CRÕNICA

Por Guilherme Maia

 

“Eles sabem o preço de tudo, mas não sabem o valor de nada.”

Oscar Wilde

Madrugada afora, Sinval liga seu computador e sabe o que vai acontecer: mulheres nuas, lambendo as câmeras e simulando orgasmos – um teatro. Como verter toda a sua impetuosidade num texto? Essa era a forma de comunicação com as putas do site. Estava só, sempre estivera só e, de alguma forma aleatória, tentava dissimular suas referências de cultura (era professor de grego da UERJ, titular – alguém tem que ser).

Quatro da madrugada dói para passar, dizem inclusive que você apenas pode determinar se sofre ou não de depressão da braba se acorda diariamente às quatro horas. A vida é dura, sentimentos são rarefeitos e Sinval liga seu notebook para passar o tempo fingindo amor. Não existe amor, afago do ego talvez, mas amor deixou de existir por quebras históricas provindas de nossos antepassados. Ele estava lá, o amor um dia existiu, mas após ser mutilado por milênios, voltou ao Olimpo com relatórios repugnantes a Vênus.

Sinval aciona o mecanismo eletromagnético conectado à sua subjetividade e inicia suas ilusões. Um copo de gin com a base molhada pelo derretimento do gelo, um cinzeiro transbordando cinzas são os sinais de sua fraqueza e instabilidade emocional, talvez tenha sido amamentado pouco nos seus inícios.

O fato era que não conseguia se relacionar com mulheres e sua pulsão sexual jogava-o na vertiginosa onda de bucetas, peitos, quadris e coxas amontoadas pela internet. Brancas, asiáticas, negras, aborígenes, todas apareciam a Sinval como sua última esperança de felicidade. A felicidade de uma vida inteira resumida a um simulado tesão.

Sentia-se só pelas madrugadas desde que se divorciou da Desgraçada – nome dado por ele à ex-esposa numa espécie de rebatismo, simplesmente esse era o ressignificado de tudo: a Desgraçada.

Faz suas anotações, sempre fora sistemático, para estabelecer seus diálogos com suas putas amadas: “ninfas da Terra”; “ninfas celestes” e “ninfas subterrâneas”.

Com o mesmo bombardeio energético que liga seu computador, assim é a afluência relaxante, o reconforto de se sentir acolhido, – a substituição da mãe, – que toma e remodela a depressão do professor de grego.

Tudo está pronto para mais uma sessão de amor sintético.

– Oi, Sinval, que saudade de você, meu amor – geme Adelaide, uma holandesa dessas que ordenham vacas em fazendas leiteiras; enorme, parece que poderia engolir Sinval e degluti-lo em questão de segundos.

– Oi, Adelaide. – Ele responde sempre com medo, ele tem medo das mulheres e aquela guerreira de Tejucopapo, então! Deixava suas mãos trêmulas e suadas.

– Vem, meu homem, quero que sinta meu corpo contra o seu! Quero que me chupe inteira, só você sabe fazer, Sinval.

– Eu, eu, eu… – Gagueja como alguém levado ao cadafalso, parecia o Mauro Cid prestando depoimento na CPI do terrorismo verdelindo. Tomado pelo medo fica paralisado.

– Vem, Sinval! Vem, Sinval!

– Não vou… Não vou…

– Sinval, se você não vier, eu vou até aí e te pego de jeito!

– Não vem não, aqui eu fico sozinho e, por isso, eu vou chamar o polícia, Adelaide!

– Chama mesmo que eu como os policiais também, Sinval!

– Meu Deus…. Só resta entregar-me a você, Atena guerreira; tu que és deusa da sabedoria e da guerra venha com seu arpão!

E por aí ele foi. Com sua efusividade infantil, o medo mexendo em seu orgulho de professor de grego titular da Uerj, trêmulo, as mãos encharcadas, olhos vítreos resultado do prazer inenarrável que Adelaide imprimia àquele momento – claro que o taxímetro estava ligado.

De repente, fecha os olhos e encarna toda a mística infrene da mitologia greco-romana, respira com fragor e entoa palavras gregas entremeadas a cantos de elegia a deusas e guerreiras.

E assim foi.

– Ceres de minha terra, brota de meu solo a virilidade masculina, faz-me fértil e forte para misturar meus fluidos aos seus!

E outra.

– Cobiço-a como os sobrinhos deuses desejavam Héstia – Adelaide, és casta e vulnerável aos desejos mundanos que não entendem a mistura sublime de deusas que você compreende em si! Você é uma legião de deusas: és Nix progenitora da noite; és Métis por que tem toda a sabedoria para a vitória!

Acontece que Adelaide gostava dessas comparações. Lembrava de um professor de língua portuguesa, o primeiro que devorou, lá em Madureira. Usava aqueles óculos fundo de garrafa, mas tinha um torso de jogador do Flamengo e aquela voz de galã da novela das oito então… Que sujeito másculo era aquele professor de português…

Após certo tempo de consumo, Adelaide comprara um dicionário de mitologia greco-romana e, assim, dessa forma mesmo, começou a entender as alusões a suas coxas como sendo as provindas da bênção de Dionísio libidinoso. Ela já sabia toda a técnica de hermenêutica clássica e poderia até mesmo ajudar Sinval a escalar os cargos no magistério da Uerj.

Eles tinham uma cumplicidade, havia sim um elã de aproximação íntima entre os dois, professor e prostituta. Coisas que o destino joga as pessoas como peões no tabuleiro (estamos na linha de frente na batalha queiramos ou não).

Mas apesar de toda a trama desse envolvimento imprevisível, o mundo ainda gira e, da mesma forma que os dois, Sinval e Adelaide, cada um de uma forma própria, sentiam a solidão dos cansados, dos desprovidos de amor, dos insones: dessa mesma forma estava um homem a quilômetros de distância em pena solidão.

Julien Assange, fundador do Wikileaks, mofava no presídio Belmarsh, pensava nos prêmios ganhos por defesa de direitos humanos em nível internacional, como quando recebeu o Mnesty International UK Media Awards.

Assassinatos no Quênia, exposição dos crimes cometidos na Guerra do Afeganistão. Sempre intervinha por mostrar a verdade e as maldades à quais muitos de nós somos submetidos e nem nos damos conta.

Sim! Ele estava preso e em sua prisão estavam contidas todas as mazelas da humanidade atual: suas aflições contra hackers para defender crimes inestimáveis – coisas que possibilitam mortes em massa. A vida, – isso – não valia mais nada.

Tudo estava dominado e se houvesse exposição sobre os crimes, que o expositor fosse preso e que os crimes perpetuassem até o fim dos tempos.

Não eram crimes comezinhos, como o furto de uma manteiga que leva uma mãe pressurosa de seus filhos a terem o que comer: aqui estamos falando de crimes cometidos pela sanha de um Estado pré-Liberal, autoritário e sem peias frente ao indivíduo. De alocação de recursos dos contribuintes para tacar o terror numa população mundial cansada de um paradigma de concorrência fratricida.

Por tudo isso, Sinval, Adelaide e Julien Assange viviam cada um seu inferno astral que, por mais que não queiramos, é o nosso também.