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RFK Jr. é candidato à presidência dos EUA com uma posição claramente pacifista e anti-imperialista

Este artigo também está disponível em: Inglês, Alemão

Uma candidatura que não deveria ser ignorada quando se trata de paz.

por John V. Walsh (*)

No passado dia 19 de Abril, Robert Francis Kennedy Jr. declarou na apresentação da sua candidatura à presidência pelo Partido Democrata:

“Faz agora cinquenta e cinco anos e um mês, estava eu, rapaz, com 14 anos, sentado atrás do meu pai quando ele anunciava, numa sala de reuniões do Senado em Washington, a sua candidatura à presidência dos Estados Unidos. Naquela altura, o meu pai encontrava-se, em muitos aspetos, na mesma posição em que me encontro hoje. Estava a concorrer contra um Presidente do seu próprio partido. Estava a concorrer contra uma guerra. Ele estava a concorrer CONTRA – ele estava a concorrer numa altura de polarização sem precedentes no nosso país”.

Desta forma, RFK Jr diz-nos de imediato que está a ” candidatar-se contra uma guerra”, a cruel guerra de Joe Biden contra a Rússia, usando os ucranianos como carne para canhão.

Lembrou-nos que o seu pai tinha poucas hipóteses de ganhar, e como ele achava que provavelmente iria perder. Mas, no dia do seu assassinato, RFK tinha ganho as primárias na Califórnia, um estado urbano, e no Dakota do Sul, um estado rural. O que RFK Jr. nos está a dizer é que a sua candidatura não deve ser descartada de ânimo leve. Nas sondagens RFK Jr obtinha 14% dos votos entre os eleitores de Biden, mesmo ainda antes de ter anunciado a sua candidatura. Quase 44% dos democratas querem qualquer outro que não Biden, e apenas 25% desejam que ele se candidate em 2024.

Um vídeo com o discurso completo de duas horas, impressionante em muitos aspetos, pode ser encontrado aqui e a sua transcrição aqui. Kennedy não leu um texto preparado, embora o discurso parecesse ter sido cuidadosamente delineado. Tinha um ar de informalidade refrescante. E merece ser ouvido com atenção.

Muitos dos pontos do discurso estão resumidos na secção sobre “Paz” no website da campanha do RFK Jr, como se pode ler a seguir:

“A despesa anual relacionada com a defesa é de cerca de um bilião de dólares. Mantemos 800 bases militares em todo o mundo. O dividendo da paz que era suposto vir depois da queda do Muro de Berlim, nunca foi resgatado. Mas, agora, temos uma nova oportunidade.”

“Como Presidente, Robert F. Kennedy Jr. iniciará o processo de desmantelamento do império. Vamos trazer as nossas tropas para casa. Deixaremos de acumular dívidas impagáveis para travar uma guerra atrás da outra. As forças armadas voltarão a cumprir o seu verdadeiro papel de defender o nosso país. Acabaremos com as guerras por procuração, as campanhas de bombardeamento, as operações secretas, os golpes de Estado, os paramilitares e tudo o mais que se tornou tão normal e que a maioria das pessoas não sabe sequer que está a acontecer. Mas está de fato a acontecer, e isso esgota constantemente as nossas forças. É altura de regressar a casa e de restaurar este país.”

“Quando uma nação imperial beligerante se desarma por vontade própria, estabelece um modelo de paz para todo o mundo. Não é demasiado tarde para abandonarmos voluntariamente o império e servirmos a paz, como uma nação forte e saudável.”

E quanto à Ucrânia:

“Na Ucrânia, a prioridade mais importante é acabar com o sofrimento do povo ucraniano, vítima de uma invasão russa brutal e também vítima das maquinações geopolíticas americanas que remontam, pelo menos, a 2014. Primeiramente temos que clarificar a nossa posição: a nossa missão é ajudar os corajosos ucranianos a defender a sua soberania? Ou é usar a Ucrânia como um peão para enfraquecer a Rússia? Robert F. Kennedy Jr escolherá a primeira opção. Encontrará uma solução diplomática que traga a paz à Ucrânia e que permita devolver os nossos recursos ao lugar a que pertencem. Oferecer-nos-emos para retirar as nossas tropas e mísseis com capacidade nuclear das fronteiras da Rússia. A Rússia retirará as suas tropas da Ucrânia e garantirá a sua liberdade e independência. As forças de manutenção da paz da ONU garantirão a paz nas regiões orientais de língua russa. Vamos pôr fim a esta guerra. Acabaremos com o sofrimento do povo ucraniano. Este será o início de um programa mais alargado de desmilitarização de todos os países.”

“Temos de deixar de ver o mundo em termos de inimigos e adversários. Como escreveu John Quincy Adams, ‘os americanos não vão para o estrangeiro à procura de monstros para destruir’ .”

São palavras fortes usando categorias realistas como “império”, “guerras por procuração”, “golpes de Estado”, “maquinações geopolíticas que remontam a pelo menos 2014”,  factos imperiais horríveis que os principais canais de comunicação aludem de forma eufemística ou aos quais simplesmente nem sequer fazem referência.

Esta é uma candidatura que não pode ser ignorada ou reduzida apenas aos prós e contras das vacinas de ARNm ou às querelas da família Kennedy sobre a candidatura, como o fizeram até agora os principais meios de comunicação social. Por exemplo, na sua breve cobertura de última página, o New York Times, o principal porta-voz do establishment imperial, não faz uma única menção à guerra com outra potência nuclear que paira atualmente sobre as nossas cabeças!

Isto não quer dizer que se deva aceitar o discurso de RFK Jr apenas pelas suas belas palavras e aparências. Mas, dado o atual entusiasmo pela guerra em todos os cantos do establishment político do Partido Democrata e de grande parte da sua base, é difícil ver a candidatura do RFK Jr como oportunista. Chega mesmo a elogiar a iniciativa chinesa “Belt and Road”, mostrando o contraste entre os custos dessa iniciativa e os custos das nossas guerras intermináveis, quebrando no mínimo um tabu da classe política nos EUA.

A candidatura do RFK Jr merece ser tratada de forma crítica como todas as candidaturas, mas não de forma cínica.  O seu discurso merece ser ouvido com seriedade.

Este artigo foi publicado pela primeira vez no Antiwar.com.
Tradução do inglês por Pedro Braga


(*) John V. Walsh, até há pouco tempo professor de Fisiologia e Neurociências numa universidade der Massachusetts, escreve artigos sobre temas ligados à Paz e à Saúde para várias publicações nos EUA.

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