Por Jorge Alemán (*) – Página/12, Argentina

A extrema direita é uma pauta que se alastra no território dos direitos históricos. De fato, a primeira referência do Vox é Isabel Díaz Ayuso, presidente da comunidade de Madrid pelo Partido Popular (PP).

Por que a política salarial razoável, ambientalista e feminista da coligação de esquerda não foi possível de ser traduzida em votos a seu favor?

Para responder a esta questão é preciso levar em conta aspectos que não se reduzem apenas à questão econômica. Isso não significa esquecer esta dimensão tão importante.

No entanto, o triunfo claramente “ideológico” da extrema direita exige atenção a fenômenos que a política clássica não costuma levar em conta.

Nos tempos atuais de fragilidade e desamparo dos sujeitos, e insisto nisso, para além do econômico, a direita sabe que mesmo os setores mais vulneráveis ​​demandam fortes identificações, que se encarregam de esconder tanto a divisão em antagonismos que constitui o que é social como a própria fratura inaugural do sujeito nos seres falantes. Para esta operação, a extrema-direita tem como agenda a promoção de um “eu forte”. Um imaginário que, por mais arcaico que seja, por mais anacrônico que pareça, promete uma identidade inconfundível.

Por isso, a extrema-direita precisou de muito pouco esforço para vencer esta eleição confortavelmente; apelou aos velhos fantasmas e propôs-se como solução para todos os traumas históricos. Pedro Sánchez era um terrorista que havia acertado com o ETA, a coligação de esquerda era um caminho direto para a destruição da Espanha, os invasores ocupariam os apartamentos abandonados, os criminosos iriam passear etc. Todos os assuntos impossíveis de discutir porque pertencem a um mundo imaginário. A esquerda esclarecida pensou que, tendo feito uma gestão correta num momento particularmente conturbado, os cidadãos não iriam acreditar nessas miragens monstruosas. Mas os discursos performativos impõem-se separados de toda a realidade, a sua recepção pode ser cínica ou decididamente crédula, em suma, este assunto pouco importa. O importante é a efetiva manobra de unificação na construção de um “eu forte” que essas invocações possuem. Bastou mostrar e não demonstrar que com a coligação de esquerda voltariam todos os episódios traumáticos que só essa direita pode estancar. Um dos cartazes da campanha mais viralizados trazia mãos ensanguentadas com as letras PsoEta.

Você poderia realmente acreditar nisso, quando o PSOE teve muitas vítimas que caíram nas mãos do ETA?

Seria realmente possível pensar que o atual presidente da União Europeia iria levar a Espanha à sua destruição?

Foi-se o tempo daqueles ultra-direitos xenófobos e racistas que o eram com os imigrantes. Agora a xenofobia inclui toda a esquerda quando governa.

Quando assim é, a esquerda é um intruso que impede a harmonia e a unidade do eu, é uma vontade má que impede a assunção livre de uma identidade compacta. Discutir esse imaginário desencadeado é tão difícil quanto tentar tranquilizar as crianças de seus fantasmas perseguidores.

Por tudo isso é que imigrantes, trabalhadores e vulneráveis ​​de todo tipo quando votam na extrema direita não o fazem contra seus interesses.

São outros interesses, mais opacos que os interesses vitais e econômicos.

Trata-se de usufruir de uma identidade como nos estádios de futebol, para além de qualquer dimensão histórica ou problemática, e poder usufruir das difamações e insultos proferidos por um eu que se pavoneia com a sua miragem até que o real o desperte.

30 de maio de 2023.


(*) Jorge Alemán é um psicanalista e escritor de origem argentina. Em 1976 exilou-se em Espanha, com 25 anos. Desde essa data vive em Madrid. Publicou inúmeros livros que dão conta de um pensamento que une a psicanálise, a filosofia e a política, além de livros de poesia.


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https://www.jornada.com.mx/2023/05/31/opinion/002a1edi

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