Todos devemos ter um pouco do sangue de Ayrton Senna em nossas veias. Isso explicaria o porquê da nossa paixão e excitação em adotar novos padrões que ofereçam mais velocidade. Algumas vezes, parecemos estar em uma competição buscando quebrar um recorde olímpico, já que cada ganho de meio milésimo de segundo que algum novo serviço, aplicação ou gadget oferecem, justificaria plenamente a substituição de um padrão consolidado por outro.

Não sou contra a modernidade. De forma alguma. Não aceitar a evolução natural não é apenas estagnar-se, mas involuir. O Darwinismo Digital existe e pode atingir todos nós impetuosamente, caso não nos atentemos. Contudo, a adesão de novas tecnologias precisa sempre ser feita de forma escalonável, acessível e responsável.

Façamos uma autoanálise e tentemos responder: quantas vezes nós trocamos um aparelho perfeitamente funcional por um que prometia ser mais rápido? Quantas vezes migramos para um plano de dados maior ou um pacote com mais canais de TV por assinatura que jamais usaremos em sua totalidade? Perdemos a conta, não? Mas a conta desses gastos, talvez desnecessários, uma hora chega. E somente com ela em mãos é que nos damos conta de que o desperdício poderia ter sido evitado.

Mas deixemos a economia por ora de lado e nos voltemos para a tecnologia nua e crua.

Recentemente, anunciou-se a implementação de redes 5G mundo afora. Em comparação ao atual sistema 4G, presente em boa parte dos celulares, o ganho em velocidade chega a ser 20 vezes maior. Sem a menor sombra de dúvida, seria uma escolha óbvia a substituição das tecnologias. Destaco aqui o modo subjuntivo: seria. De qualquer forma, quem não ia querer navegar pelas ondas do ciberoceano numa lancha esportiva super veloz?

No entanto, apesar da ideia ser tentadora, uma das primeiras preocupações que devemos levantar é se estamos aptos a consumir as ofertas. Nossos celulares estão habilitados para usufruir dessa novidade? É possível que para um seleto grupo da sociedade, sim. Mas não serão todos, imediatamente, que poderão desfrutar dos benefícios dessa maior velocidade. E isso, de certo modo, vai de encontro à democratização da internet. Voltando às analogias, talvez falte o motor daquela bela lancha. Ou mesmo a lancha, infelizmente, já que muitos possuem uma canoa furada e olhe lá.

Tomemos por exemplo que em 2022 ainda é difícil comprar um dos telefones mais desejados do público: o iPhone. No Brasil, o moderno iPhone 11 (lançado em 2019) ainda é muito caro, mesmo a Apple já estando em seu modelo 13 e em vias de lançar a versão 14. Se você não for uma pessoa de grandes posses, terá que fazer algum esforço financeiro para comprar um iPhone 11, que custa hoje em torno de quatro salários mínimos, isto é, a terça parte do salário anual de um típico trabalhador brasileiro. E, satisfeito, ele irá ostentar por aí o seu novo gadget compatível com o 5G. Só que não. Esse modelo, com menos de três anos de fabricação, não funciona nessa rede.

Assim, damos conta que nem todos os aparelhos disponíveis hoje no mercado estão preparados para a nova tecnologia de internet. Poucos dispositivos estão capacitados a tirar o máximo proveito das novas redes. E isso, sem dúvida, é mais do que um mero entrave para a disseminação do 5G, pelo menos por aqui.

Além do mais, no momento, talvez nem haja a necessidade da oferta de toda essa largura de banda (velocidade disponibilizada). Apesar do comportamento padrão dos usuários hoje ser multifuncional e com conectividade 24h, isto é, fazendo várias tarefas como ouvir música e escrever em redes sociais simultaneamente no celular, o consumo individual de dados de internet não explora toda a potencialidade da tecnologia 5G.

Apenas para ilustrar, vejamos o seguinte comparativo: para carregar uma página de um site atual no 4G, gastamos em média 0,9 segundos. Já no 5G, gastaremos 25 milissegundos. Ouvir uma hora de música no modelo antigo necessita de 20 segundos de download, enquanto no novo, precisaremos de apenas 0,6 segundos. A questão é, será que a diferença é realmente perceptível no nosso dia a dia? Penso que ainda não. Talvez, num futuro, com aplicações mais robustas, demandando mais dados e velocidade, como um complexo metaverso, por exemplo, tudo faça um pouco mais de sentido.

Ou seja, por enquanto, você pagará por muito e usará pouco. Não me parece um bom negócio.

Há também as polêmicas da nova tecnologia. Os Estados Unidos adiaram por diversas vezes o lançamento do 5G por não se sentirem seguros quanto à interferência do seu sinal nas comunicações aeronáuticas. Para os órgãos reguladores americanos, eles careciam de mais testes de segurança antes da liberação do uso em larga escala. No entanto, talvez, o lobby das grandes companhias de telecomunicações tenha sido forte e conseguiu derrubar todo e qualquer obstáculo. Por lá, a nova tecnologia já está no ar. Mesmo com os aviões ainda receosos em dividir o seu espaço aéreo.

Outra controvérsia um tanto quanto curiosa: na Europa, diversas torres 5G foram derrubadas porque espalhou-se um boato que elas seriam responsáveis pela disseminação de Coronavírus, já que a tecnologia era oriunda da China. Você pode até ter ressalvas, como eu, ou ser contra o novo padrão de dados, mas, por favor, seja pelos motivos certos, não por fake news.

É claro que há aplicabilidades interessantes, como um eventual uso domiciliar e compartilhado. A ideia é que o atual padrão possa substituir o Wi-Fi, operando em frequências maiores, que vão de 3,5 a 26 GHz, sendo útil para a interoperabilidade de drones e carros autônomos e, até mesmo, conduzir eletricidade entre pontos de recepção 5G. Porém, ainda assim, esbarra-se no elevado investimento inicial em equipamentos e alto custo de manutenção mensal do serviço, que acaba direcionando-o para além dos citados, a redes empresariais de setores como da indústria, mineração, logística e agronegócio. Você e eu, os clientes móveis ou residenciais, talvez não tenhamos como usufruir toda a potencialidade da nova tecnologia nesta primeira onda.

Essas foram apenas algumas visões preliminares sobre a questão. Quiçá, num futuro próximo, esses pontos não tenham mais nenhuma relevância, ainda mais quando estivermos discutindo sobre o 6G, que já está em desenvolvimento. Todavia, uma tecnologia como a 5G não será, por ora, para todos e, por isso, talvez este texto refletisse melhor o seu conteúdo se eu o intitulasse como: 5G para quem?