CRÔNICA

Por Guilherme Maia

 

Para sepultar um grande amor é preciso ter um senso extremo de contemporaneidade. Sem o espírito do tempo não conseguimos sepultar um grande amor.

Fazê-lo demanda cuidados. Coisas do tipo cercar-se de sombras, mentiras e, por imprescindível, fechar o coração aprisionando este em sentimentos passados.

Seguir a receita da indiferença e da idolatria do ego para sepultar um grande amor.

Foi assim que conheci Edileuza, enfermeira de um posto de saúde em Brás de Pina. Conversamos pelas ondas eletromagnéticas da Internet, fomos transparentes nesse primeiro momento: eu disse que era um piranho e ela me disse ser casada. Embriaguei essa mulher me embriagando de Maria Bethânia recitando poemas sentimentais e melancólicos. Trocamos WhatsApp (o que hoje é quase como uma prévia de ir para a cama) e, por conseguinte, marcamos de nos encontrar em um hotel na cidade dela.

Transtornado por problemas pessoais que cada vez mais me atiravam em um abismo quase sem volta, fui ao encontro daquela mulher corajosa e imaginativa.

Apenas um olhar foi o sinal para nos atracarmos em carinhos e fizemos amor por uma tarde e uma noite e, com pequenas pausas para reidratar, pela manhã do dia seguinte também.

Fomos longe em carícias e subimos em êxtase até o mais alto píncaro do que é concedido pelos deuses ao Humano no que concerne a sexo.

Insuficiências de outros amantes, não encontramos em outros o que tínhamos apalpado em nossa cama. Precisávamos de mais, e, por isso, embarcamos num barco de ilusão. Saudade extrema ligava um amante ao outro.

Terminamos com nossos outros amantes e saltamos num psicodrama erótico, construímos uma vida paralela onde afirmamos nos amar e trocamos juras de amor ancestral. Tudo era em vão, sabíamos disso, mas o sexo alimentava nosso mundo fluídico. Não queríamos largar a ilusão.

Como toda a mentira mata aos poucos, estávamos sendo consumidos. Um jogo de amarelinha onde cada espaço juntos era uma mentira, uma vaguidade, uma comunicação taquigráfica e términos incontáveis para que pudéssemos continuar com nossas vidas. Ela continuava casada ele continuava o homem mais sozinho da Terra – cada mulher que conquistava era tão-somente para esquecer a mentira que ergueram juntos.

Todo o carinho e os sucessivos orgasmos eram insuficientes para debelar a mentira. A mulher sonhava que com a vaguidão que impunha ao amante era suficiente para enganá-lo; não entendia que era escolado na mentira feminina.

Ele e ela mostravam tudo o que há de pior no mundo do amor: ele ostentava sôfrego seus casos no intuito de fazê-la entender o que ela perdia e ela, por sua vez, usava da distância inoportuna uma forma de esconder suas atividades do homem conquistado.

Desvendaram desta forma toda a infantilidade sexual masculina e a ardilosidade feminina. Doeria demais mas a mentira de ambos foi uma força pubiana que destroçou o ideal do amor.

Por estarem destruídos afirmaram a Vênus que o amor não vale mais a pena num mundo de concorrência pelo dinheiro e pelo aconchego do ego.

Não tinham o ímpeto da entrega, não tinham a honestidade exigida pela alegria maior do acolhimento.

Olhando agora no espelho entendo que sou vítima do descompasso do idealismo. A realidade embalada pela mentira assola toda a terra arada. Nada é semeado pela desonestidade. Ambos preferiram o conforto de suas privacidades e amantes do que viver o grande amor.

Assim, pela escolha dos fracos, seguiram com seus vazios.

Não restando outro consolo que não a lembrança lúdica das palavras árduas ditas na cama, esses dois souberam tudo o que é necessário para sepultar o grande amor.