No momento em que escrevo esse texto, meu coração se estremece de dor, de medo, de sensação de impotência… Sob a justificativa de “estabelecer comportamentos mínimos por parte do cidadão durante uma abordagem policial”, o deputado federal Bibo Nunes (PL-RS) apresentou o Projeto de Lei 5610/2019, cuja aprovação pela Comissão de Segurança Pública da Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira, 14 de junho. O referido PL prevê pena de prisão para quem, no momento de uma abordagem policial, tocar no agente de segurança.

Conforme o autor da matéria, “a limitação dos comportamentos bilaterais durante as abordagens é essencial para proteger o agente de segurança pública”. Ou seja: “passa a ser dever do ciddão atender às ordens do policial, deixar as mãos livres e visíveis, não realizar movimentos bruscos, não tocar no policial e manter uma distância mímina de um metro”. Diante do exposto, ficam algumas perguntas: a) Quem protege a cidadã e o cidadão da ação policial? b) quais são os limites dos agentes policiais? c) a Polícia pode empurrar (como geralmente o faz), chutar, bater no rosto…e a pessoa violentada deve suportar tudo isso imóvel?

Não é incomum, infelizmente, ações truculentas das forças policiais no Brasil. O recente asassinato de Genivaldo de Jesus Santos, um homem negro que sofria de esquizofrenia, ocorrido no estado de Sergipe, e que envolveu policiais rodoviários federais é somente um exemplo. Que, diga-se de passagem, nos causa revolta, indignação e nos evidencia o quanto estamos vulnerabilizadas e vulnerabilizados (sobretudo nós que somos racializadas/racializados) frente a atuação das forças de segurança(?) neste país.  Até hoje os agentes envolvidos não foram presos, apesar de todas as evidências de que houve uma ação que causou a morte de Genivaldo.

Amparo legal da violência

Não bastasse esse histórico digno de Estados antidemocráticos, os quais não respeitam os direitos humanos, o Parlamento brasileiro resolveu ampliar ainda mais os poderes das forças policiais para oprimir, humilar e até assassinar, com essa iniciativa do deputado gaúcho que prevê de três meses a um ano de prisão e multa em caso de descumprimento.

Quando morava em Feira de Santana, minha cidade natal, e também na capital Salvador infelizmente vivenciei o horror de ver inúmeras vezes agentes da Polícia Militar maltratarem pessoas sem o menor motivo. Simplesmente abordagens truculentas, verdadeiras demonstrações de abusos de autoridade.

Em uma dessas ocasiões, em Feira, quase fui presa, porque interferi numa ação em que os policiais espancavam um menor de idade que supostamente teria subtraído a bolsa de uma transeunte. Nunca me esqueci daquele dia! Por pouco não fui jogada num camburão. E conversando com um amigo policial sobre o ocorrido, ele simplesmente limitou-se a me “aconselhar” a nunca mais repetir o comportamento. Não lembro exatamente quando ocorreu esse fato, mas sei que eu tinha menos 24 anos de idade, pois ainda me encontrava cursando a graduação (me graduei aos 24 anos).

Ao contrário de conceder mais mecanismos coercitivos às forças de segurança, a melhor solução para o Brasil, conforme muitas/muitos especialistas, seria desmilitarizar a polícia.

Mas, enquanto isso não acontece, o que o Poder Legislativo nacional deve fazer é, no mínimo, criar instrumentos mais aficazes de punição para os casos de abusos, que, infelizmente, são rotineiros em nosso país (não me canso de repetir!).  Não é possível que todos os dias a Polícia mate, espanque, maltrate e fique por isso mesmo!

Os organismos internacionais de direitos humanos volta e meia criticam e expõem governos como o venezuelano, o cubano, entre outros, rotulando-os de “violadores dos direitos humanos”. No entanto, não vejo que façam o mesmo em relação ao Brasil, país  que, em 2020, por exemplo, registrou 17,6 mortes diárias em decorrência de ações policiais, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. E que entre 2013 e 2018, teve um crescimento na ordem dos 190% nesse quesito. Fico me perguntando quais pesos e quais medidas servem para classificar países como democráticos ou antidemocráticos, violadores e não violadores dos direitos humanos.

Que tipo de país com esses números aceita que o Parlamento aprove um Projeto de Lei que dá ainda mais poder coercitivo às forças de segurança? Que tipo de Estado é o Brasil? Que sociedade pode tolerar leis como essa que está sendo proposta pelo deputado Bibo Nunes? Que tipo de seres humanos estamos nos tornando ao tolerarmos a instituição do amparo legal a mais violência?

Espero que possamos nos mobilizar e pressionar o Poder Legislativo para que essa proposta truculenta não seja aprovada em Plenário.