CRÔNICA

Por Luiza Maia

 

Era 2004, eu havia acabado de entrar para a faculdade pública, depois de estudar muito. Passei em quarto lugar para o curso de ciências sociais. Eu mesma não entendia, no frescor dos meus dezenove anos, o que era antropologia, ciência política – muito menos a vida na cidade grande.

A universidade era algo árido e, ao mesmo tempo, cheio de gente. Estranhamente, eu me interessava por temas hostis a minha mentalidade romântica, ingênua, pueril. Aquele museu de livros era uma grande novidade para mim. Aquele cemitério de mentes, aquele mundo onde se podia extravasar, pensar o que quisesse – até a página vinte.

A internete logo pareceu algo muito interessante para passar as tardes, ao invés de encontrar pessoas que queriam estagiar, trabalhar no comércio ou passar uma tarde na cama comigo e meu corpinho jovem.

O site de encontros mais fuleiro da rede pareceu algo oportuno para marcar um encontro maluco e enlouquecer de vez. E foi o que aconteceu.

Eu morava num pensionato perto da Praça da Bandeira, no Rio de Janeiro. Passava as tardes na internet, na casa da minha avó, na Tijuca. Logo conheci um sujeito jovem, morador da Vila Valqueire, que apresentava fotolog muito estranho e em tom violento, depreciativo… O Sonic_123. Ele me encontrou no site de encontros.

Começamos a conversar pelo telefone. Ele disse coisas românticas como: “Uma vez peguei no pé de uma menina e ele estava tão grosso e sujo que eu larguei e disse – que nojo!” Logo, com esse clima, marcamos um encontro. Ele me pegou próximo a Igreja São Francisco Xavier.

Foi amor a primeira vista, ou segunda… Suspeito que já tenha o encontrado Sonic_123 em outro Halloween. Talvez, quando saí para uma festinha, quando tinha apenas quatorze anos, em 1999.

Ele me ofereceu uma bala entorpecente. Eu entrei no carro compacto e fui levada pela cidade. Tudo parecia girar a minha volta. Parecia que eu e ele éramos o centro do mundo.

Fomos tomar um chopp. Mais uma vez, como todo o amor, ele me dizia : “Bebe! Vai dar dengue!” Tomei umas tulipas e fomos passear no shopping. E nós nos beijávamos como dois loucos. Babávamos um no outro matando a sede na saliva e ainda tomando banho também.

Os seguranças olhavam mas acho que era normal para eles aquele furor de desejo exposto para crianças, famílias, patricinhas e bad boys que passeavam na noite de sábado.

Saímos do shopping e ele, como um rei carrega sua rainha, me levou para a Vila Mimosa. Lá eu vi pouca coisa… Acho que eu caí e ele me levou para um quartinho e deu conta do recado disfarçadamente, discretamente. Desse modo, no dia seguinte, não haveria sinais da minha estréia na vida sexual.

Ficamos sentados numas cadeiras, falando besteiras e eu mal conseguia falar de tão entorpecida. Pensava uma frase e saía uma palavra. Sonic_123 passava a mão no meu decote. Ele me perguntava se eu já havia banalizado o sexo. Ele me levava para conhecer a rua Ceará. Senti um flash. Ouvi umas palavras dizendo: “Esse aí é trakinas meio a meio.”

Foi quando meu pai, acordado por uma força estranha, telefonou e eu desliguei dizendo: “Ah! Meu pai…” Então, my love cibernético me levou para o pensionato de volta. Me deixou gentilmente, batendo a porta de seu carro antigo como se fosse a geladeira da sua casa.

Fui para meu quarto e lá fiquei extasiada. Era 3 horas da madrugada quando cheguei. Três horas depois, sentia fome e decidi arrumar as malas, pegar o primeiro ônibus e partir para casa da mamãe. Comecei a suspeitar que era verdade aquela história de que alcóol pode alterar o estado de consciência.

Mil coisas vieram a minha mente. Passei o dia inteiro deitada, com espamos de susto e arrependimento. Passei a acordar no susto, todos os dias de manhã.

No dia seguinte, meus pais, desesperados com os relatos do meu encontro com o príncipe encantado, deram um baita esporro em mim. Fui levada ao ginecologista, para averiguar, inutilmente, se tinha perdido a virgindade ou não. Fiz exame de HIV, por medo de não saber o que havia acontecido… Ha! Que medo bobo, né? Coisa a toa… Um encontro tão natural, algo assim especial. Para que o medo, né?

As pessoas diziam que o exame era bobagem, desnecessário. Eu imaginava todas as figuras da mídia que tinham morrido de AIDS. Só pensava no Betinho e o fato de eu cursar sociologia. Pensava no Cazuza e tinha horror só de enxergar alguma semelhança no meu comportamento com a conduta promíscua do artista.

Fiz o exame. Deu tudo certo. Só Deus sabe quando vamos nos encontrar de novo.