No ano passado, enviei meu conto The Japanese Rice Cooker para a antologia brasileira Fator Morus, editada por Lu Evans. Desde então, tenho testemunhado os esforços incansáveis de Lu para publicar escritores especulativos de todo o mundo. Ela faz tudo do zero: escreve a proposta, cria o convite, faz a divulgação, edita, contribui, desenha a capa, monta o livro e o promove. Os livros estão disponíveis em inglês, espanhol, mas a maioria deles está em português.

Para seu projeto mais recente, Vozes Intergalácticas, Lu me pediu para escrever um prólogo, e fiquei muito honrado em fazê-lo. O livro reúne autores da Suíça, França, Portugal e Brasil, é claro. Depois de ler a coletânea, também me senti inspirado a escrever um texto meu, pois, como disse no prólogo, o objetivo do livro é encontrar sua voz. Sou grato a todos os colaboradores que me permitiram ter uma conexão intergaláctica por conta própria e muito grato a Lu Evans, que está fazendo o mesmo por muitos escritores e leitores de todo o mundo. É uma honra entrevistar Lu e ter a oportunidade de saber mais sobre sua vida, suas motivações e, mais importante, sobre a galáxia de onde ela vem, o que faz dela uma SuperLu, a escritora.

JS/ Estou curiosa sobre sua formação e como começou a escrever nos Estados Unidos.

LE /Sou formada em Jornalismo por uma universidade federal no Brasil e atualmente estou estudando Antropologia no New Mexico Central College. Comecei a escrever quando criança e fiz teatro durante minha adolescência, dirigindo e escrevendo peças. Em 2013, comecei a lançar livros de fantasia e ficção científica. Sempre escrevo em português, mas já tenho sete livros em inglês e quatro em espanhol, além de contos publicados em revistas, antologias e narrados em audiolivros nos EUA e na Inglaterra.

JS/Como a cultura brasileira alimenta sua imaginação? Sua vida nos Estados Unidos alterou sua maneira de escrever?

LE /A cultura brasileira é baseada em tradições indígenas, africanas e portuguesas. Minha região foi invadida por franceses e holandeses na época da colonização, e muitos deles permaneceram lá depois que os portugueses retomaram a área, portanto, há uma mistura cultural que me inspira e influencia. Viver no sudoeste dos EUA desde 2005 de certa forma reestruturou minha escrita. Tudo aqui é feito para inspirar artistas. A paisagem é dramática, há uma forte tradição mexicana, histórias das nações Navajo, Hopi, Zuni e Pueblo, contos antigos de cowboys, cidades fantasmas, arquitetura adobe, culinária original e sítios arqueológicos.

JS/ Quantas coletâneas você já lançou até agora? Qual é o processo de edição e promoção? Qual é a sua aspiração ao criar essas coleções?

LE/ Até o momento, publiquei 25, dentre as quais três reúnem autores de diferentes países. Comecei a editar antologias em 2019, quando descobri que minha mãe teria apenas alguns meses de vida. Eu precisava de algo novo e desafiador e, como sempre, a literatura me ajudou a superar um momento difícil.

Às vezes, amigos sugerem um tema, mas quase sempre eu decido o assunto e o título, mas não sei realmente como as ideias chegam até mim. Em geral, cuido do processo do início ao fim: ler, revisar, traduzir, fazer a capa e assim por diante. É um trabalho árduo, mas não me importo. Todos os envolvidos ajudam a promovê-lo em suas mídias sociais. Minha intenção é produzir e oferecer literatura especulativa contemporânea gratuita.

JS/ Como você define sua escrita? Que tipo de gênero gosta de escrever? Você o chamaria de ficção especulativa, ficção científica ou fantasia?

LE/ Escrevo diferentes gêneros e subgêneros dentro da literatura especulativa: ficção científica, ficção científica folclórica, distopia, fantasia folclórica, fantasia científica, fantasia histórica, fantasia sombria, gótico, paranormal e realismo mágico. Não escrevo terror ou horror, e não tenho muito interesse em fantasia medieval ou cyberpunk. Tento manter minha escrita simples e objetiva, porém elegante, e evito exageros. Escrevo apenas o necessário para contar a história.

JS/ Minha vida emocional, os eventos políticos atuais e a vida contemporânea em geral desempenham um papel importante no meu processo de criação. Você sente o mesmo? Se sim, pode dar alguns exemplos disso?

LE /Tento deixar de lado minhas opiniões políticas e minha vida pessoal quando estou contando uma história. Minhas histórias são baseadas em mitos, lendas, folclore, conceitos e descobertas da ciência e, de vez em quando, algumas teorias de conspiração malucas, porque são divertidas. Meu principal objetivo é entreter os leitores, mas tudo o que escrevo é produto de pesquisa. Se eu escrever uma história sobre a pré-história, colocarei informações embasadas em descobertas e comprovações arqueológicas, por exemplo. Nunca é apenas minha imaginação.

JS/ Você lançou recentemente uma coletânea de contos chamada Vozes Intergalácticas. Há algum objetivo moral em fazer uma coletânea como essa? Você considera melhorar o mundo ao reunir esses escritores em uma antologia? Por que escrever sobre alienígenas ainda é válido diante de uma catástrofe climática?

LE / Escritores do Brasil, Portugal, França e Suíça participam dessa coletânea (em português), e o prefácio é assinado por você, representando a Colômbia. Nessa antologia, cada história apresenta um tipo diferente de alienígena registrado na mitologia ou ufologia. Há os tipos tradicionais: cinza, reptiliano, nórdico, e outros não tão famosos, como cetianos, alpha draconis, nommos e rakk, entre muitos outros. Nunca foi minha intenção tentar mudar ou melhorar o mundo como escritora ou editora. Na verdade, não creio que a literatura tenha o poder de mudar alguma coisa. Tomemos a questão climática como exemplo. Os escritores de ficção científica — e seus alienígenas — não são muito úteis para resolver um problema como esse. A única coisa que podemos fazer é continuar escrevendo e esperar que os leitores gostem de nossas histórias e reflitam sobre elas.

JS/ Como você descreve suas coleções? Quais são os valores que suas coleções transmitem aos leitores? Você pode apontá-los em histórias específicas?

LE/ Cada coleção é um intercâmbio entre diferentes culturas. Diversidade é o que eu busco. Reunir autores de diferentes lugares é uma ação mínima contra o racismo. Ainda assim, há uma sensação de estar realizando algo digno. Em Vozes Intergalácticas, cada autor usou seu alienígena para falar sobre uma situação/assunto diferente, dando-lhes camadas emocionais, psicológicas e até mesmo humanas. O meu se chama Meu Amigo Bob e trata da facilidade com que as pessoas podem ser enganadas quando submetidas à propaganda do governo e à alta tecnologia. O enredo se passa na década de 1940, logo após a suposta queda de uma nave espacial em Roswell, NM, mas a situação não é estranha à nossa vida moderna, pois estamos constantemente expostos à agenda política e à inteligência artificial.

JS/ Que lições você aprendeu com essa coleção e sua interação com os escritores?

LE/ Tenho um contato mais próximo com a maioria dos autores. Trocamos informações e conhecimentos e trabalhamos juntos em outros projetos. Portanto, posso dizer que aprendo todos os dias com outras experiências e culturas. Minha antologia mais recente, Vozes Intergalácticas, me deu a oportunidade de trabalhar com autores portugueses. Embora o idioma seja o mesmo, a maneira de falar e escrever são diferentes, e essa foi uma experiência linguística muito rica para mim.

JS/ O que você acha da interação com a IA durante o processo de escrita?

LE/ Tudo o que eu quero é distância da IA no processo de escrita e concordo com a posição de muitos editores que bloqueiam a participação de textos produzidos por IA em suas antologias. Se um escritor não quiser dedicar seu tempo para escrever, ele deve procurar outra coisa para fazer.

JS/Suas coletâneas reúnem escritores da Ásia, Europa, Estados Unidos e América do Sul, especialmente do Brasil. Os escritores têm tendências e rumos diferentes de acordo com cada região ou, ao contrário, todos os escritores convergem para caminhos semelhantes?

LE/ São autores da Argentina, Bolívia, Costa Rica, Colômbia, México, Uruguai, Estados Unidos, Brasil, Canadá, Nepal, Polônia, Portugal, França, Suíça e Bósnia e Herzegóvina. Eles representam seus países e têm maneiras específicas de contar histórias e construir os personagens. É possível até mesmo sentir uma atmosfera diferente, própria daquele país distante, em cada conto. Por exemplo, os autores de países tropicais escrevem histórias mais coloridas e ensolaradas, enquanto os europeus são mais frios e sombrios. Meu objetivo é transformar as coleções em espaços onde exercitamos a diversidade.

JS/ O que você acha do Afrofuturismo? Como você o aborda a partir de uma perspectiva brasileira? Você percebe movimentos semelhantes em outras partes do mundo que buscam ser mais inclusivos?

LE/ Acho que é um gênero fascinante. Uma das minhas séries favoritas é Xenogenesis, de Octavia Butler. Nunca escrevi sobre afrofuturismo. Imagino que algumas pessoas não me vejam como alguém que possa representar o gênero, talvez digam que não tenho o direito de falar sobre os negros e seus problemas. Devemos considerar situações como essa antes de decidir o que escrever. Uma coisa é ter um ou dois personagens negros em sua história, outra é escrever afrofuturismo. No entanto, alguns autores negros já publicaram esse gênero em coletâneas minhas. Em Vozes Intergalácticas, por exemplo, há uma autora bem conhecida do Brasil, Sandra Menezes, que escreve principalmente afrofuturismo. Acho que esse gênero é mais forte nos continentes americano e africano, apesar da globalização e das constantes migrações que estão acontecendo em outras partes do globo. Não me lembro de nenhum movimento inclusivo tão forte quanto esse em outros lugares.

JS/ Fale-me sobre seus projetos futuros e como o público recebeu o Intergalactic Voices? 

LE/ Há algumas coisas interessantes acontecendo este ano. Participarei pela primeira vez de uma coletânea regional com autores do meu estado natal no Brasil. Outro conto fará parte de uma antologia americana sobre dragões. Planejo lançar uma coletânea de realismo mágico com autores do Brasil e da Índia no segundo semestre do ano. Há também uma coletânea de ficção científica folclórica com autores brasileiros, mas talvez ela só saia no início de 2024. Quanto à coleção Vozes Intergalácticas, os leitores de ficção científica gostam muito de alienígenas e por isso estão se divertindo muito com as histórias.

Bem, Lu Evans não nos disse exatamente de que galáxia ela tirou todos os seus poderes, mas toda super-heroína tem o direito de manter seus segredos.