Terminamos com a covid-19, mas a covid-19 parece não ter terminado conosco. A subvariante da ômicron, denominada BA.2, está causando picos de contágios, hospitalizações, mortes e isolamentos em diversas partes do mundo. Nos Estados Unidos, as estatísticas mais recentes relacionadas com o coronavírus têm sido encorajadoras. Não obstante, no dia 20 de abril, diante de um novo aumento de casos no país, os Centros para o Controle e Prevenção de Doenças (CDC) prolongaram por mais duas semanas — até dia 3 de maio — a exigência do uso obrigatório de máscara nos aeroportos e nos transportes públicos, inclusive em aviões. Além disso, o governo dos Estados Unidos também prorrogou por mais90 dias o estado de emergência sanitária devido ao coronavírus no país. Embora a subvariante BA.2 gere incerteza em relação ao curso da pandemia, há um fato que está cada vez mais claro: a covid-19 expôs desigualdades consideráveis na forma como os serviços de saúde são prestados e acessados na sociedade estadunidense. Nos primeiros meses da pandemia, em meados de 2020, a população afro-americana tinha três vezes mais chances de contrair o coronavírus e de necessitar hospitalização, além de duas vezes mais chances de morrer devido à doença do que a população branca.

Um recente estudo elaborado pela Campanha dos Pobres  ̶  movimento iniciado por Martin Luther King, em 1968  ̶  intitulado “Relatório sobre a pandemia dos pobres”, resume a situação da seguinte forma: «A pandemia exacerbou as desigualdades sociais e econômicas preexistentes enraizadas nos Estados Unidos há muito tempo. Isso inclui uma sociedade profundamente dividida, uma pobreza generalizada, uma rede de proteção social fragilizada, bem como condições de vida inadequadas e uma falta de confiança no conhecimento científico anterior à covid-19».

Essas disfunções e disparidades não serão superadas até que todas as pessoas, sem importar quem sejam ou de onde venham, tenham garantido o acesso aos sistemas de saúde como um direito fundamental.

Um dos palestrantes mais convincentes e apaixonados acerca do tema da saúde universal, o ativista Ady Barkan já não é mais capaz de usar sua própria voz para se comunicar. Ele foi diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica (ELA) em 2016 e usa um sistema computadorizado, que com os movimentos de seus olhos, forma palavras na tela de um computador e logo depois produz um áudio.

Em uma recente audiência realizada pelo Comitê de Supervisão da Câmara de Representantes dos Estados Unidos sobre o projeto conhecido como «Medicare para todos», Barkan prestou testemunho de sua casa remotamente: «É vergonhoso que, no país mais rico do mundo, escolhamos infligir tanto sofrimento. […] A pandemia expôs e exacerbou as desigualdades existentes em nosso sistema de saúde, um sistema baseado na obtenção de benefícios. Além disso, produziu um maior impacto entre as pessoas portadoras de deficiência, pobres, negras, latinas e indígenas e, em especial, entre aquelas que vivem nas interseções dessas categorias. Uma em cada três mortes por covid-19 nos Estados Unidos está relacionada a interrupções na cobertura dos planos de saúde. E um milhão de estadunidenses morreram devido ao coronavírus. Quantos mais devem morrer para que nossos legisladores façam algo?»

Medicare para Todos é uma iniciativa que propõe reformar o sistema de saúde dos Estados Unidos e tornar acessível a toda a população do país a disponibilidade do programa público de saúde Medicare, que atualmente garante cobertura de saúde aos cidadãos ou residentes permanentes no país maiores de 65 anos. O programa Medicare é uma modalidade de cobertura médica de pagador único, em que o governo não fornece os serviços médicos em si, mas faz os pagamentos em nome das pessoas às quais fornece cobertura. Portanto, os hospitais, os consultórios médicos, as farmácias e outros serviços similares permanecem como estão. Por sua vez, as seguradoras de saúde com fins lucrativos estão fora dessa equação. Isso significa, de acordo com um relatório da organização Public Citizen, uma economia em gastos de mais de 500.000 bilhões de dólares por ano, ou seja, meio trilhão de dólares por ano.

Medicare para Todos também garante que nenhuma pessoa fique sem seguro de saúde. A Fundação Kaiser Family calcula que atualmente cerca de 30 milhões de pessoas nos Estados Unidos não têm cobertura de saúde.

Em conversa com Democracy Now!, o médico Adam Gaffney, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard, disse: “Quando a pandemia começou, sabia-se que nosso sistema de saúde não seria capaz de funcionar bem com 30 milhões de pessoas sem seguro de saúde e com outros milhões sem cobertura de saúde adequada”. Gaffney é coautor de um estudo que mostra que as pessoas sem seguro de saúde têm maior probabilidade de contrair covid-19. «Precisamos expandir nossa infraestrutura de saúde pública para enfrentar a pandemia atual e as que surgirem no futuro, bem como outras ameaças para a saúde que enfrentaremos nos próximos anos, como o impacto das mudanças climáticas, entre outras».

A pandemia de coronavírus afetou com especial severidade a população afro-americana. Em relatório recente intitulado «A comunidade afro-americana e a covid-19» — elaborado pela Coalizão das Pessoas Negras contra a covid-19 (BCAC, na sigla em inglês), a Faculdade de Medicina da Universidade de Yale, a Escola de Medicina Morehouse e outras instituições —, a médica Marcella Nuñez-Smith, da Universidade de Yale, escreve: «Em janeiro de 2022, a taxa de afro-americanos hospitalizados por coronavírus foi a mais alta desde o início da pandemia».

Por sua vez, a médicaafro-americana Oni Blackstock, que trabalha em serviço de atenção primária, especialista em HIV e fundadora da organização Health Justice, afirmou à Democracy Now!: «A realidade é que todos estamos interligados. Se a comunidade negra tiver acesso a serviços médicos e a melhores medidas de segurança, isso fará com que o resto da população estadunidense também esteja protegida».


Traduzido do espanhol por Débora Lima / Revisado por Graça Pinheiro