMEC percorre a costa ocidental da Arábia Saudita, terminando em Gaza. O mapa foi rapidamente retirado da Internet.
A 27 de Setembro de 2024, Netanyahu comparece novamente perante a Assembleia Geral da ONU e leva consigo dois mapas da região. Um deles mostra a negro que as organizações e os Estados islamitas terroristas podem tornar-se numa “maldição”. O outro mostra o corredor comercial, que traria consigo “bênçãos”.
A 29 de Janeiro de 2025, a Reuters relata que Netanyahu se encontrou com o enviado dos EUA para o Médio Oriente, Steve Witkoff, que veio inspecionar pessoalmente o cessar-fogo em Gaza. Ou será que ele queria apenas avaliar o quão realistas são as circunstâncias para uma reconstrução? Trump espera que seja possível chegar a um acordo mais alargado, que inclua relações diplomáticas entre Israel e a Arábia Saudita. Netanyahu quer encontrar-se com Trump a 4 de Fevereiro, dia em que será retomada a segunda fase das conversações sobre o cessar-fogo.
O acordo original de cessar-fogo de 42 dias negociado pelo Egito e pelo Qatar entre o Hamas e o governo israelita ainda não foi publicado na íntegra.
Em que poderão Trump e Netanyahu estar a concordar?
O plano de Trump de “Paz para a Prosperidade” afirma que “Gaza está numa situação muito complicada”. Prevê o desarmamento do Hamas, a desmilitarização de Gaza e, se necessário, a utilização da Autoridade Palestiniana ou de organismos internacionais para a administrar, se tal for “aceitável para o Estado de Israel”. Uma visão económica, o investimento e a construção do Estado só poderiam começar quando estes critérios de Gaza fossem cumpridos. Ao fim de cinco anos, o plano prevê a criação de uma ilha artificial na qual poderiam ser construídos um pequeno aeroporto e um grande porto marítimo. No que diz respeito aos refugiados palestinianos, o plano opina que “os irmãos árabes têm a responsabilidade moral de os integrar nos seus países, tal como os judeus foram integrados no Estado de Israel” (os que fugiram ou que foram expulsos de países árabes). O regresso ou a indemnização, tal como exigido na Resolução 194 ponto 11 da ONU de 1948 e aceite por Israel aquando da sua adesão às Nações Unidas, não estão previstos. “Não há direito ao regresso”, lê-se na pág. 36, e também não há indemnização.
A guerra de 2023/24 alterou a situação em Gaza. As bombas de Israel destruíram em grande parte as infraestruturas e os edifícios residenciais. Este facto permite um investimento imediato na evacuação e na reconstrução. As pessoas, algumas das quais foram deslocadas ou tiveram que fugir várias vezes após 7 de Outubro de 2023, estão agora a regressar a casa do sul para o norte. Ao contrário do que aconteceu nas guerras anteriores, a partir de 2008/9, as munições por explodir, os solos contaminados e a quase inexistência de materiais, energia e equipamento constituem desafios que dificilmente poderão ser ultrapassados sem ajuda externa. Para além disso, estão dependentes da autorização de Israel, que controla a entrada da ajuda e que, até à data, a tem limitado extremamente. No entanto, os palestinianos rejeitaram a proposta de Trump de abandonar voluntariamente a sua terra, mesmo que temporariamente, para se mudarem para outro país muçulmano, a fim de se poder reconstruir Gaza a partir do zero. Um sinal de “sumud” (firmeza, não-cedência), como por eles é apelidada esta forma de resistência não violenta.
A primeira fase da “Gaza 2035” de Netanyahu foi, pelo menos, interrompida com um cessar-fogo de seis semanas a partir de 19 de Janeiro de 2025; o Hamas não foi esmagado, mas Gaza tornou-se inabitável, a menos que seja fornecida uma ajuda maciça à reconstrução. A segunda fase já começou, e a ajuda humanitária está pelo menos a fluir mais do que anteriormente. O Parlamento israelita decidiu cortar a ajuda aos refugiados palestinianos a partir do final de Janeiro deste ano: A questão que se coloca é saber até que ponto o Hamas fará compromissos para garantir o abastecimento da população e manter assim o seu próprio poder, e até que ponto a Autoridade Palestiniana estará disposta em prestar auxílio e manter o seu poder.
A ideia de trazer a própria sociedade civil para a mesa das negociações só ocorreu até agora, provavelmente, às organizações femininas Women Wage Peace (israelita) e Women of the Sun (palestiniana) que cooperam juntas no seu Apelo das Mães, reafirmado a 4 de Outubro de 2023, pouco antes do 7 de Outubro, num encontro internacional de milhares de mulheres no Mar Morto.
Que outros atores estão envolvidos nas negociações?
Os EUA estão interessados em ligar a Arábia Saudita ao Ocidente, portanto em tê-la do seu lado como um potencial aliado contra o Irão, mas também como um parceiro comercial, em vez de fazer comércio com a China. A rota comercial do IMEC através da Arábia Saudita poderia ser tão útil para o Ocidente como para a Arábia Saudita. A IMEC seria também uma alternativa à nova iniciativa chinesa “Rota da Seda, Uma Faixa, Uma Rota” (de 2013), cuja rota marítima meridional atravessa o Mar Vermelho, passa por Bab el Mandeb e pelo Iémen e atravessa o Canal do Suez.
A Arábia Saudita está a planear converter a sua economia, rica em petróleo e gás, para a produção de hidrogénio com a sua “Visão 2030”. A filial da Thyssen-Krupp fornece o equipamento técnico para o projeto NEOM, orientado para o futuro, na costa nordeste do Mar Vermelho, e é subsidiada pelo governo alemão. NEOM deverá incluir a cidade residencial The Line (170 km de linha de caminho de ferro gratuita para 9 milhões de pessoas), a indústria e o porto marítimo de Oxagon, bem como o turismo (a ilha balnear de Sindalah e a estância de esqui de Trojena nas montanhas). No entanto, os 150 milhões de turistas de luxo esperados não chegaram desde que se deu início à guerra de Gaza. Os ataques dos Houthis iemenitas a navios na entrada sul do Mar Vermelho, Bab el Mandab, podem também impedir a entrega de materiais de construção para o NEOM. – O projeto NEOM foi interrompido em 2024. A Arábia Saudita precisa urgentemente de paz em Gaza para concretizar a sua visão económica. Mas será que vai sacrificar os interesses dos palestinianos para o fazer?
A Jordânia rejeitou a admissão dos habitantes de Gaza. A população da Jordânia já é maioritariamente composta por refugiados (da Palestina em 1947/48 e 1967, do Iraque em 1991 e 2003, da Síria desde 2011). Mais de um terço da população de cerca de 12 milhões de habitantes não tem cidadania jordana. O apelo de Trump em 2020 para integrar os palestinianos com o estatuto de refugiados, e agora a sua expetativa de acolher mais 1,5 milhões de pessoas está a colocar a Jordânia numa situação difícil. A Jordânia fez a paz com Israel em 1994 e está dependente do abastecimento de gás e de água de Israel. No entanto, Israel também tem de continuar a poder contar não ser ameaçado por essa fronteira, especialmente por parte dos palestinianos, que há gerações esperam que o seu estatuto de refugiados termine e que se tornem cidadãos de plenos direitos no seu próprio Estado da Palestina.
Até agora, o Egito tem-se mostrado firme e resistido a todas as tentativas de realojamento dos habitantes de Gaza no seu país. O Egito é (ainda) importante para Israel. Israel extrai grandes quantidades de gás ao largo da costa israelita. A jazida de gás de Tamar contém mais de 200 mil milhões de metros cúbicos, é explorada pela Chevron e é detida em 25% pela Chevron e em 28,75% pela Isramco – empresas norte-americanas e israelitas. O campo de gás Leviathan armazena 22 biliões de metros cúbicos, é explorado pela Chevron e detido em 45,33% pela empresa israelita Delek e em 39,66% pela Chevron. Israel não possui uma unidade de liquefação de gás na sua própria costa e encaminha o seu gás ao longo da costa de Gaza para o Egito, para duas unidades egípcias de liquefação de gás. A partir daí, é enviado para a Europa. O Egito precisa de Israel para este negócio (e também como fornecedor de gás, tendo em conta a diminuição das suas próprias reservas). Israel precisa do Egito para a liquefação. A Europa, por sua vez, precisa urgentemente de gás de algum lado desde o início da guerra na Ucrânia (2022).
O plano de Trump de 2020 prevê que Israel mantenha o controlo de segurança (militar) sobre o vale do Jordão, o espaço aéreo e a costa mediterrânica ao largo de Gaza, no caso da criação de um Estado autónomo da Palestina. Um porto de Gaza (tal como previsto no plano “Gaza 2035” de Netanyahu) situar-se-ia, portanto, em território protegido por Israel. Além disso, daria automaticamente a Israel o controlo do campo de gás da Faixa de Gaza. Os 25 mil milhões de metros cúbicos de gás estimados são pouco em comparação com as grandes descobertas feitas por Israel. No entanto, para a economia de uma Palestina independente, seriam a base para uma maior independência económica (em relação à ajuda internacional).
A economia do Egito não está nas melhores condições, o Estado está endividado e a privatização das empresas públicas nos últimos anos não foi capaz de alterar esta situação. Logo no início da guerra, Israel propôs ao Egito uma redução da dívida ao Fundo Monetário Internacional (FMI), se o Egito aceitasse receber os palestinianos de Gaza. O Egito receia que os refugiados palestinianos possam contribuir para a desestabilização do seu próprio país, o que também não agradaria aos Estados Unidos.
O investimento direto estrangeiro no Egito atingiu o seu máximo em 2024. Trata-se sobretudo de dinheiro proveniente dos Emirados Árabes Unidos (EAU), no âmbito do projeto de desenvolvimento da megacidade de Ras El-Hekma. Os investidores nacionais também participam com empréstimos. O projeto só pode ser bem-sucedido com projetos de acompanhamento, que, por sua vez, requerem investimentos estrangeiros no turismo (em Ras El-Hekma, no Mediterrâneo).
O Egito já não depende exclusivamente dos EUA como parceiro de cooperação, reconhece a sua importância geoestratégica e tem desempenhado um papel na China e na sua Iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota” desde 2013. O Egito é um Estado com influência no continente africano, mantém relações económicas e políticas com o mundo árabe e controla o Canal do Suez, através do qual deverá passar a rota marítima da Nova Rota da Seda da Ásia para a Europa. 12% do comércio mundial passa por este ponto de estrangulamento. O Egito e a China iniciaram uma parceria de cooperação em 2016, que foi reforçada em 2024 com a adesão do Egito aos BRICS.
“Uma maior influência da China no Egito reforçará a posição da China em relação aos Estados Unidos, e o crescente investimento da China no Egito poderá pôr em risco os interesses económicos dos Estados Unidos na próxima década. Sem dúvida, uma parceria estratégica contínua entre o Egito e Pequim acabará por ter um impacto negativo na relação especial do Egito com os Estados Unidos”, afirma o Washington Institute em 27 de abril de 2023.
Assim, a forma como Trump irá persuadir a Jordânia ou o Egito a aceitar mais de um milhão de habitantes de Gaza, uma proposta que Trump irá/poderá discutir com Netanyahu durante a sua visita aos EUA a 4 de Fevereiro, depende de muitos fatores. Como último ponto, mas não o menos importante, não será apenas Gaza a desempenhar um papel, mas também os interesses de anexação de Israel em relação aos territórios palestinianos ocupados, particularmente em Jerusalém Oriental e na Cisjordânia. O resultado das próximas negociações da segunda fase do cessar-fogo, mediadas pelo Egito e pelo Qatar, é incerto. Mas os interesses subjacentes indicam claramente que o destino do povo palestiniano é apenas um massa de manobra para todos os envolvidos na mesa de negociações.
Tradução do alemão por Vasco Esteves para a PRESSENZA
(*) Helga Merkelbach
Helga Merkelbach é uma professora reformada, ativista pela paz, justiça de género, clima/ambiente/natureza e direitos humanos. Viajou por muitos países, viveu na Grã-Bretanha, na Etiópia e no Brasil e conheceu as pessoas no terreno, pelo que o seu empenhamento se tornou num assunto que lhe é muito caro.







