Recordemos aqui que as duas potências que estão verdadeiramente em conflito militar na Ucrânia (a Rússia por um lado, e os EUA/NATO/UE/Ucrânia por outro), sobretudo os EUA, têm um passado cheio de sangrentas intervenções militares — a maioria delas ilegais — contra outros países para poderem alargar, garantir ou reforçar o seu domínio sobre outros povos e explorá-los. Portanto esta não é — como muitos afirmam — uma guerra pela defesa da democracia, mas sim uma guerra neo-colonialista pelo controlo da Europa de Leste: uma guerra que começou já nos anos 90 com a expansão da OTAN e a partilha brutal da ex-Jugoslávia. A continuação dessa guerra, agora na Ucrânia, só irá trazer ainda mais destruições e ainda mais mortes (de momento, sobretudo para o povo ucraniano), assim como uma crise económica, financeira, alimentar e ecológica a nível global! Quer as ditaduras dum lado, quer as “democracias” do outro, estão a comportar-se de uma forma absolutamente vergonhosa, pois continuam a alimentar a todo o custo o prolongamento da guerra e o agravamento das sanções para atingirem os seus desígnios. Estaremos no início da III Guerra Mundial? No mínimo, estaremos no começo (a quente) de uma nova Guerra Fria… 

Por isso temos de mudar de paradigma! Só há uma saída humana para esta guerra: um cessar-fogo o mais depressa possível, depois do qual devemos procurar obter finalmente a Paz através de negociações e de concessões mútuas, na base do respeito mútuo entre todas as partes envolvidas. 

Vistas as coisas nessa perspetiva histórica, não se justifica pois estarmos alinhados nem por um lado nem contra o outro: faz todo o sentido, portanto, um Não-Alinhamento político e militar do maior número de países do mundo!

 

Não ao Putin e à OTAN, arquivo da PRESSENZA


O texto que se segue é de autoria de
António Justo (*)

Da Luta contínua dos Gigantes pelo Domínio dos Povos

Invasões e intervenções relevantes dos EUA:

Na Segunda Guerra Mundial (1939-1945) a Rússia e os EUA ainda eram parceiros de guerra: Os EUA entraram na guerra em 1941 e lutaram com a Rússia contra as potências do Eixo, Alemanha, Itália e Japão que deram origem ao conflito armado. A Segunda Guerra Mundial provocou cerca de 70-85 milhões de mortes. Os EUA lançaram a bomba atómica no Japão. Os Aliados eram o Reino Unido, França, União Soviética e Estados Unidos.

1– Guerra da Coreia (1950-1953): Os EUA apoiaram as tropas sul-coreanas na luta contra as tropas norte-coreanas, que eram apoiadas pela China e pela União Soviética. A Guerra da Coreia provocou cerca de 1,2-2 milhões de mortes e uma Coreia do Norte extremamente militarizada.

2- Guerra do Vietnam (1955-1975): Os EUA apoiaram o estado sul-vietnamita contra o vietcongue comunista e o Vietnam do Norte. A Guerra do Vietnam provocou cerca de 1,3-3,8 milhões de mortes.

3- A Crise de Cuba (1961-62): a 17 de abril de 1961 deu-se a invasão financiada por Washington falhada na baía dos Porcos (Playa Girón) em Cuba (1). Quase eminente guerra nuclear entre os EUA e a União Soviética.

4- Invasão de Granada (1983): Os EUA invadiram a ilha caribenha de Granada para derrubar o governo comunista de lá.

5- Invasão do Panamá (1989): Os Estados Unidos derrubaram o governo de Manuel Noriega e ocuparam o país.

6- Guerra do Golfo (1990-1991): Os EUA lideraram uma coligação internacional para expulsar o Iraque após a invasão do Kuwait.

7- Intervenção militar na Jugoslávia (1999) (semelhante à intervenção da Rússia na Ucrânia e ao fomento americano através das revoluções coloridas). Foi a primeira guerra de agressão na Europa levada a efeito por alguns países da OTAN (USA, Alemanha + 17 estados) contra a Sérvia e sem mandato do Conselho de Segurança da ONU. Posteriormente também aqui a OTAN confessou que o pretexto de ataque foi devido a um equívoco (2); esse estratagema usado para legitimar intervenções também foi usado no caso da mentira orquestrada para justificar a intervenção no Iraque. A Casa Branca parte do princípio que contra a força não há resistência e sabe que depois de uma invasão só contam os factos militares e podem sempre descalçar a bota com o pretexto de atuarem em benefício da liberdade e da democracia. Este é um método constante: fomentar tumultos dentro de um estado, apoiá-los e depois impor-se pela força, levando ao poder um governo favorável.

8- Invasão do Afeganistão e guerra (2001-2021): Os EUA começaram a guerra contra o governo talibã, que hospedava a Al-Qaeda, após os ataques de 11 de setembro de 2001. A guerra do Afeganistão provocou aproximadamente 250.000 mortos. A Europa e os EUA diziam defender a Democracia e os valores ocidentais no Afeganistão tal como dizem fazer hoje na Ucrânia.

9- Guerra do Iraque (2003-2011): Os EUA atacaram o Iraque para derrubar o regime de Saldam Hussein e, para tal justificarem, mentiram dizendo que o Iraque tinha armas de destruição em massa. A guerra no Iraque provocou aproximadamente 1-1,5 milhões de mortos.

10- Intervenção militar na Líbia (2011): Os EUA e outros países da OTAN intervieram na guerra civil da Líbia para apoiarem os insurgentes contra o governo legítimo e derrubaram Muammar al-Gaddafi, criando assim uma zona instável propícia. Onde há petróleo, riquezas naturais ou interesses de estratégica política há sempre pretextos não declarados para se intervir.

11- Ação militar contra o Estado Islâmico (desde 2014): Os EUA e uma coligação internacional participaram da luta contra o Estado Islâmico no Iraque e na Síria.

Esta é uma amostra das intervenções militares dos EUA entre outros conflitos e engajamentos não mencionados.

 

Invasões e intervenções relevantes da União Soviética/Rússia:

1- Guerra Fino-soviética (1939-1940): A União Soviética atacou a Finlândia por questões de disputas de fronteira.

2- Guerra Afegã (1979-1989): A União Soviética atacou o Afeganistão para apoiar o governo comunista.

3- Guerra na Chechênia (1994-1996 e 1999-2009): A Federação Russa lutou contra os separatistas chechenos.

4- Guerra na Geórgia (2008): A Federação Russa interveio na Geórgia para apoiar a independência da Ossétia do Sul e da Abkhazia.

5- Intervenção militar na Ucrânia (desde 2014): A Federação Russa apoiou os separatistas no leste da Ucrânia e anexou a Crimeia. Neste conflito encontra-se também a Casa Branca e a OTAN também já antes envolvidos através da revolução laranja. Os EUA investiram 5 milhares de milhões de dólares para deporem o legítimo presidente da Ucrânia e motivarem a Ucrânia a passar do estatuto de Estado neutro para pretendente a membro da OTAN.

 

Como é de observar, entre as duas potências mundiais que rivalizam no domínio da economia e do poder político no mundo, os representantes dos Estados Unidos revelam-se como mais profissionais na criação de intrigas e são os que mais apostam no poderio militar e económico sob o pretexto de (anteriormente) defenderem os valores anticomunistas e agora de defenderam a liberdade e a independência (os Estados Unidos são mais motivados pelo domínio económico e a Rússia mais pela ideologia). A Federação Russa ainda tentou vir a fazer parte da OTAN, mas as elites dos Estados Unidos apostavam na decomposição da Europa e na redução da Rússia a uma potência secundária. Por isso a intenção da Federação Russa de se aproximar à Europa e à OTAN foi sistematicamente contraminada pela Oligarquia americana. “O Ato Fundador OTAN-Rússia (oficialmente o Ato Fundador sobre Relações Mútuas, Cooperação e Segurança entre a OTAN e a Federação Russa) é apenas uma declaração de intenções ao abrigo do direito internacional assinada em Paris a 27 de maio de 1997 entre a OTAN e a Rússia”.

Desde 1940, a Rússia ou a União Soviética, e mais tarde a Federação Russa, interveio em numerosos conflitos militares e guerras em todo o mundo. Geralmente nos conflitos regionais lá se encontram os EUA e a Rússia e, um pouco ainda mais discretamente, a China.

Os impérios Estados Unidos, Rússia e China procuram influenciar os cidadãos em países que pretendem sob sua dependência com apoios económicos a opositores dos governos ou a grupos armados. Nos últimos tempos os EUA têm usado como meio de infiltração as chamadas revoluções coloridas especialmente nos povos que antigamente pertenciam à esfera de influência soviética.  O antigo Portugal das colónias é um exemplo da intervenção soviética e dos EUA no surgir dos  combates entre os diferentes grupos rivais. 


(1) “No começo da manhã de 17 de abril de 1961, teve início a invasão da Baía dos Porcos (Playa Girón) quando um grupo de mercenários, refugiados cubanos treinados em bases da CIA e financiados por Washington, desembarcou em Cuba para tentar derrubar o governo de Fidel Castro. O ataque fracassou”.
Os rebeldes comandados por Fidel Castro e Ernesto “Che” Guevara assumiram o comando de Cuba em janeiro de 1959 e queriam quebrar a dependência dos EUA, o que motivou a Casa Branca a tomar iniciativas para derrubar o governo. O governo de Fidel Castro estabeleceu os primeiros acordos comerciais e relações diplomáticas com a União Soviética.
Em 1962 os Estados Unidos através de espionagem verificaram que a União Soviética havia estacionado mísseis nucleares em Cuba, a apenas 125 milhas da costa da Flórida, coisa que os EUA não aceitavam porque os mísseis podiam atingir o próprio território (Caso semelhante ao que poderá acontecer na Ucrânia, podendo facilmente a Nato vir a atingir Moscovo a partir da Ucrânia).
Em abril de 1961, os invasores deveriam garantir um aeródromo temporário até que um governo no exílio formado nos EUA pudesse voar e pedir ajuda aos EUA. Mas este empreendimento falhou contra os combatentes cubanos altamente motivados e a invasão ficou para a história como o “desastre da Baía dos Porcos”. Então, em 14 de outubro de 1962, um avião de reconhecimento dos EUA avistou mísseis soviéticos estacionados em Cuba. Na iminência de uma guerra nuclear entre os EUA e a União Soviética, Khrushchev disse na Rádio de Moscovo que só se absteria de estacionar quaisquer armas em Cuba se os Estados Unidos em troca retirassem seus mísseis de médio alcance da Turquia. Os EUA anuíram.  “Os resultados imediatos da Crise dos Mísseis de Cuba foram um sucesso tático para a União Soviética, já que a retirada dos mísseis nucleares americanos da Turquia e da Itália colocou a União Soviética em uma posição mais favorável do que no status quo anterior”. Além disso, a União Soviética obteve garantias de segurança para Cuba. A crise levou às primeiras negociações sobre controle de armas.
(2) A Guerra da Jugoslávia: junho de 1999, a guerra terminou após meses de operações de combate da OTAN. A OTAN disse que foi um erro.
De acordo com uma reportagem do jornal britânico “The Observer”, o bombardeio foi deliberado porque militares jugoslavos ou sérvios estavam supostamente usando a embaixada como uma estação de rádio. À posteriori a OTAN confessou tratar-se de um erro. O Kosovo fazia parte do estado sérvio e era considerado o centro cultural e religioso da Sérvia à semelhança de Kiev para a Rússia. Tratava-se num caso como no outro de conquistar terreno para a OTAN em direção à Rússia. Depois que os sérvios fugiram das represálias otomanas no final do século 17, esses territórios foram posteriormente colonizados pelos albaneses (muçulmanos) passando com o tempo os muçulmanos a constituir maiorias nas regiões sérvias do Kosovo e Albânia. Também aqui como na Ucrânia se trata de impor o mesmo estratagema da Casa Branca.
Em 24 de março de 1999, membros da OTAN começaram a usar 200 aeronaves para atingir militares e civis alvos (Kosovo) na República Federal da Jugoslávia. Foi a primeira missão de combate da aliança – e a primeira missão de combate das tropas alemãs desde 1945. Para acabar com os ataques sérvios à população local e as expulsões, a OTAN decidiu em 1999 lançar ataques aéreos, nos quais a Alemanha participou. Conquista A OTAN travou sua primeira guerra de agressão contra a Jugoslávia em 1999 – sem um mandato do Conselho de Segurança da ONU. (Dados tirados da Wikipédia)
A OTAN, contando as unidades de reserva e somadas as unidades paramilitares, tem um total de cerca de 5,41 milhões de soldados. Ao mesmo tempo, a Rússia tem mais de 850.000 soldados ativos e o número total de militares é de 1,35 milhões.

(*) António Justo é natural de Arouca/Portugal e formado em Filosofia, Teologia e Ciências da Educação. Exerceu atividades pastorais em Paris e docentes na Alemanha. Reside em Kassel/Alemanha e dedica-se à atividade jornalística.

O artigo original pode ser visto aquí